O CRIME não COMPENSA

Não garanto nem prometo algo com as minhas letras. A quem por aqui procurar caminhos de perdição ou de enlevos, aconselho vivamente a consulta de outro operador turistico.
E ainda bem que não são por causa dessa história a que chamam monotonia. Lembram-se que ainda ontem e ante-ontem e nos dias anteriores choveu a potes e quando não era a potes a água caia muito certinha sem parança que é a pior das chuvas; não faz intervalo para um cidadão dar uma corrida para um abrigo de jeito. E de um momento para o outro, o golpe de asa da mágica natureza: o dia de hoje, fantástico de sol aberto!... pelo menos aqui para as minhas bandas. Mas certo, certo, é que eu até gosto de chuva e não me enervo ou entro em parafuso, se me cairem uns pingos na cabeça ou na indumentária. O que na realidade detesto -e aí sim, vou aos arames, é do estado em que se encontram os passeios da maior parte das ruas da Grande Lisboa de tal modo, que à cautela, se vamos andar a pé em dia de água certa, o mais avisado será levar um mapa com os incidentes de terreno, assinalados em levantamento efectuado antes com bom tempo, não vá o diabo tecê-las.
Isso leva-me ao outro aspecto da questão e de que hoje me propus escrever; o modo como se tecem e entrelaçam as realidades e os imaginários que vamos construindo em nosso redor, segundo-a-segundo e a maioria das vezes sem darmos conta de tais empreendimentos uma vez que os nossos sentidos, de um modo geral, estão mais apostados no imediatismo da imagem e da oralidade que na pausa -por breves minutos que seja, para reflectir.
Hoje, logo pela manhã, a minha-mais-que-tudo (há uns tempos que a não trazia aqui, à colação, eu sei... mas ela nunca gostou de se ver nas bocas do mundo e está-me sempre a repetir «Estou careca de te dizer que não quero que me cites nessa coisa horrorosa do bilogue que ainda para mais é lido por milhares de pessoas e elas a saberem das nossas intimidades! Que coisa!!» ), levantou-se, vestiu o roupão-azul-celeste-argentino, foi à varanda e não tinha passado um segundo quando me gritou «Anda cá Lé! Anda ver uma coisa que aconteceu na rua!!». Estremunhado, mal acordado de um sono que devia ter continuado por mais umas horas, pensei de imediato "mais um gajo que ficou debaixo do combóio, está visto!", que o combóio passa mesmo aqui ao pé da porta e às vezes até dá vontade de o apanhar em andamento, mas não senhor; a estação dista da casa cerca de dois quilómetros!. Levantei-me a contragosto... mas levantei-me e lá fui à varanda.
A minha-mais-que-tudo tinha razão. Para a esquerda, em direcção ao mar, a rua estava dividida em duas partes distintas; numa, lá estavam as casas a carecerem de pintura, os carros estacionados em cima dos passeios (com buracos e pedras soltas), os contentores do lixo bem abertos e os remendos no asfalto irregular. Na outra, só havia o traço e a cor (predominantemente azul) e as malhas que alguém teceu, numa paisagem-contraponto à da realidade urbana. Eu vi. E a foto está aí.
Óleo e fotografia de: Alberto Oliveira.