DO SOPRO
Era um pessimista e tinha razões de sobra para o ser, pois segundo ele, tudo lhe corria mal. Nem a expressão "nada me corre bem", tinha lugar no seu vocabulário... A firme convicção que nascera para atrair a má sorte estava de tal modo enraizada no subconsciente de Libânio, que quem o quisesse ver, era certo e sabido que o encontrava a soprar de raiva, maldizendo azares e desventuras que lhe batiam à porta constantemente. Tanto soprava, que Onofre -amigo chegado, lhe sugeriu que devia experimentar nas horas de ócio, dedicar-se a uma actividade lúdica como era o caso da música instrumental... de sopro. Protestou que "burro velho não aprende línguas e a arte de combinar os sons", mas a novidade de se ver com um trombone de vara nas mãos (instrumento que muito apreciava pelo movimento de vai-e-vem), falou mais alto e aceitou a ideia. Onofre, ao cabo de largos meses sem ter notícias do amigo, soube por via do insuspeitado e muito lido semanário "O Dia Sangrento", da tragédia: Libânio não se tinha entendido com o trombone de vara e trocou-o por uma trompa de caça. Um tiro perdido, na perseguição a um javali difícil, ditou-lhe o último sopro de uma vida pontuada pelo pessimismo.
Valência 2008. Texto e foto de Alberto Oliveira.
26 Comments:
A Lei de Murphy é mesmo tramada...
Como sempre adorei o texto, algo sarcástico.
O pessimismo levado à última e fatal consequência.
título de jornal muito oportuno.
Ter-se-á cruzado com a trajectória da bala?
Abraço
Valha-me deus, amigo Legível.Ora o coitado do Libânio, não sei se merecia tal sorte? Você desta vez excedeu-se caro amigo! lol
Um abraço de consolo, é o que me resta para que enderece á família chegada, pode ser?
Até breve. Azul.
Dir-se-ia tratar-se de um dilema entre sopro e pulmão.
Se do pulmão não veio alento já o sopro não manifestou talento.
O tiro é chuva no molhado. Porque haveria de haver presa e predador se da caça se tratava e aristocracia praticava?!
Morrer assim, na charneca aletejana, presumirei eu bem, talvez até nem seja tão inglória, se em vez dessse AZAR, tivesse o trombonista -- Lá, sim, em New Orleans -- morrido de afogamento no desempenho da sua Brass Band.
Ser trombonista e morrer por afogamento por causa de uma tromba de água, isso sim, é vai-vem de mais para um pobre executante!
Um abraço
E isso foi com uma trompa de caça! Que teria acontecido, se ele se tivesse inclinado antes para uma trompa de falópio?...
Até para se ser instrumento de "sua" vontade...é preciso ter sorte! :)
Ou será melhor dizer...azar? :)
Espero que ainda te lembres das asas deste Lápis, que antes de desaparecido, tinho sido visto no aquário Vasco da Gama :)
Beijos sorrisos e risos:)
... percebi!!!!
a banda da foto foi tocar ao funeral
ai é mesmo pouca sorte!!
logo quando se tinha por fim decidido...
... pela expressão musical!!
esta vida é mesmo
uma tragicomédia!:)
Também com aquele nome...:)
Beijinhos e :) bom fim-de-semana*
Não desculpo e de nada me desfaço :)
Gosto da mesma forma desta cidade acutilante e perspicaz onde os fados se lêem breves, mas alicerçados numa experiência de vida transbordante de significado, humanizada ao mais elevado grau e nas asas _sempre presentes_ do teu sorriso legível :)
coitado. possivelmente já se cruzou comigo por aqui sem eu saber...
Então não era que o homem tinha mesmo razão, nem com a música se safou :))
Imaginação à solta, bem acompanhada pela ironia graciosa, e assim fica um raio de sol a bailar-me nos olhar, depois da leitura!
Bom fim de semana
Libânio ;)
Libânio ;)
Libânio?
;))))))))
Se não me falha a memória, isso aconteceu no dia da armestício quando estavam a arear as trompas para a parada dos javalis!
Era um pessimista e tinha razões de sopro para o ser. Mesmo depois do passamento. De trombone debaixo do braço e todo sujo de sangue, assim se apresentou Libânio à senhora do guichet.
- Boa noite.
- Diga.
- Morri.
- E...
- E não sei. É a primeira vez que me acontece...
- Religião.
- Não percebi.
- Cristão, muçulmano, judeu, budista, baha'i, confucionismo, hindu, sikh, sem denominação... preciso continuar?
- Er... bom... er... cristão.
- De que denominação?
- Er...
- Romano, ortodoxo, anglicano, protestante...
- Daquela da Nossa Senhora.
- Da Nossa Senhora... Sobe doze nuvens, vira à direita na cumuliforme e aguarda aí pela abertura do portão.
- Não é aqui a admissão?
- Sou segurança. Aqui, só indicações.
- Ah, está bem, pronto. Sabe-me dizer se é coisa para demorar?
- Agora só amanhã de manhã. Já fechou.
- Também fecha?
- Você pensava que vinha para onde?
- Para o céu.
- E veio, mas do que você estava à espera era do Paraíso e isso, meu amigo, não existe.
- Ora bolas!
- Se eu fosse a si, ia andando. Vocês os... da Nossa Senhora, são muitos e há sempre filas. Assim que chegar lá, tire a senha e sente-se. Quando o portão abrir, dirija-se ao balcão dos impressos e peça os modelos 325, 458 e 321. Tem uma caneta?
- Por acaso, não.
- Trate de arranjar uma.
- Isto de estar morto dá muito trabalho.
- A quem o diz. Seguinte.
para sempre sempre apesar
cada instante
E as velas também se assopram.
Juro que li o post, mas a associação de ideias que fiz foi esta. Não faz mal, então não, Legivel?
De sopro em sopro até ao sopro final e não vital
Da Nossa Senhora? Qual?
confirmo a burocracia do céu.
já lá vivi
e voltei agora
precisamente para
...confirmar que
os que não têm credo são os mais rápidos.
levam uma ajuda um leve empurrão - que as almas não pesam...
e vão direitinhos ao purgatório para ter formação
até se decidirem....pois, precisamente,
a integrar uma fila: qualquer fila que seja, embora algumas das filas - as mais curtas,
por acaso, sejam, por princípio e paradoxalmente,
desaconselhadas.
abraÇo e beijO
/ aqui do céu, da fila mais vazia :)
de alívio suspirou maria da graça, agora viúva de libânio, depois de ter tratado dos últimos assuntos relacionados com a morte dele.um fardo insuportável, era só assim que maria da graça, deus a perdoasse, o conseguia definir, lembrando os amargos e incontáveis dias que tinham partilhado. por isso é que não se conteve quando a vizinha palmira lhe tocou à porta, com ar retristonho: boa noite, dona gracinha, pensei que se havia de sentir muito só e vim fazer-lhe companhia, dar-lhe umas palavrinhas de consolo...pobrezinho do senhor libânio, homem tão bom, e não havia desgraça que não lhe caísse em cima...pobrezinho...
ó dona palmira-interrompeu-a maria da graça - desampare-me a loja, que para esse peditório, eu já dei!!!e, dizendo isto, bateu-lhe com a porta na cara.
em seguida, sorriu, ao pensar que, dali a pouco, havia de voltar a abrir a porta, sim. e quem havia de entrar na sua casa era onofre, também viúvo, e com quem ela tinha combinado um jantarzinho muito íntimo, "para se conhecerem melhor", no dia em que ele, todo aperaltado, lhe fizera uma visita, para manifestar os seus pêsames, pela morte de libânio.
+++++
amigo legível, a minha humana transformou-se num zombie, tal é a dose de anti-histamínicos que tem de tomar, para se livrar dos sintomas da rinite alérgica. e eu, preocupada como ando em que ela se esqueça de me dar comes-e-bebes à horas certas, nem tenho conseguido ter disponibilidade mental para te vir deixar, aqui, umas arranhadelas.
aqui ficam umas marradinhas amistosas e uns fortes ronrons.
Pessimismo persistente desse Libânio. Talvez, tuas palavras tenham sido indicadores de tal arte final, já que andava em companhia da má sorte...
Adorei visitar-te.
o pessimismo tem sempre "varas"....
algumas bem tocantes e outras dissonantes.
beijo. pela alegoria. sempre subtil.
bolas, não fazes a coisa por menos!
já não lhe bastava o nome, a má fortuna e nada de ardente?
e por falar em nomes... hás-de dizer-me onde arranjas nomes tão catitas!
abraço
Um sopro:
pessimista mas lírico.
Um abraço, só lírico, para "preencher o vazio" também.
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