ELES ESTÃO ENTRE NÓS
"Não sei se reparaste mas o olhar depreciativo que a loura me deitou era de humana para manequim." disse, sem mostrar os dentes nem mover um único músculo do rosto, Elisário Carvalho. "Ora! e o que somos nós senão isso mesmo? O gerente apenas nos pôs cá fora para atrair a clientela. Não foi pelos nossos bonitos olhos nem porque precisássemos de apanhar ar. E se queres saber a minha opinião, prefiro o interior da loja. Ainda há pedaço, aquele tipo de blusão laranja que está parado ali ao pé do banco, assim como quem não quer a coisa, passou-me a mão pelo peito, o grande tarado!" proferiu indignada Clarissa Castanheiro. "Quando nos moldaram na fábrica ficámos com o destino traçado: rolha na boca e é se queremos estar vestidos decentemente!" volveu Elisário, pressentindo que um cão alçava a pata na direcção das suas calças de cabedal preto. "Vestidos... e despidos. Ou já esqueceste que no sábado, antes de nos prepararem para a nova colecção nos deixaram nus durante largas horas e nem tiveram a preocupação de cobrir os vidros da montra?! Bonitas coisas devem imaginar de nós os transeuntes... " não se calou Clarissa, que, a existir um sindicato da classe, seria eleita seguramente, a representante dos manequins naquela loja. Coisa de que Elisário não se queixava era da ausência da memória. "Não me havia de lembrar! e devo dizer-te que o teu corpo não fica nada a dever em beleza, à maioria dessas humanas que me passam pela vista!" Se lhe fosse permitido, ela teria respondido com um olhar provocante, sinal exterior que lhe tinha agradado o piropo e, tal como tinha lido num conto -já não se recordava bem onde nem quando, usaria a mesma estratégia da heroína: aguardar que Elisário regressasse da rua, onde fôra para comprar preservativos, prometendo não demorar...
Hamburgo, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.
39 Comments:
all dead: human: all dead!!
- ouvi isto num filme ou
inventei agora mesmo!?,
pergunta ele a si mesmo,
apreensivo com a súbita
consciência de que
manequim ao relento é manequim no
meio.caminho.a.caminho
do vidrão dos plásticos e afins.
não fui feito para relentar,
- murmura agora muito baixinho.
e sim, apesar da rigidez facial de origem -
- visualiza que, no vidro em frente, uma profunda ruga de apreensão e perplexidade
se lhe desenha entre os olhos azuis de um azul azul...
- "azul que não há
azul que é pura memória de algum lugar"
abraÇo ~ beijO ~ aZu l [ is
Incrível! Um dos mais saborosos textos que lí por essas paragens. É uma crítica deliciosa ao que somos, humanos, manequins...? vitrines vivas, afinal!
Beijo.
Obrigada por seus comentários-intervenções nos meus poemas.
deslocamo-nos visualizando os espectros...de nós. :)
Como sempre, excelente de ler e apreender.
beijo
Fazes favor de prestar mais atenção ao que escreves. Trocaste as falas dos personagens.Pois, assim também serve, mas dá para notar o "lapsus teclae".
Beijinhos, sorrisos e... já me ia esquecendo de dizer - TEXTO BRILHANTE!!!
Texto "magritiano", se me é permitida a analogia! Brilhante texto de insinuações e sugestões.
não imaginava as coisas a que dois honestos manequim se expôem, quando passam para o lado errado da montra. desconfio que o senhor que passou a mão pelo peito de Clarissa deve ser o mesmo de há uns bons posts atrás, o tal que vive - ou vivia - maritalmente com uma boneca insuflável...
quando comentei este texto com a minha Humana, ela contou-me que uma vez, passando por uma montra de uma loja de roupa "pré-mamã", viu um manequim com ar aflito e envergonhado: tinha-lhe escorregado o vestido, de tecido fino, e exibia, assim, uma barriga falsa, feita com sacos de plástico, "presos" ao seu corpo por fita gomada. a Humana imaginou que esse manequim era muito perverso e ter-se-ia instalado, há algum tempo, naquela montra, a planear o rapto de algum recém-nascido - aliás, aquela loja era o sítio ideal para saber pormenores da vida das grávidas que lá iam, sem levantar suspeitas. no dia certo, havia de sair da montra, dirigir-se à maternidade e sair de lá com um ar feliz e um lindo bebé nos braços,depois de deitar a falsa barriga num contentor de lixo. o maldito tecido escorregadio do estuporado vestido largueirão é que lhe tinha estragado os planos. e o pior é que a loja estava fechada...
por incrível que pareça,no dia seguinte, os jornais da tarde noticiaram o assassinato da funcionária que abriu o estabelecimento, bem como o misterioso desaparecimento de um dos manequins.
então, Humana, não foste contar as tuas suspeitas à polícia? - perguntei.
claro que sim, felina! - respondeu ela. mas sabes qual foi a reacção deles? ia eu a sair, quando os ouvi a dar grandes gargalhadas e a dizer: mais uma doida que nos saiu na rifa!!!!
marradinhas amistosas
A mesma reacção ao post anterior: lê-se seriamente e acaba-se a rir. Falo por mim, e gosto. e grava-se na mente que as tuas personagens acabam sempre a sair para comprar qualquer coisa ficando o resto por conta da imaginação.
vida de boneco.. quase conseguiste que tivesse compaixão deles e que lhes desse alma.
por outras palavras gostei muitíssimo.
Beijo para ti
A sedução está no que se adivinha.
O que vou sabendo é que é muito mais atractiva a montra que expõe manequis nus do qua as que os vestem.
Haverá alguém, Alberto, que resista a não espreitar através da nuvenzinha que está "cirurgicamente" estacionada em frente das «vergonhas» de um manequim nu e que resiste às tentativas de alteração de perspectiva dos mirones?
Um abraço para o excelente e malandro texto.
A imaginação do ser humano, seu calvário e sua glória!... Quando imagina outros seres a imaginar, sempre os imagina a imaginarem-se humanos...
... E, no entanto, a imaginação é inimaginável!...
os manequins são como algumas árvores milenares .... se contassem tudo o que lhes é permitido ouvir e ver ......... tantas histórias haveria para narrar.
Uma boa semna de fantasia no papel.
Vitinho aproveitou-se da distracção da avó que, no multibanco dos Dresdner Bank, tentava levantar a reforma, e foi dar uma volta pelas redondezas. Apreciou quem passava e os saldos da loja contígua ao banco. Estava quase a aborrecer-se, quando reparou nas quatro figuras hirtas que faziam guarda à loja. Inspeccionou-os de alto a baixo, à frente e atrás. Olhou em redor e, como ninguém lhe parecia prestar atenção, sorriu um sorriso malandro. Pegou nas calças da manequim pela cintura e começou a desapertar o botão: ia baixar-lhe a calças e fazer-lhe uns desenhos com o marcador que trazia. Ia porque levou um calduço com tanta força que caiu de joelhos. A esfregar o pescoço e a chorar baba e ranho, foi ter com a avó.
- Ó avó, aquele boneco bateu-me!
Clarissa sorriu, quando Elisário lhe piscou o olho.
é dura!
muito dura... a vida de manequim
Parabens pelo texto, acabas de fazer não só um bela comparação - metáfora do que so mos mas também do que seriamos se não pudessemos agir em relação aos outros, pena que tantos humanos tenham que viver como manequins.
Abraço
Haja alegria por aqui também.
Espelho nosso! Texto réplica de nós e de alguns tiques humanos. Foste fundo!! Ah é verdade! Pode ser tinto :-) eheh tu sabes!
Abraço
paradoxos
Excelentes textos por aqui!
E sentido de humor também!
Parabéns pelo blog.
Abraço
Para uma humanidade morta há sempre uma resposta bem viva.
Excelente. Foi bom conhecê-los desta forma.
;)
Abraço
já me aconteceu confundir manequins com pessoas, de tão bem feitos e vestidos estão.
Será que eles nos confundem a nós ???
Aqui está a prova que os manequins são como as barracas: também abanam.
Mais um texto que é um estrondo...será esta a nossa postura na vida?...parados à espera que nos vistam, que nos dispam, que nos coloquem lá dentro ou lá fora...enfim...muitos de nós estamos hoje assim...estagnados...
Bjs e boa semana...:D
Eles andam aí:-) E voltaram?:-)
...gosto da palavra transeuntes porque a ela se referem sempre, todas as cores e volumetria que envolvem o nosso espaço no tempo!
uma boa semana!
Se Elisário demorar tanto tempo quanto o beijo dos meus apaixonados temos sarilho!
:)
Muito Nip 'n Tuck!
Bjs
Espero que já tenhas saciado a fome matinal:))
Quanto ao "filme", obrigada pela confiança na guionista!
querido ______Legivel
.a
fantasia e tão_____belA
tão__________reAl
mas tão.real
que__________?"quase"
se.chega.a.acreditar.nela______...
excelente texto
beijO____C______carinhO
... trepei ao jacarandá
bonita árvore de sombra e ornamental, com todas aquelas flores roxas em maio
o dia estava instável, alguns aguaceiros e muitos chapéus-de-chuva abertos tapavam-me as "vistas" ... deste ângulo, fixei os "trapinhos dos bonecos" lá de baixo que conversavam imperturbáveis ...
o telefone tocou, era o carvalho: "podias trazer-me aqui acima o casaco de cabedal e as galochas, se fazes favor?"
sentimentais!
´Fanatasia, sem a graça das tuas histórias, mas deixei uma real no meu luar e lembrei-me, nem sei porquê, de ti.
Quem está de que lado da montra? Nós ou eles?
Sempre estiveram...só que agora, são muito mais bonitos e elegantes!
beijinho
amigo legível, já resondi ao teu comentário e deixei algumas sugestões no blog da Guionista justine.
marradinhas afectuosas
a
sobrevoaç ~ ã ~ o
dos
manequins :)
~
Quem imaginaria que olhares tão frios fossem capazes de conversas tão expressivas?!... São uns marotos os manequins de madeira... :)
Bjinhos
por este andar serão humanos num futuro (mas iguais a nós sem tirar nem pôr) e vão engordar e perder esta elegância.
não resisto nunca
à tua música.............
tornou-se um vício...
e
depois
leio-te
e gosto ... sempre...........
quando dei por isso ... verifiquei que estava a escrever um "comm" julgando fazê-lo no blog da dress......
mas, ao fim e ao cabo poder-se-á aplicar ao teu... só que a música, bela na mesma, é outra..........
muito bem.
gostei da critica
abraço,
scaramouche.
:-D
É preciso ter "mãonoquim" :)
ai desculpe! "manequim" :-D
(risos)
Nunca havia visto tal comentário de manequins! Aliás, nunca havia, se quer, imaginado, o que eles poderiam estar pensando.
Muito bom!
Prometo que construirei diálogos na frente de algum deles, na próxima vez que os vir. E rirei sozinha.
Abraços e risadas.
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