O HOMEM, O TEMPO E O MODO
Aproveitando uma aberta da chuva que faz jus ao provérbio que popularmente define o mês de todas as esperanças em melhores tempos, o homem escolheu um banco do jardim deserto e nele acomodou a saliência abdominal (e todas as restantes saliências físicas) sobre o assento onde por norma se sentam traseiros dos mais variados formatos e procedências. Notarão os leitores -assim a visão e a memória vos seja propícia, que é a segunda vez em curto espaço de tempo, que por aqui -e pelos desígnios da escrita, se descrevem dois homens em idêntica posição corporal . Que isso não concorra para efabulações diversas e fantasiosas sobre as apetências descritivas do autor, das suas personagens ou do seu género, pois é de mera coincidência que se trata. Mas voltemos ao nosso homem, pessoa que dá igual uso a um banco público como antes dava a uma cama, frequentador assíduo de jardins imaginários, de corpo marcado por muitos temporais e de ouvidos cheios de esperanças não concretizadas. Deitou-se hoje aqui, espaço virtual de realidades ficcionadas e pediu-me para lhe tirar uma foto. Que "... era para a posteridade. Para que os vindouros, vissem como era o rosto de um homem desocupado pela força das circunstâncias?! e que nada tinha para dar porque tudo lhe tinham tirado." Fiz-lhe a vontade no que se refere à fotografia mas não lhe apanhei a cara. É que há sempre uma secreta esperança, não é?
Praga, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.
38 Comments:
cansado, a fazer a sesta ou desempregado... foi à má fila que apanhaste o homem... hum...
e depois, sonhaste que ele te pediu qualquer coisinha...
a lógica dos bons títulos já vem de longe... desmembrando:
o homem, será?
o tempo, primaveril?
o modo, de barriga para baixo -> naturalíssimo!!! caso contrário sempre podia entrar alguma mosca...
É!...às vezes tão secreta que a confundimos com sobrevivência, esse Modo Imperativo do verbo Ser, que teimamos em conjugar, apesar dos Pretéritos Imperfeitos que carregamos nos bolsos... A esperança distingue-se da sobrevivência, porque não é a p&b e tem a absurda mania de invadir o desalento...mesmo nos bancos de jardins imaginários. (Será que me inspiraste um pensamento (só) sério??...hum...)
E a esperança não tem rosto, e perambula entre os homens sem rosto, sem identidade, prostrados nos bancos das praças. Que a esperança ,um dia, se cole nas faces, como direito inalienável.
Sem perder o tom de humor, tocas num tema tão humano e doloroso...
Bom ler-te!
Legivel, em seguimento ao que as coisas querem dizer, ao seu significado, o que aqui se passa é isto: num mundo em que banco de jardim, às vezes, quer dizer cadela, é melhor não a curtir na cama.
:)))
Aqui a chuva continua a cair como se não existisse amanhã..o mundo desaba, Mas eu adoro sol e calor, mas confesso que não desgosto de chuva e todos sabemos o quanto ela nos faz falta.. boa semana, ell
registando ou não a cara para a posteridade, algo se registou; o homem e as suas circunstâncias, o corpo, o local... o Ser que não tem Ter
é um banco de jardim imaginário?
Olá Alberto
Concordo.
Não é por se repetir a imagem de um homem deitado -- na 1ª, estava na praia; nesta, estava no jardim --que iriamos pensar que já so faltaria comprovação sociológica para afirmar que a actual ambição masculina era levantar-se depois de se ter deitado.
A antropologia não detecta uma tendência sequer de tal característica.
Adiante.
A outra justificação, essa sim, é séria e preocupante.
Um breve repouso para aliviar um moento de desespero.
Cá para mim, apenas uma máquina fotográfica indiscreta?!...
Beijinhos e :)sorrisos para uma boa semana*
o homem o tempo e os seus múltiplos andamentos modais.
.
. encantada.
não como sempre.
hoje especialmente.
:)
beijo que divido em dois para partilhar. "seguramente".
grata.
Tristemente se constacta que os desocupados quer "por força das circunstâncias", quer pela ausência de forças, são cada vez mais...Aqui está o seu fiel representante...
- Vânia... - Esperou uns segundos e depois, insistiu: - Vânia... então, essa massagem sai ou não sai?
Bastos suspirou e deixou-se ficar. estava-lhe a saber bem estar ali, assim, a contar pastilhas coladas ao chão. Verdade seja dita, até nem estava surpreendido por Vânia se ter escapado. Lembrou as palavras do avô, era ela jovem: "nunca pagues adiantado". Quarenta euros, o que é isso. suspirou de novo. Doze... treze... ali, mais uma: quatorze pastilhas. Se calhar, nem se chamava Vânia. Aquele sotaque tropical podia ser de Brenda, ou de Sueli. Ou de Giovana. Chamou de novo: Vânia. Nada. Podia ter ido fazer qualquer coisa e ter voltado. Talvez uma necessidade fisiológica súbita. Talvez tivesse ido ao carro buscar um oleo para a massagem. Talvez tanta coisa. Vânia. Passou o vento e assobiou na árvore. E nesse instante, sentiu um toque no ombro. - Vânia, eu sabia que você não me ia deixar ficar mal. Mas tinha sido apenas um pombo que lhe defecou em cima.
É quatorze ou catorze? Esta coisa do Acordo dá-me cabo da numeração...
Que nada tem para perder, excepto uma secreta esperança, umas sapatilhas, umas calças e uma camisola, um banco de jardim, onde se pode deitar a curtir essa esperança, uma árvore, um ar para respirar, um fotógrafo para o congelar, enfim, sempre tem alguma coisa para perder!...
a modos que gostei muito, legível. mas repara. o homem estava na sua hora da sesta. descansado da vida, jamais pensou algum dia vir a ser embrulhado num papel de fantasia. e com estas palavras tão bonitas. a vida dele agora sim já terá valido a pena. um beijinho grande.
Uma ternura, pé ante pé, nas palavras de abandono de que te serves. Para nos mostrar o mundo "a prazo"!
Bjinhos
É.
Xi.
entre o coração e as palavras
um cobertor
abraço.te[vos? :)
~
Especial, este post, na sua delicadeza ao falar da vida secreta dos que vivem a vida ao nosso lado, ou morrem no desconforto dela.
Mais uma acha para a minha fogueira de tristeza...
Saudações.
Maravilhoso! O momento e o texto, que desta vez me tocou a sério, e me encheu a alma. Gostei mesmo do que senti a ler isto agora: estou solidária com o seu olhar perspicaz acerca dos contratempos que assolam a vida humana. OU será que sou eu que hoje tou de todo???
Um abraço. Até breve. Azul.
essas posições horizontais, também não quero fazer efabulações mas que las faço, pois é irresistível, deitadinhos todos nos bancos do jardim,depois de cansadinhos de procurar jardim em betão...e tá bem apanhado, sim senhor!
E a esperança é boa companheira do viver.
Expressiva triologia.
Pois é mesmo, o tempo tá antigo e tá de tchuiba e o modo vai de barriga pra baixo, zaca tumba truca truca. E até tem fundo de avenida e forma em cabelo pingado.
O homem aproveita a folga ao máximo, esperando no dormitório até que o polícia o mande circular, vamos a circular!
Lamento que te tenhas esquecido de dizer onde está o chapéu de côco!
Andas há muito a retratar este homem e o seu (nosso) tempo. Só fizeste algumas variações no modo de assestar a objectiva feita texto.
É esta a tua forma de esperares pelo outro a que se chamará NOVO.
Bem hajas. Um abracito.
Mas voltemos ao nosso homem, pessoa que dá igual uso a um banco público como antes dava a uma cama,
frequentador assíduo de jardins imaginários,
de corpo marcado por muitos temporais e de
ouvidos cheios de esperanças não concretizadas.
sim, voltemos.
bem, pois fiquei a pensar se alguém poderá num ponto, em dois ou em todos, não entrar
nestas
palavras.
eu entrei:
a direito
em directo ~
abraÇo.beijO
e
beijO.abraÇo :)
A esperança que resiste,
em ti
e em nós
neste mês de esperança ainda por cumprir.
Cumprir-se-à?
Há sempre a esperança.
Beijos
E aqui está um retrato todo ele pintado em pinceladas de ternura, compreensão, ironia atenta observação do mundo e dos outros.
Legível com imenso prazer :))
queria assim só esta lisura antiga deserta e
vegetal
querido____________Legivel
.como escreveram os teus______olhos
dos teus dedos______as palavras.a.imagem.dum.homem
____"que sem rosto"_______tem o rosto de todos os homens_________
.cujo.império.é________
um banco de jardim_____...
beijO______C______carinhO
Neste Dia de Liberdade, desejo que esteja sempre presente na sua vida. Bom fim de semana alargado.
Não tens comenda, não tens emenda. Tens graça, rir é como um xarope de cenoura para a tosse: pelo sim pelo não, alivia...
Abraços livres!
Olá, bom dia,
Passei por aqui só para desejar em excelente fim de semana e deixar um beijinho grande.
Até breve.
;O)
não efabularei
yayaya
mas foste mau, obrigaste o senhor a sentar-se de barriga e depois nem se vê a cara...
tadinho... assim não será conhecido na serra...
abrazo serrano
ah! era o curtir de uma grande ressaca...
;)
muito bom!!!
abraço.
e quantas vezes passamos por estes homens sem rosto... olhamos mas não vimos.
guardar para a posteridade. pois . a secreta esperança de serem recordados por alguém ? são uma multidão anónima, com fileiras que engrossam cada vez mais . e nós passamos , são sempre homens sem rosto.
Um beijo para ti que no meio de tanto humor, tanta graça, tanta imaginação, mostras bem a pessoa sensível que és.
Noite feliz
É a ultima a morrer.
já vim aqui várias vezes, ler e reler o texto.generosidade, a deste homem deitado que, mesmo nada possuindo, alguma coisa quis deixar às gerações vindouras, que as levasse a meditar sobre a precariedade de tudo.
sonhos roubados, também. mas...quem sabe? talvez, um dia, os olhos sejam capazes de chamar para perto uma longínqua estrela...
marradinhas amistosas. voltarei para ler o post mais recente - ainda por cima o protagonista tem o nome de um velho gato que viveu lá no nosso jardim, até à bonita idade felina de 16 anos...
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