MANHÃS
Ganimedes levantou-se de um salto. Não era daqueles que acordados por um despertador -estratégicamente adiantado cinco minutos à hora real, ainda ficavam, pelo menos outros tantos, protegidos pelos familiares lençóis, procurando recordar pormenores de sonhos (e pesadelos, que estes são em maior quantidade nos conturbados tempos que se vivem) ou indo buscar coragem onde ela não existe, para enfrentar as duras realidades de um quotidiano que teima em repetir-se sem o sal nem a pimenta de vivências apenas possíveis a quem nasceu com o rabo virado para a lua. Não. Ele era pão-pão, queijo-queijo: chegava a hora de dormir, deitava-se. Na de acordar, levantava-se. Sem mais delongas. Cacilda, sua esforçada companheira, costumava observar: "Tu tens no leito, apenas uma posição: deitado. No chão, o jeito de estares sempre levantado." Conformada, dedicara-se nos últimos tempos à rima, uma vez que o marido na posição horizontal, entregava-se ao sono de alma e coração. Mas o despertar desta manhã, estava a ser no mínimo, invulgar: os acordes da rotineira marcha musical, não provinham do relógio-despertador no quarto do simpático casal. Na rua, passavam dois homens tocando tambor e pífaro. Da janela, Ganimedes observando-os, espantou-se "Cacilda! Com este barulho, até o Florival das Finanças, que está em coma há dois meses, vai acordar e chegar a horas ao emprego!"
Valência, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.