Tuesday, September 26, 2006

A VERDADE da MENTIRA
















A jovem da agência não tinha exagerado. A água da praia era de tal modo cristalina que, ao mergulhar, distinguia perfeitamente o minúsculo sinal de nascença que possuia no dedo grande do pé esquerdo. De ondas mansas que mais pareciam domesticadas pela mão humana. E que dizer da temperatura... talqualmente a do duche caseiro. A vegetação exuberante confinando com a areia fina e dourada rematava o cenário idílico para onde -em boa hora!, se tinha decidido a viajar.
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Por via do vento matinal, a janela do quarto onde dormia, bateu ligeiramente mas o suficiente para o acordar. Contrariado, levantou-se e foi fechá-la. Na rua, em frente, o enorme outdoor continuava a desafiar a sua imaginação, anunciando "FAÇA FÉRIAS EM IBIZA!"
Lloret de Mar, 2006. Texto e foto de: Alberto Oliveira.

Thursday, September 14, 2006

A PEDIR MÚSICA
















De pequenino se torce o pepino que é como quem diz se apreende (de tantas vezes ouvir... ), como tirar notas pungentes de um Stradivarius adquirido na Feira da Ladra pela modesta quantia de duzentos euros porque o vendedor reconheceu no potencial cliente um extremado talento para a música. Não lhe disse -porque aí reside a alma do negócio, que a ingenuidade tem limites e que há, definitivamente, gente cujo desporto favorito é o de ser enganado.
Eu não engano ninguém (leia-se não dou música a ninguém) e em vez de argumentar que fui acometido de uma estranha maleita que não me permite teclar em condições de ser lido razoavelmente pelos meus fantásticos, indefectíveis e incontornáveis amigos e amigas, informo sem pretenciosismos de qualquer espécie que vou dar mais uma curva. Ou seja pausar. Ou ainda, limpar a vista por outras paragens. Com a promessa do costume; que volto. Para o que der e vier...
Budapeste, 2006. Texto e foto de: Alberto Oliveira.

Monday, September 11, 2006

ESCREVER na PELE
















Numa primeira ou apressada leitura a frase tatuada poderia ser mal interpretada: "O amor não tem fronteiras. Se queres ser um cidadão do mundo não te inibas". Mas Julieta era uma jovem culta e comprometida em diversas intervenções sociais que nada tinham a ver com frivolidades passageiras ou modismos pretenciosos. Limitava-se apenas a utilizar as modernas formas de comunicação para fazer passar a mensagem aos que não acreditavam que o amor sem barreiras seria a chave para resolver os males do mundo.
Vittorio -que não tinha uma convivência muito fácil com as letras, perseguiu-a uns bons minutos até conseguir decifrar o que diziam as palavras. Depois, garantiu a Julieta que tinha as condições exigidas para ser o tal cidadão e que inibições não eram com ele. Ela teve a prova disso nessa mesma noite e gostou. Ele também, pois passados uns anos largos, podia ler-se num dos seus braços a frase tatuada "Nunca me inibi; tenho dez filhos!"... e conhecia Milão como a palma das suas mãos.
Milão, 2006. Texto e foto de: Alberto Oliveira.

Friday, September 08, 2006

DESPORTOS URBANOS I
















As pessoas apressadas passavam e nem desviavam o olhar, surpreendidas pela cena de violência que se desenrolava nas suas barbas ou -em última instância, procurando intervir, separando os dois contendores e evitando um banho de sangue. E percebia-se porquê; àquela hora, coisas mais importantes haviam para tratar. O pequeno-almoço, que raramente o tempo disponível permitia tomar em casa e que seria substituido a correr por um café e um salgado e a chegada a horas ao emprego feita quase sempre no limite. Depois, já libertas da pressão destas prioridades, punha-se em dia a jornada europeia de futebol, as telenovelas da três e da quatro, o filme na grande superfície ou o caso mateus.
Ele foi o único que susteve a marcha -o que lha valeu alguns encontrões e impropérios da massa humana em andamento que não gostou de sentir um grão na engrenagem e ali ficou especado e incrédulo perante o bárbaro espectáculo. Depois, já refeito do choque inicial , estendeu um braço na direcção do monstro armado de enorme cacete que se preparava para dar o golpe de misericórdia no adversário, que caido por terra e já desarmado da navalha de ponta-e-mola implorava perdão. Lembra-se apenas de ter sentido uma dor inexplicável no ombro e de acordar no hospital. Sem ter provado o sabor do café, do salgado e de não ter aparecido no emprego. Ele há manhãs que não se pode sair de casa tarde, porque apenas se reflecte no assunto à noite...
Viena, 2006. Texto e foto de : Alberto Oliveira.

Tuesday, September 05, 2006

O CÃO NATURISTA
















Quem o queria ver a abanar o rabo, levantar as orelhas e babar-se abundantemente, bastava pronunciar a frase-chave: «Aquiles, vamos ao Meco!». Dionísio -o seu dono, acreditava piamente que esta maluqueira canina lhe ficou de pequenino, quando sua mãe Tétis o levou pela primeira vez à praia e o mergulhou na água. Tétis era uma cadela chanfrada de todo e influenciável; daí que não lhe foi difícil aceitar de um rafeiro gozão, a ideia que se enfiasse o cachorro na água, este ficaria invulnerável para o resto dos seus dias. Assim o fez, mas sem lhe molhar o calcanhar direito por onde o suspendia. Depois de beber dois ou três pirulitos e de se refazer da surpresa desagradável e salgada, Aquiles teve uma visão celestial; três cadelas de diferentes raças, esparramavam-se na areia sem qualquer peça de roupa e ouvindo o último cd de Tony Carreira. Gostou do que viu e ficou cliente.
Dionísio sempre lhe fez a vontade; mal o sol da primavera rompia, Meco com o cão. Por vezes tinha de o prender antes de chegarem ao areal, pois o olfacto apurado do bicho detectava as fêmeas ainda o carro não tinha chegado a Alfarim, descontrolando-se dramaticamente. Mas em meados de Julho aconteceu o que o destino já tinha traçado. Um olhar mais prolongado a uma caniche loira, valeu-lhe o ataque mortífero de dois corpulentos serra da estrela. Finou-se com uma simples dentada no calcanhar direito...
Nice, 2006. Texto e foto de: Alberto Oliveira.

Saturday, September 02, 2006

FÓRMULA UM... EM DOIS
















Visitar o Castelo de São Jorge em Lisboa e não tirar umas fotos é imperdoável. Quase me arriscaria a afirmar que é o mesmo que ir a Barcelos e não ver o galo... coisa que não se me afigura muito difícil, pois pelo que leio, querem a ave bem escondida e... calada. Mas mais imperdoável ainda -voltando ao Castelo em causa, será esquecer de captar o rio na nossa máquina fotográfica, porque o Tejo domina quase toda a paisagem circundante, porque sem Tejo a cidade não teria piada nenhuma e por aí fora etc. & tal. Não por uma questão de teimosia -que é coisa que não gasto, mas antes por mera justiça, resolvi que desta vez não haveria Tejo para ninguém e seria a vez de fotografar o casario antigo que é unha com carne das muralhas do histórico reduto lisboeta; porque o casario merece... de tanto se esquecerem dele, nas imagens que se levam para casa. E para que não me apelidem de ser mais papista que o papa até convidei uma gaivota minha velha conhecida a ficar no boneco...
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Depois da sessão fotográfica, paguei o cachet -simbólico, à gaivota (uma dúzia de cabeças de carapau), ela foi à sua vida e eu virei a minha atenção para o outro lado da paisagem. Que é como quem diz, para a encosta, até chegar à marina, do Principado do Mónaco. Uma encosta onde o espaço habitacional é aproveitado ao centímetro para residentes isentos de impostos e onde serpenteia o circuito da Fórmula Um. Não nesse dia. De contrário, a estória seria outra...
Mónaco, 2006. Texto e foto de: Alberto Oliveira.