Saturday, May 03, 2008

AS ÁGUAS DE TODOS OS RIOS






O Tejo tem-no acompanhado desde que abriu os olhos para o mundo. Talvez por isso, dificilmente conceberia viver nalguma cidade, vila ou aldeia que não fosse banhada por um rio. Depois, há também a questão estética não menos importante: haverá cenário paisagístico mais agradável para os olhos que as águas de um rio a bordejarem casas, estradas, montes ou vales? Não há, rebate ele, sem esperar por opiniões divergentes daqueles que por força de circunstâncias diversas têm com a água uma relação mais ou menos distante. Remígio, é daqueles que não se ensaia mesmo nada para passar uma tarde de um dia de lazer, a andar de cá para lá no barco que une as duas margens da Grande Lisboa, mirando e remirando sonhador as águas que lhe passam à frente do nariz vindas da lezíria e com encontro marcado com as do Atlântico, logo ali à saida da barra. Ele sabe que é alvo apetecível para o riso dos marinheiros do cacilheiro e que entre eles, é conhecido pelo Infante Don Henrique do Cais da Rocha, onde alguns já o viram olhando na direcção do Bugio. Mas finge que não percebe. Ontem, de regresso à capital e com a embarcação a fazer a manobra de acostagem ao cais do Cais de Sodré, dei por ele ao meu lado e não me contive "Desculpe a ousadia, mas você não se estafa de olhar o rio com tanta insistência?". Não consegui ler no seu rosto qualquer enfado quando me respondeu "E você não se cansa de escrever sobre pessoas procurando adivinhar o que lhes vai na cabeça?".
Rio Vltava, Praga, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.

35 Comments:

Blogger Pilantra said...

Bem feita, que é para não andares a meter conversa na rua com ETês desconhecidos!

E foi uma grande sorte ele não mandar parar o rio! A estas horas andavas perdido na falha à procura de margem que te valesse!

3/5/08 18:03  
Blogger JPD said...

Olá Alberto

Boas respostas são sempre antecedidas de excelentes perguntas.

Eu revejo-me no Remígio (onde o foste desencantar este nome?).
Não propriamente piscinas, mas se pudesse adoraria viver numa casa com um amplo espelho de água.

O Tejo, é uma maravilha e é lamentável que, em termos de ordenamento, tão pouca gente se importe e mal resista a erguer barreiras nas margens.

Uma frente de rio tão exuberante e tão mal tratada!

Um abraço

3/5/08 19:44  
Blogger Vanda said...

Eu Remigia me entrego! :)


Há lá coisa mais gratificante que uma tarde de olhos postos no rio, ouvir a sua ondulação nas pedras do cais!

Bom :) só se trocar o rio por mar :)

Ou se trocar a minha cadeira cativa em tardes de lazer no Armazém F por um leme de uma qualquer casca de noz :=)

Belo rio este da tua foto, Alberto!

Navegar...navegar...

Bons ventos te acompanhem :)

3/5/08 23:17  
Blogger Licínia Quitério said...

Só pelo nome se identifica o personagem. Remígio tem qualquer coisa de ave marinha. Logo o imaginamos já entradote e cansado de arrastar a asa. Por isso esse navegar autista entre as margens do maior rio da sua vida. E o outro, sentado na esplanada do Ginjal, sempre pronto a tirar o retrato, com um sorrisinho pendurado nos olhos. Quando o diálogo entre eles se escreveu só podia ser esse. Curto e certeiro. Sabem muito um do outro...

Beijinhos.

4/5/08 12:56  
Blogger ~pi said...

[ não lhe bastava o mar


era o apelo da sombra


as flores que não há


a curva escultura


no corpo do rio


a vi

~

rar


~




:)

4/5/08 13:06  
Blogger Sandra Fonseca said...

Não há nada melhor que perder-se olhando a imensão de um rio-mar...
Adorei a crônica.Deliciosa...
Então, me perguntaria: Mas, como pode comê-la?...
Um bem navegar por aqui.

4/5/08 14:04  
Blogger nana said...

mais que rio, o tejo é-me
a mim
filho de mar.



..





x

4/5/08 19:46  
Blogger segurademim said...

... pois é!!!!

boa resposta, nunca nos cansamos do que nos dá prazer...
e ainda andam por aí uns cientistas a desenvolver a teoria sobre o "adiar dos prazeres"

imagina, de quanto em quanto tempo é que tomam banho?

4/5/08 20:06  
Blogger lélé said...

Uma resposta à altura! Olhar para um rio é não cansa tanto, como olhar para algumas pessoas (às vezes... só algumas... muito poucas... duas ou três... talvez nem isso... se calhar, nenhuma...) Um rio nunca está parado...

4/5/08 22:46  
Blogger tchi said...

O Tejo segue-o e ele segue o Tejo.

4/5/08 22:57  
Blogger lenor said...

Quem adivinha, e acerta, por gosto, não cansa.

4/5/08 23:12  
Blogger Fátima Santos said...

que mania a tua! mas percebo e aqui para nós que ninguém nos entende, tenho uma pancada semelhante, apenas sou mais contundente e nunca lhes sei os nomes. As tiuas personagens, esses seres que encontras viajando, o meu Deodato e agora mais este Remígio e ali abaixo um outro, seria Zé ou Alberto?!! decerto que devia ser mais perto se eu dissesse Teosófio ou Hermíndio ou uma Efelinda (conhece-los?! ah! mas nuncas descrevestelos...)


PS: andei arredada, mas nunca te esqueço, sabes muito bem disso!

5/5/08 10:33  
Blogger Auréola Branca said...

Eu não sei definir qual o melhor: o rio ou o mar. Mas, confesso, sonho em conhecer Veneza, que fica banhada por lindos rios.
Só, sonho...
Gostei muito do final do texto. Mostrou a percepção de quem perguntava e de quem respondia, com explendor.

5/5/08 15:41  
Blogger Bichodeconta said...

Eu que amo o Tejo não teria respondido mais atempadamente.. Sou de regadio, não saberia como viver sem água por perto, sem um rio que logo ali se faz mar.. e basta-me olhar, incansávelmente, e na dança das gaivotas ou no silencio, ali é o mau lugar..

5/5/08 16:51  
Blogger Rui said...

Remígio - para os amigos, Rémi -, não esperou pela resposta. Enquanto o interlocutor tomava notas na margem da primeira página do semanário "O Lagarto Esverdeado", pegou na sacola e dirigiu-se à porta amovível do cacilheiro. Um barulho chocalhante acompanhou-o.
Com extremo cuidado, pousou o saco, que a carga tinha tanto de preciosa como frágil. A sacola abriu-se e revelou umas quantas dezenas garrafas verdes, de litro. Não continham líquidos, apenas um sólido - enrolado. Uma a uma, enquanto o barco se fazia à outra margem, rolhou cada garrafa e atirou-as borda fora.
O interlocutor de há pouco, aproximou-se. Sorria quando mostrou a primeira página do jornal ao homem das garrafas.
- Estamos lá. Milhões e milhões. Vou é ter de ir comprar móveis novos lá para casa, a Paços de Ferreira. Mas não há azar. Milhões, veja. Este ano, já cá canta.
- Ill send an s.o.s. to the world
Ill send an s.o.s. to the world
I hope that someone gets my
I hope that someone gets my
I hope that someone gets my
Message in a bottle, yeah
Message in a bottle, yeah - cantou o outro.

5/5/08 17:33  
Blogger o Reverso said...

um excelente post. dos melhores que vi por aqui.

um abraço

5/5/08 17:41  
Blogger Justine said...

E que tal sugerir ao Remígio uma visitinha a Amsterdam, a tal das gatas - gatas mesmo, felinas, bichanas - nas vitrinas? Aí não lhe faltaria águas: águas suaves, águas revoltas, águas paradas, águas escuras...
Bela história, a tua!
(gostei da ironia do teu comment, presumindo embora que me entendeste)

5/5/08 20:02  
Blogger Li said...

"O Tejo é mais belo que o rio da minha aldeia
Mas o Tejo não é mais belo que o rio da minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio da minha aldeia..."

Alberto Caeiro

Outro Alberto e outro que não se cansava de olhar, mais, sentir a natureza...

Excelente post...adorei o texto...

:D

5/5/08 21:51  
Blogger Justine said...

Os teus comentários sardínicos e "esquizofrénicos" são hilariantes e muito saudáveis!
E só com olhares diversos se desconstroem conceitos, ou nos aproximamos da verdade, se isso é possível...

É um prazer "conversar" contigo

5/5/08 21:53  
Blogger Justine said...

quria dizer sardónicos, claro :))

Abraço

5/5/08 21:54  
Blogger MARIA MERCEDES said...

Bonitas palavras de quem ama o correr das águas do Tejo! Existe em todos nós um pouco do Remígio...basta olhar para a nostalgia que brilha nas suas ondas!

beijinho e obrigada pela amável visita ao Excitações

5/5/08 22:05  
Blogger musqueteira said...

viva legivel...também eu nesta cidade vivo perto e a ver o Tejo. quando me ausento dele... pinto-o num pedaço de papel.avivadas as memórias... eis o rio que passa por onde quer que se esteja. para lugar donde vou... não há rio que espreite, o próximo inverno.

5/5/08 22:30  
Blogger Maria P. said...

Tejo que encanta sempre...como por aqui a fantasia das palavras:)

Beijinhos e sorrisos!*

5/5/08 22:44  
Blogger tulipa said...

Já num outro dia te convidei para visitares o meu novo blog, mas...não te vi por lá; eu era kalinka e agora transformei-me numa Tulipa, na Primavera!!!
Mas lá, no novo blog é proibida a palavra antiga-kalinka.

Não era um ramo de flores
Era um jardim pleno de sabores
Feito de espaços e abraços
De cores e de calores
De vermelhos como os amores....

É isso, estamos na Primavera!!!
Adoro flores e jardins cheios de cores.

Boa semana. Beijo.

6/5/08 01:12  
Blogger un dress said...

"é tão difícil guardar um rio

quando ele

co ~r~ re

dentro de nós"




~



jorge sousa braga, alt :)



abraÇo.beijO

6/5/08 10:31  
Blogger bettips said...

Tenho uma almofada que comprei há anos porque dizia:"Home is where the heart is". Quando me encostava a ela, pensei que ia fazendo uma casa para o meu.
Pode ser água de um rio ou esquina de rua, um dedo partido na estátua, "Consideração" no P. da Ajuda, longe ou perto, o lugar onde (só) ouvimos vozes que queremos ouvir.
O Tejo é um vidro partido em tantas cores, lá de cima!
Abraços

6/5/08 14:48  
Blogger RC said...

Margem Norte, Ribatejo, Margem Sul, Alentejo: aqui Tejo. Tão só.

6/5/08 17:17  
Blogger Olinda said...

águas sábias. :-)

6/5/08 17:55  
Blogger ROSASIVENTOS said...

the book of life

6/5/08 21:06  
Blogger Gi said...

Remígio, bom gosto que ele tem
e que observação mais interessante ele faz :), Falhou-te a resposta
devias ter respondido: Tentar adivinhar? Eu sei exactamente o que eles pensam

Já sei. És modesto : mas isso não te retira a clarividência. Devias abrir escritório

Clara e evidência de forma Legível

ficava lindamente nas páginas amarelas

um beijinho

7/5/08 01:41  
Blogger Lyra said...

Olá,

Venho pedir desculpas por não vir cá há algum tempo, mas a verdade é que o meu filhote esteve doente e, como estive com ele em casa, o trabalho acumulou e agora o tempo é escasso.

Hoje apenas venho agradecer a tua amizade e simpatia e dizer que voltarei brevemente, com mais tempo, para pôr a merecida leitura do teu blog em dia, sim?

Beijinhos e até breve.

;O)

7/5/08 15:25  
Blogger isabel mendes ferreira said...

olhos de esventrar o rio que há em cada um.


assim.


mestria.



abraço. bem seguro.

7/5/08 17:27  
Blogger inominável said...

estive em Praga em Fevereiro deste ano... mas as águas que vi já não são as mesmas que fotografaste...

uma cidade linda, sem dúvida...

10/5/08 08:29  
Anonymous Anonymous said...

alberto é um adivinhador de pensamentos; remígio, um investigador de entranhas.pressinto que o diálogo continuou, numa troca de olhares entre eles, pessoas que entendem do seu ofício. talvez tenham apanhado o mesmo cacilheiro e cruzado, juntos, o tejo.sem necessidade de mais palavras.

marradinhas amistosas

10/5/08 20:06  
Blogger Benó said...

Será que o Remígio (mas que nome) a olhar para o Bugio não estará a pensar na foz e portanto no desaguar de todas as suas máguas?
A foto não é do rio Tejo, pois não?
Gostei das crónicas.

25/5/08 10:53  

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