Wednesday, June 25, 2008

DAR DESCANSO ÀS HISTÓRIAS.













O Abelaira "escrevia na água". Porque sou um gajo modesto e pouco dado a fantasias que ultrapassem o trivial triplo salto mortal à rectaguarda com queda sobre uma superfície coberta com lâminas de barbear no interior dos respectivos blisters, escrevo na areia. E não sendo um exímio praticante de surf, este Verão envidarei todos os esforços, no sentido de aperfeiçoar a técnica de entrar com estilo na água. Que é aonde o carapau quer regressar, depois de um engraçadinho o tirar do seu elemento natural. Até um destes dias.
2008. Texto e fotos de Alberto Oliveira.

Wednesday, June 18, 2008

LEVITA SÃO!







Euclides já tinha visto muita coisa na vida mas era a primeira vez que assistia a este fenómeno (outra denominação não lhe ocorria para registar tão insólito acontecimento): o da levitação, tu cá tu lá com a pessoa em tão inacreditável atitude, de tal modo que se permitiu passar com a sua mão em redor de todo o corpo da criatura (como já tinha visto fazer -a considerável distância, a falsos espectadores em sessões de magia) confirmando a inexistência de apoios ou suspensões . Mas o seu espanto não se ficava por aí. Quem levitava era uma portuguesa, desprovida dos membros superiores, inferiores, careca e com uma luzinha na garganta que lhe marcava os batimentos cardíacos. Mas não era tudo. Conceição (São para os amigos) -a graça da lusitana, não se apresentava na habitual posição corporal dos levitantes em tais espectáculos da ilusão: de barriga para cima. Ela levitava de lado. Todas as questões que Euclides lhe colocou tiveram resposta. Com a luzinha no pescoço a acender e a apagar velozmente, tal era a fome de conversa. Que "... com o agravamento do custo de vida dos portugueses, como poderia ter os pés bem assentes no chão? Antes -e por isso mesmo, tinha decidido mandar amputar as pernas, porque sempre era menos a despesa no calçado, nas calças, nas meias... (aqui, Euclides suspendeu a respiração mas ela estava imparável) Com os braços a mesmíssima coisa: nem anéis nem relógio, e menos espaço para a tentação de uma tatuagem. E os pequenos vícios que são mais vícios porque temos mãos e dedos? também já tinham ido para o maneta, que é uma forma popular de referir quem nos corta nos vícios e não só ... para não falar da dificuldade em fazer chegar à boca a alimentação que, pelos vistos, também já e um vício... " Ele interrompeu-a "Mas diga-me cá, há uma coisa que me faz espécie: porque está nessa posição?" Um traço de amargura desenhou-se ao canto da boca de São "Os governantes tanto me têm fornicado com desemprego, salário baixo, imposições e impostos que me engravidaram. E agora, só de lado."

Lisboa, 2008. Texto e foto de Alberto Oliveira.

Thursday, June 12, 2008

DO AMOR ENTRE OS BICHOS







Assim mesmo, sem tirar nem pôr: letras brancas na tinta preta da protecção de ferro no alto da Calçada do Monte que confina com a rua Damasceno Monteiro. Dou uma mãozinha: ali para os lados do Bairro da Graça e caminho mais rápido para quem queira dar corda aos sapatos e num ápice encontrar-se na baixa lisboeta. E sem pagar mais por isso, deitar um olhar ao Castelo de seu santo(?!) nome Jorge -sem dragão à vista desarmada, e outro ao Tejo, rio a quem calhou na rifa um casamento daqueles como já não se fazem hoje -para o pior e para o melhor, na doença e na morte (cruzes canhoto!) com a atrevida e branca Lisboa. Por sinal, na altura em que aqui estive (no interior da imagem, entenda-se), era uma daquelas manhãs de Primavera que mais faziam lembrar o Inverno e uma capa de neblina tinha descido sobre a cidade, não permitindo grandes turismos visuais. Daí que, a declaração amorosa em primeiríssimo plano ganhe ainda mais protagonismo e remeta para outras núpcias a paisagem de fundo. Nela (declaração), há a clara intenção de fazer crer ao incauto passeante, que está perante os nicknames de dois humanos apaixonados, sendo o primeiro da fêmea e o seguinte do macho. Se partirmos do princípio que gri gri é a fala do grilo e que ferrão é o aguilhão da abelha, ficamos a saber quem é quem. E podemos então logicar que, longe vai o tempo em que os bichos apenas falavam. Hoje, protegem identidades e também escrevem.

Lisboa, 2008. Texto e foto de Alberto Oliveira.

Friday, June 06, 2008

OS BICHOS DA BOLA OU A BOLA TEM BICHO?





Podem-se contar pelos dedos as vezes que me sirvo deste lugar para tribuna de sofridas e numerosas infelicidades ou de raras e tímidas alegrias. Mas hoje é uma daquelas ocasiões em que não posso -nem devo, calar o veemente protesto, o grito que detestaria ver afogado na garganta. Mas vamos ao caso. É certo que não sou cliente assíduo do café Águia d´Ouro, mas das vezes que lá tenho ido, coisa alguma se passou que merecesse a pena ser relatada, na relação entre o proprietário do estabelecimento e a minha pessoa. Ontem, depois de almoço, ao preparar-me para degustar o cafezinho da ordem, eis que Demétrio -o dono da loja, me barrou a passagem à entrada da dita cuja. "Lamento mas não pode entrar." O tom não admitia réplica e o físico do homem ocupava praticamente a acanhada porta do café. Surpreendido, quase gaguejei "Mas... nem ia a entrar de cigarro na boca -aliás nem fumo, estou decentemente vestido... o que se passa para tomar esta atitude?" Olhou-me da cabeça aos pés "O senhor ainda não reparou na cor e nas palavras da sua camiseta ou está a fazer-se de engraçadinho?" Só então caí em mim (diga-se, para ser exacto, sem prejuízos de maior para a minha integridade mental) porque de facto, a t-shirt era verde e tinha estampada a frase "só eu sei porque não fico em casa!". A ele não disse, mas para vocês que me leem e em quem confio, aqui vai: não fiquei em casa porque ontem a minha senhora não estava para amar e até me disse "Ó homem! desampara-me a loja! vai para a papelaria que tens lá um empregado que, por te saber tão mole, já deve ter saido antes de ter entrado." E eu fui. Para a minha Papelaria A Leoa de Prata. E o Demétrio que experimente lá ir comprar o Record ou o selo para o carro ou... Não entra lá mais. Garanto.
Lembrei-me de escrever sobre este tema porque no defeso, ninguém fala do desporto-rei. E o futebol merece que dele se escreva, se debata, se escalpelize e não seja esquecido. Não deixemos o futebol ficar mudo e arrumado a um canto até à próxima época. E eu já tenho saudades dele...

Lisboa, 2008. Texto e foto de Alberto Oliveira.

Sunday, June 01, 2008

ELES ESTÃO ENTRE NÓS





"Não sei se reparaste mas o olhar depreciativo que a loura me deitou era de humana para manequim." disse, sem mostrar os dentes nem mover um único músculo do rosto, Elisário Carvalho. "Ora! e o que somos nós senão isso mesmo? O gerente apenas nos pôs cá fora para atrair a clientela. Não foi pelos nossos bonitos olhos nem porque precisássemos de apanhar ar. E se queres saber a minha opinião, prefiro o interior da loja. Ainda há pedaço, aquele tipo de blusão laranja que está parado ali ao pé do banco, assim como quem não quer a coisa, passou-me a mão pelo peito, o grande tarado!" proferiu indignada Clarissa Castanheiro. "Quando nos moldaram na fábrica ficámos com o destino traçado: rolha na boca e é se queremos estar vestidos decentemente!" volveu Elisário, pressentindo que um cão alçava a pata na direcção das suas calças de cabedal preto. "Vestidos... e despidos. Ou já esqueceste que no sábado, antes de nos prepararem para a nova colecção nos deixaram nus durante largas horas e nem tiveram a preocupação de cobrir os vidros da montra?! Bonitas coisas devem imaginar de nós os transeuntes... " não se calou Clarissa, que, a existir um sindicato da classe, seria eleita seguramente, a representante dos manequins naquela loja. Coisa de que Elisário não se queixava era da ausência da memória. "Não me havia de lembrar! e devo dizer-te que o teu corpo não fica nada a dever em beleza, à maioria dessas humanas que me passam pela vista!" Se lhe fosse permitido, ela teria respondido com um olhar provocante, sinal exterior que lhe tinha agradado o piropo e, tal como tinha lido num conto -já não se recordava bem onde nem quando, usaria a mesma estratégia da heroína: aguardar que Elisário regressasse da rua, onde fôra para comprar preservativos, prometendo não demorar...

Hamburgo, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.