O DOLOROSO DESTINO DE SER DECORATIVO
"E se nos deixássemos de rodeios e déssemos um valente mergulho no Spree ?" perguntou o cavalo que tinha o secreto sonho de um dia poder vir a ser marinho, ao cavalo que tinha a certeza de ser tímido -e por isso mesmo, apenas permitia que lhe fotografassem a extremidade do focinho. "Não estás bom da cabeça! Como se sentiriam as pessoas que já se habituaram a apreciar-nos ornamentando esta protecção sobre o rio? Defraudadas, claro. E na nossa ausência, que hipótese teríamos hoje de ilustrar um texto na blogosfera? Nenhuma, é evidente." O equídeo que perseguia o sonho de vir a ser cavalo-marinho, não queria acreditar no que ouvia do seu tímido parceiro "Desiludes-me. Além de te ser difícil assumires a condição de cavalo por inteiro, conformas-te com a condição de mero objecto decorativo. É por cavalos como tu -de limitados horizontes e garupa encolhida, que nos trazem sempre à rédea curta. Pois fica, que eu escolho atirar-me ao rio." E se bem o relinchou, melhor o fez: rasgou os ares num salto perfeito ao encontro da utopia. Uma criança que passeava pela mão da mãe, gritou na inocência dos seus quatro anos "Mamã! mamã! vi um cavalo a voar!!" A mulher olhou-a enternecida "Eu sei que tu és uma menina com muita imaginação, mas não deves ser teimosa: já te disse mais que uma vez, que neste rio só há cavalos-submersíveis".
Berlim, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.
30 Comments:
Her Jurgen sonhava com salsichas e grandes canecas de cerveja. Sentado numa mesa corrida só sua, celebrava sozinho a Oktoberfest - em Maio. Sentiu, pois, profunda irritação quando o toque estridente do telemóvel o trouxe de volta à realidade. Reconheceu imediatamente o presidente da edilidade:
- Her Jurgen, precisamos de si. Urgentemente!
- Ja vol! - respondeu ao mesmo tempo que dava um salto para dentro das Lederhose.
- Estamos na ponte sobre o Spree, a dos cavalos. Venha rápido.
Her Jurgen bateu os calcanhares à frente do presidente da câmara, exactamente 17 minutos depois de ter desligado o telemóvel. Afirmou:
- Ao seu dispor.
- Eficiente como sempre, sim senhor. É disso que precisamos. Ora veja - e apontou para um buraco na protecção, em ferro, da ponte. - Mais um cavalo que se atirou ao rio. Este ano já foram quantos? - Her Jurgen ia responder, mas o autarca não esperou pela resposta. - Enfim, precisamos novamente dos seus préstimos, que em ferro forjado, não há outro como você.
O homem inchou a olhos vistos e cofiou o longo bigode grisalho.
- Ora, ora, bondade do...
- Mas desta vez, vamos ter de arranjar maneira de isto não se voltar a repetir, que o ferro está pela hora do passamento.
- Acho que tenho uma ideia...
E foi assim que, na manhã seguinte, o cavalo tímido se viu frente a frente com uma vaca leiteira.
De repente, a ideia de passar o resto dos dias de molho, não lhe pareceu tão disparatada assim.
Olá Alberto
Salvo erro, foi Arrabal que fez um filme «IREI COMO UM CAVALO LOUCO»
Seria o caso desse teu equídeo que deseejava ser amfíbio, não voador, como o avistara a criança, e no entanto, tentando ir loucamente?
Provavelmente.
Bela prosa.
Gostei.
Pela continuação da história feita pelo Rui, fiquei a perceber como é que aquela senhora sabia que naquele rio só havia cavalos submarinos... E, a ver pela argumentação usada para com o cavalo tímido, diria que os cavalos submarinos são arrojados, embora pouco inteligentes!...
smoke gets in your eyes!!!?
Dizia eu...banda desenhada pela tua escrita. Não tarda a Sininho, o Principe Valente, o Reizinho...
Aristocrata, o cavalo que ficou bateu a asas e transformou-se em Pégaso, escarvando os céus!
Em breve se desiludiu: encontrou o buraco do ozono, e mal por mal, fica com o do déficit.
Abçs
Este cavalo preferiu não esperar pela próxima encarnação e decidiu logo ser cavalo-marinho!
:)
Não, eu histórias destas nunca hei-de saber escrever. Onde é que o Senhor Oliveira aprendeu a escrever assim tão bem e com tanta graça? Desculpe lá a indiscrição.
Eu continuo a pôr umas brincadeiras no meu blogue. Vamos a ver se me aguento muito tempo. Aquilo puxa pela cabeça...
Até mais ver, Senhor Oliveira.
Moral da história: Não vale a pena tirar o cavalinho da chuva se o seu desejo for marinho, pois na sua ânsia de cumprir um sonho, ele transformar-se-á em cavalo alado a que nunca se olhará o dente, antes de submergir nas águas gélidas do rio descobrindo, tarde demais, que irá sofrer de reumático até ao final dos seus dias!
também vi:
caleidoscópico
alado
bolinhas de espuma na cauda
orelhas de vento e sal
rasga o céu
e solta a pedra
numa
tarde
in)esperada ~
abraÇo.beijO de asas
Já pus a música que o senhor me pediu. Isto assim é uma animação.
Até logo e muito obrigada pela colaboração.
É nestas alturas que nós devíamos pensar em acreditar que as crianças têm mais que imaginação...e o cavalo que saltou para o rio...que seja feliz...:D
no inicio toda a imaginação é criativa. depois no passar dos anos é inventida. assim se anda à deriva. saber olhar é recriar novas imagens;)
Como eu entendo o tal do Equídeo...isto de ser "decorativo" cansa qualquer um...
E se todos temos o direito de sonhar, porque razão não podia o tal do Equídeo sonhar em ser....marinho
E já agora...já vi que prosa não lhe falta....e da boa...
Continue..
Beijos
Realmente, têm aspecto de não ficarem a boiar.
Permite-me que leve muito a sério esta publicação. Deixa-me renomeá-la: "O Fabuloso Destino de ser Sensível".
Um abraço e já agora... um reliiiincho!
História-sortilégio, contada com a maestria de um poeta.
Parabéns, sinceros.Texto encantador e encantatório.
P.S.:infelizmente o meu Mounty não toca trompete(ou era sax?), como o Mounty Clift fazia, no filme. Tb me lembro como se fosse ontem:))
Acredito que com esta imaginação difícil seja imaginares o "Mundo das Sombras". Mas olha que não são.
Abraço de mulheresaoluar.
Virei visitar-te muito mais.
... também o vi
amarinhou devagarinho, pela calada da noite e eu atrás dele com todo o cuidado não fosse falhar-me o pé
então, falta muito? - espera que está quase!
mas eu não vejo nada... - também não precisas!
não preciso? - não!!!
mas eu gostava!!!
há gostavas...
UM ABRAÇÃO grande amigo!!
A maravilha da utopia...
Beijinhos e :)
Logo por azar, caíu em cima do casal que passeava de barco, enternecidamente e à deriva, no canal.
Quando os repórteres da televisão chegaram para documentar tão insólito evento, verificaram que o cavalo, estava envolto em ligaduras.
A repórter, pegou no micro, e como tinha a mania de ser engraçadinha nas peças sobre a desgraça dos outros, comentou: - É mesmo um cavalgadura! O casal não achou piada nenhuma...
beijinhos nada dolorosos
Gostei muito , muito.
Bem haja.
teimosa com'uma mula ;-)
Então lagartixa?
A cavalo dado não se olha o dente, como é evidente.
Xi teimoso
inventei um destino ainda pior!
ser
in visível!! :)
A Gi vai estar ausente do blogue uns tempos devido a "sindroma vertiginoso". Nada de grave, apenas não pode estar frente ao computador.
Obrigada
ah, mas enquanto o sonho comandar a vida, nada se perde, diria eu
;)
haha.
Fiquei com dó do cavalo. Por que nascemos pra uma realidade que não aprovamos? Não seria melhor se conformar com o que seria, de fato?
Tenho certeza que esse cavalo tem espírito de guerreiro!
Abraços.
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