AS ÁGUAS DE TODOS OS RIOS
O Tejo tem-no acompanhado desde que abriu os olhos para o mundo. Talvez por isso, dificilmente conceberia viver nalguma cidade, vila ou aldeia que não fosse banhada por um rio. Depois, há também a questão estética não menos importante: haverá cenário paisagístico mais agradável para os olhos que as águas de um rio a bordejarem casas, estradas, montes ou vales? Não há, rebate ele, sem esperar por opiniões divergentes daqueles que por força de circunstâncias diversas têm com a água uma relação mais ou menos distante. Remígio, é daqueles que não se ensaia mesmo nada para passar uma tarde de um dia de lazer, a andar de cá para lá no barco que une as duas margens da Grande Lisboa, mirando e remirando sonhador as águas que lhe passam à frente do nariz vindas da lezíria e com encontro marcado com as do Atlântico, logo ali à saida da barra. Ele sabe que é alvo apetecível para o riso dos marinheiros do cacilheiro e que entre eles, é conhecido pelo Infante Don Henrique do Cais da Rocha, onde alguns já o viram olhando na direcção do Bugio. Mas finge que não percebe. Ontem, de regresso à capital e com a embarcação a fazer a manobra de acostagem ao cais do Cais de Sodré, dei por ele ao meu lado e não me contive "Desculpe a ousadia, mas você não se estafa de olhar o rio com tanta insistência?". Não consegui ler no seu rosto qualquer enfado quando me respondeu "E você não se cansa de escrever sobre pessoas procurando adivinhar o que lhes vai na cabeça?".
Rio Vltava, Praga, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.
35 Comments:
Bem feita, que é para não andares a meter conversa na rua com ETês desconhecidos!
E foi uma grande sorte ele não mandar parar o rio! A estas horas andavas perdido na falha à procura de margem que te valesse!
Olá Alberto
Boas respostas são sempre antecedidas de excelentes perguntas.
Eu revejo-me no Remígio (onde o foste desencantar este nome?).
Não propriamente piscinas, mas se pudesse adoraria viver numa casa com um amplo espelho de água.
O Tejo, é uma maravilha e é lamentável que, em termos de ordenamento, tão pouca gente se importe e mal resista a erguer barreiras nas margens.
Uma frente de rio tão exuberante e tão mal tratada!
Um abraço
Eu Remigia me entrego! :)
Há lá coisa mais gratificante que uma tarde de olhos postos no rio, ouvir a sua ondulação nas pedras do cais!
Bom :) só se trocar o rio por mar :)
Ou se trocar a minha cadeira cativa em tardes de lazer no Armazém F por um leme de uma qualquer casca de noz :=)
Belo rio este da tua foto, Alberto!
Navegar...navegar...
Bons ventos te acompanhem :)
Só pelo nome se identifica o personagem. Remígio tem qualquer coisa de ave marinha. Logo o imaginamos já entradote e cansado de arrastar a asa. Por isso esse navegar autista entre as margens do maior rio da sua vida. E o outro, sentado na esplanada do Ginjal, sempre pronto a tirar o retrato, com um sorrisinho pendurado nos olhos. Quando o diálogo entre eles se escreveu só podia ser esse. Curto e certeiro. Sabem muito um do outro...
Beijinhos.
[ não lhe bastava o mar
era o apelo da sombra
as flores que não há
a curva escultura
no corpo do rio
a vi
~
rar
~
:)
Não há nada melhor que perder-se olhando a imensão de um rio-mar...
Adorei a crônica.Deliciosa...
Então, me perguntaria: Mas, como pode comê-la?...
Um bem navegar por aqui.
mais que rio, o tejo é-me
a mim
filho de mar.
..
x
... pois é!!!!
boa resposta, nunca nos cansamos do que nos dá prazer...
e ainda andam por aí uns cientistas a desenvolver a teoria sobre o "adiar dos prazeres"
imagina, de quanto em quanto tempo é que tomam banho?
Uma resposta à altura! Olhar para um rio é não cansa tanto, como olhar para algumas pessoas (às vezes... só algumas... muito poucas... duas ou três... talvez nem isso... se calhar, nenhuma...) Um rio nunca está parado...
O Tejo segue-o e ele segue o Tejo.
Quem adivinha, e acerta, por gosto, não cansa.
que mania a tua! mas percebo e aqui para nós que ninguém nos entende, tenho uma pancada semelhante, apenas sou mais contundente e nunca lhes sei os nomes. As tiuas personagens, esses seres que encontras viajando, o meu Deodato e agora mais este Remígio e ali abaixo um outro, seria Zé ou Alberto?!! decerto que devia ser mais perto se eu dissesse Teosófio ou Hermíndio ou uma Efelinda (conhece-los?! ah! mas nuncas descrevestelos...)
PS: andei arredada, mas nunca te esqueço, sabes muito bem disso!
Eu não sei definir qual o melhor: o rio ou o mar. Mas, confesso, sonho em conhecer Veneza, que fica banhada por lindos rios.
Só, sonho...
Gostei muito do final do texto. Mostrou a percepção de quem perguntava e de quem respondia, com explendor.
Eu que amo o Tejo não teria respondido mais atempadamente.. Sou de regadio, não saberia como viver sem água por perto, sem um rio que logo ali se faz mar.. e basta-me olhar, incansávelmente, e na dança das gaivotas ou no silencio, ali é o mau lugar..
Remígio - para os amigos, Rémi -, não esperou pela resposta. Enquanto o interlocutor tomava notas na margem da primeira página do semanário "O Lagarto Esverdeado", pegou na sacola e dirigiu-se à porta amovível do cacilheiro. Um barulho chocalhante acompanhou-o.
Com extremo cuidado, pousou o saco, que a carga tinha tanto de preciosa como frágil. A sacola abriu-se e revelou umas quantas dezenas garrafas verdes, de litro. Não continham líquidos, apenas um sólido - enrolado. Uma a uma, enquanto o barco se fazia à outra margem, rolhou cada garrafa e atirou-as borda fora.
O interlocutor de há pouco, aproximou-se. Sorria quando mostrou a primeira página do jornal ao homem das garrafas.
- Estamos lá. Milhões e milhões. Vou é ter de ir comprar móveis novos lá para casa, a Paços de Ferreira. Mas não há azar. Milhões, veja. Este ano, já cá canta.
- Ill send an s.o.s. to the world
Ill send an s.o.s. to the world
I hope that someone gets my
I hope that someone gets my
I hope that someone gets my
Message in a bottle, yeah
Message in a bottle, yeah - cantou o outro.
um excelente post. dos melhores que vi por aqui.
um abraço
E que tal sugerir ao Remígio uma visitinha a Amsterdam, a tal das gatas - gatas mesmo, felinas, bichanas - nas vitrinas? Aí não lhe faltaria águas: águas suaves, águas revoltas, águas paradas, águas escuras...
Bela história, a tua!
(gostei da ironia do teu comment, presumindo embora que me entendeste)
"O Tejo é mais belo que o rio da minha aldeia
Mas o Tejo não é mais belo que o rio da minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio da minha aldeia..."
Alberto Caeiro
Outro Alberto e outro que não se cansava de olhar, mais, sentir a natureza...
Excelente post...adorei o texto...
:D
Os teus comentários sardínicos e "esquizofrénicos" são hilariantes e muito saudáveis!
E só com olhares diversos se desconstroem conceitos, ou nos aproximamos da verdade, se isso é possível...
É um prazer "conversar" contigo
quria dizer sardónicos, claro :))
Abraço
Bonitas palavras de quem ama o correr das águas do Tejo! Existe em todos nós um pouco do Remígio...basta olhar para a nostalgia que brilha nas suas ondas!
beijinho e obrigada pela amável visita ao Excitações
viva legivel...também eu nesta cidade vivo perto e a ver o Tejo. quando me ausento dele... pinto-o num pedaço de papel.avivadas as memórias... eis o rio que passa por onde quer que se esteja. para lugar donde vou... não há rio que espreite, o próximo inverno.
Tejo que encanta sempre...como por aqui a fantasia das palavras:)
Beijinhos e sorrisos!*
Já num outro dia te convidei para visitares o meu novo blog, mas...não te vi por lá; eu era kalinka e agora transformei-me numa Tulipa, na Primavera!!!
Mas lá, no novo blog é proibida a palavra antiga-kalinka.
Não era um ramo de flores
Era um jardim pleno de sabores
Feito de espaços e abraços
De cores e de calores
De vermelhos como os amores....
É isso, estamos na Primavera!!!
Adoro flores e jardins cheios de cores.
Boa semana. Beijo.
"é tão difícil guardar um rio
quando ele
co ~r~ re
dentro de nós"
~
jorge sousa braga, alt :)
abraÇo.beijO
Tenho uma almofada que comprei há anos porque dizia:"Home is where the heart is". Quando me encostava a ela, pensei que ia fazendo uma casa para o meu.
Pode ser água de um rio ou esquina de rua, um dedo partido na estátua, "Consideração" no P. da Ajuda, longe ou perto, o lugar onde (só) ouvimos vozes que queremos ouvir.
O Tejo é um vidro partido em tantas cores, lá de cima!
Abraços
Margem Norte, Ribatejo, Margem Sul, Alentejo: aqui Tejo. Tão só.
águas sábias. :-)
the book of life
Remígio, bom gosto que ele tem
e que observação mais interessante ele faz :), Falhou-te a resposta
devias ter respondido: Tentar adivinhar? Eu sei exactamente o que eles pensam
Já sei. És modesto : mas isso não te retira a clarividência. Devias abrir escritório
Clara e evidência de forma Legível
ficava lindamente nas páginas amarelas
um beijinho
Olá,
Venho pedir desculpas por não vir cá há algum tempo, mas a verdade é que o meu filhote esteve doente e, como estive com ele em casa, o trabalho acumulou e agora o tempo é escasso.
Hoje apenas venho agradecer a tua amizade e simpatia e dizer que voltarei brevemente, com mais tempo, para pôr a merecida leitura do teu blog em dia, sim?
Beijinhos e até breve.
;O)
olhos de esventrar o rio que há em cada um.
assim.
mestria.
abraço. bem seguro.
estive em Praga em Fevereiro deste ano... mas as águas que vi já não são as mesmas que fotografaste...
uma cidade linda, sem dúvida...
alberto é um adivinhador de pensamentos; remígio, um investigador de entranhas.pressinto que o diálogo continuou, numa troca de olhares entre eles, pessoas que entendem do seu ofício. talvez tenham apanhado o mesmo cacilheiro e cruzado, juntos, o tejo.sem necessidade de mais palavras.
marradinhas amistosas
Será que o Remígio (mas que nome) a olhar para o Bugio não estará a pensar na foz e portanto no desaguar de todas as suas máguas?
A foto não é do rio Tejo, pois não?
Gostei das crónicas.
Post a Comment
<< Home