Tuesday, June 15, 2010

DISPEPSIA NO COURT

Terminou a leitura dos últimos sete e curtos textos e franziu o nariz. Aquilo era obra de quem não tinha outros interesses na vida e juntava palavras como quem junta selos - que um filatelista não junta, colecciona. Ou então, também se podia dar o caso de algumas almas bem intencionadas e caridosas lhe terem alimentado o ego com comentários analíticos de primeira água e de tónica naturalmente positivista. "Os teus textos dão-me tanto que pensar que me sinto uma pessoa melhor: hoje em dia, dificilmente recuso dar esmola a um pobre disfarçado de ceguinho, ou comprar um calendário colorido a uma jovem romena com as unhas dos pés sujas. Obrigado." e "Nem sonhas o quanto me fazes rir com as coisas que escreves de tal modo que, quando a urna - com os restos mortais do meu marido desceu à terra, não fui capaz de verter uma lágrima... Beijo-te com duas grandes gargalhadas." ou "Os teus textos foram um bálsamo que amenizou a tristeza que sobre mim se abateu com a má prestação dos leões esta época. Um abraço de reconhecimento.", seriam algumas das elogiosas frases que lhe deviam ter chegado ao conhecimento, supôs, e que lhe deu coragem a esticar-se de tal modo.
Passou em revista o seu corpo de alto a baixo. Nem uma perna a mais ou um nariz a menos, dez dedos das mãos bem contados, e dois joelhos no sítio do costume, que ele não era dessas coisas: a de chamar a si as atenções, pelas invulgaridades físicas. Porque se sentiu agoniado, retirou o estômago da mala que trazia a tiracolo: as paredes tinham uma cor esverdeada e a cabeça de pargo que almoçara era agora uma pastosa bola de ténis que revolteava doidamente no seu interior. De repente, voltaram-lhe as saudades de Roland Garros.

2010. Texto de Alberto Oliveira... de férias GRANDES.