Wednesday, December 27, 2006

O GATO MASCARADO
















... vejo-o quase todos os dias e todos os dias lhe dirijo um aceno amistoso e ele retribui o cumprimento com um miado pouco expansivo mas que reconheço ser de apreço pois não é todos os dias que um cidadão no seu perfeito juízo saúda um animal de quatro patas. Talvez por isso -digamos que, por essa cumplicidade estabelecida entre o homem e o bicho, ontem estive vai-não-vai para lhe perguntar "o que mais desejava que lhe trouxesse o ano de dois mil e sete." Não o fiz porque me lembrei a tempo que os gatos não falam; miam. É verdade que há miados em diversos tons e que, com alguma facilidade, se pode adivinhar o que vai no íntimo dum felino. Mas o pormenor idiomático (e como eu gosto dos pormenores!) apenas será por ventura entendido por um animal da mesma espécie. Mas também não é menos verdade e que, pelo que do bichano conheço, seria capaz de traduzir os seus anseios e expectativas para o novo ano que está a quatro dias de distância.
Para confirmar a minha intuição, hoje de manhã além do habitual aceno, aproximei-me do Gato Mascarado (chamo-lhe assim, devido ao pêlo mesclado de cores quase indefinidas e com algum óleo de carro à mistura... ) e disse-lhe abertamente... «Eu sei que tu esperas um ano menos injusto para ti. Que o gajo do 28, rés-do-chão esquerdo, danado por te instalares no tejadilho do seu carro (último refúgio para te safares da lei dos mais fortes que são os cães), te leva ao engano agitando um carapau de plástico e quando te aproximas ferra-te um valente biqueiro qual ponta-de-lança inspirado. Mas tem confiança que te será feita justiça porque vives num estado democrático e não podes ser agredido selvaticamente. Gostarias que o gato preto (gordo e enormeeee!) da dona Fernanda da sapataria não se afiambrasse aos restos do arroz de peixe que a dona Ilda te deixa tão carinhosamente. Está descansado que isso vai acabar! Quem muito tem, deve partilhar com os mais necessitados e não torná-los mais pobres; que a crise deve ser resolvida por todos... »
O Gato Mascarado que olhava para mim espantado, apenas me disse(JURO!) «Ó pá! Já me podias ter dito há mais tempo que te chamavas Sócrates!»
UM ÓPTIMO 2007 PARA TODOS!!
Almada 2006.Texto e foto de: Alberto Oliveira.

Friday, December 15, 2006

SEM IMAGEM

Caros(as) leitores(as) e amigos(as):

Esta é uma quadra do ano reconhecida como sendo das festas. Se é verdade que de tais festas resultam dias de desenfreada correria às grandes superfícies e às lojas de menores dimensões , na procura da prenda que se dará a alguém que por sua vez retribuirá também com outra prenda, não é menos verdade que escrito assim, até fica a ideia que este país está económicamente bem instalado na vida e é povoado por cidadãos exemplarmente prendados. Não os quero perturbar (ou desiludir) em época tão ansiada, tão esperada, que já se publicita com quase dois meses de antecedência. Por este andar, mais ano, menos ano, teremos aquilo que tantos reclamam há muito:" natal deveria ser todos os dias..."
O administrador deste espaço -que se péla por festas, não toma partido nem sugere pistas. Porque já lhe passaram pelas mãos bastantes festas e dos mais variados matizes. Que cada um faça a festa à sua maneira, com o salvador da sua crença e afecto, gaste o que tem e o que gostaria de ter e que apure o salto para transpor a barreira de mais um ano de existência. Com saúde que baste, com o sentido crítico possível(?!) e um rasgado sorriso(?!) no rosto.
Retomo as edições dos textos & imagens e as visitas aos vossos aprazíveis sítios, antes do final do ano. Beijos e abraços, embrulhados no mais exótico e colorido dos papéis de fantasia.
Texto de : Alberto Oliveira.


Sunday, December 10, 2006

UM CONTO DE NATAL


A jovem esmerou-se nas voltas do laçarote envolvendo a caixa que continha o frasco de perfume e abriu o sorriso bonito pela segunda vez -da primeira tinha sido para lhe perguntar se "era para oferecer" e agora se "ia pagar com dinheiro ou cartão". Ele não se incomodou mesmo nada em responder às duas primeiras questões e nem se importaria que houvesse uma terceira... se acompanhada daquele sorriso mais luminoso que as iluminações festivas (de gosto duvidoso) da baixa pombalina e nem lhe pareceu ser uma mera cortesia de uma profissional competente. Enquanto a operação multibanco decorria, escreveu uma curta frase num pequeno cartão de boas-festas que por sua vez introduziu num envelope -também de reduzidas dimensões de modo a que este não anulasse esteticamente o volume da caixa contendo o frasco de perfume envolta num esmerado laçarote. Foi a sua vez de fazer o seu melhor sorriso e pedir à jovem de sorriso luminoso se "não se importaria de juntar, colando, com um pedaço de fita gomada transparente, o envelope à caixa. Ah! e só mais um grande favor: se ela podia guardar a caixinha até um pouco antes do fecho da loja, que ele viria nessa altura recolhê-la". E invocou uma série de afazeres que não são chamados aqui à colação com a intenção de que os leitores não percam o fio à meada da leitura. Às duas solicitações a jovem disse que sim e, se os seus anteriores sorrisos foram perfeitamente luminosos, desta vez a luz intensa que dele jorrava, iluminava apenas e magicamente as duas personagens (como se de um foco de luz daqueles das artes do palco se tratasse), dando sumiço do cenário deste conto, à loja, aos outros clientes e empregadas. Isto foi o que eu imaginei ter visto, mas se fôssemos a confiar na capacidade visual de alguns contistas de natal... mas adiante. Depois, ele desfez-se em desculpas mas via-se obrigado a pedir-lhe mais um pequeno favor pois "tinha-se esquecido de acrescentar uma palavrinha no cartão de boas-festas... "; e uma vez mais sorriu e ela também. E os sorrisos já se confundiam de tal modo que não se distinguia a quem o sorriso pertencia. Ele escreveu a "palavrinha", agradeceu, disse "até logo!" e ela voltou ao seu trabalho, agora já com a loja, os outros clientes e empregadas, bem visíveis nas linhas deste conto.
No dia vinte e sete de Dezembro, a jovem do sorriso luminoso convenceu-se que aquele cliente -também ele dono de um sorriso muito, muito agradável e da caixinha de laçarote feito com esmero, jamais voltaria à loja. É verdade que poderia ter aguardado mais um tempo; digamos que até ao final das festas. Mas a curiosidade falou mais alto e retirou do pequeno envelope colado à caixa, o cartão manuscrito. E leu: "Tens um sorriso fantástico! Já não passo por aí. Espero-te em Greenwich Village para passarmos os dois um fim-de-ano que nem te passa pela cabeça. Usa e abusa do perfume. Um beijo do teu Pai Natal."
Texto e foto de: Alberto Oliveira.
Este post está integrado na 5ª edição do "Canto dos Contos" que tem por tema o "Natal".

Tuesday, December 05, 2006

COM o CORAÇÃO nas MÃOS
















Repararam decerto que nos últimos tempos a prosa neste sítio não tem tido a regularidade a que vos habituei e que sempre fiz questão de manter. Para o facto, tentei adiar o mais possível uma explicação que se impunha (pelo respeito que me merece quem por aqui vai passando e me brinda com a sua simpatia) porque tenho imenso pudor em falar nas coisas que à minha vida pessoal dizem respeito, sejam elas mais, ou menos agradáveis. Decidi hoje -com algum sacrifício, admito, e com o coração nas mãos, avançar com o esclarecimento que não protelo mais.
Primeiro as más notícias; estou doente e não sei do que padeço pois os numerosos, minuciosos e aborrecidos exames clínicos ainda não foram suficientes para chegar a um diagnóstico aceitavel. Apenas sei que de um momento para o outro, a pele que me cobre o corpo, envelheceu, tornou-se enexplicavelmente rugosa, de cor barrenta e apenas fiquei com cabelo a tapar a orelhas. A boa notícia é que fui nomeado Provedor para os Leitores, do Blog "Papel de Fantasia". A imagem documenta o momento em que me preparava para aceitar a nomeação e comprova o estado depauperado em que me encontro.
Barcelona, 2006. Texto e foto de: Alberto Oliveira.