Thursday, May 22, 2008

DO PODEROSO AMOR PELO PODER







Primeiro comprou a t-shirt porque não era pessoa para esconder as suas inclinações amorosas. Anunciava assim, frontalmente, a quem o quisesse ler no verso, que também ele deixava de estar disponível para outros amores menos interessantes (ou mais rasteiros, como costumava ironizar sobre aqueles que se amam deitados, forma inferior de possuir o amor) e que pertencia a esse clube a que poucos tinham acesso: do incomensurável amor pelo poder do amor. Assim mesmo: a maioria dos membros, através do poder do amor alcançavam o poder-poder. Logo a seguir, desta regra que no início lhe pareceu assaz complexa, fez dela a sua bandeira e, enquanto o diabo esfrega um olho e duma assentada, apaixonou-se por uma presidência de câmara municipal, por um ministério e pela administração de uma empresa estatal. Preveniram-no que amores tão em simultâneo, ainda não estavam previstos pela moral vigente, mas um dia -quem sabe?, lá se chegaria... Por enquanto, o mais avisado seria amar um poder de cada vez e dele tirar o máximo prazer e proveito. Cícero, prometeu ponderar o conselho e nessa noite, fez amor com a presidência da câmara três vezes. De pé. Ontem, fui encontrá-lo sentado, no fora-de-borda, mirando as plácidas águas do rio às quais se costuma confessar com regularidade. "Então como é que vamos de amores?" perguntei-lhe. "Uma confusão de sentimentos do diabo! Ainda os lençóis da presidência da câmara não deviam estar frios, já andava eu atrás das saias da pasta da justiça. E a verdade é que também não me sai da cabeça, o peito farto da administração da empresa estatal. Mas isto há-de compor-se que o poder do amor... "

Hamburgo, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.

33 Comments:

Blogger Fátima Santos said...

genial, Alberto! Olha que valeu a pena estar uns tempitos arredada ( que este local não me dá para uma passagem: necessita que pare, leia reflita no sentido da tua palavra)
deste texto escorre tanta verdade que nem a brejeirice que lhe fica em fundo, consegue tirar-lhe o gume agreste dessas verdades que tu retratas nos amores conspícuos de um pobre Cícero apaixonado ...

23/5/08 01:35  
Blogger lélé said...

Sem dúvida, genial! O texto é de tal forma claro, que se percebe de imediato que o Cícero ainda não encontrou, mas procura, o Eldorado à beira-mar plantado!...

23/5/08 04:07  
Blogger dona tela said...

Para espairecer fui ao cabeleireiro.

Até logo, Oliveira.

Tela

23/5/08 15:07  
Blogger nana said...

muito bom!!!

:o)


..



x

23/5/08 16:52  
Blogger oxalá said...

Ó compadre!!!!

É só para o mês que vem! rsrsrsr a tela é que se chama assim! rsrsrsrs

Ainda não li esse teu amor pelo poder, mas volto mais logo - cácalharás!

23/5/08 19:25  
Blogger M. said...

Genialíssimo!

23/5/08 19:51  
Blogger A Lusitânia said...

Legível, fazes juz ao teu pseudónimo.
Muito gostei, tanto mais que ainda hoje, incomodada com pérfidas acumulações passionais (que acabam por servir o poder a que te referes no texto), havia dedicado um texto ao meu amigo João, mais que Tudo.
Mas rumarei amanhã, bem cedo, às páginas de lugares dentro de outros lugares.

23/5/08 20:20  
Blogger lenor said...

E depois? Quem ama o feio, bonito lhe parece!

24/5/08 00:11  
Blogger bettips said...

Porreiro, pá...
Um rectângulo das bananas!
Refiro-me ao computador onde falamos. Claro que o "sítio" onde o cavalo parou (o burro?) também é democrático, ocidental e livre...
***
Bem me pareceu andar um vara feito régulo, uns santos feitos dianhos, agora porco? mas ele quem vê caras (ou T-shirts ou outras peças) não vê interiores. E farto-me de querer, ou ter querido, pousar a face entre os colos avantajados da réplica ...da república, digo!
Já nem tostões posso contar que as pretas ou morenas? desaparecem. E há mesmo notas que nunca vi, só na televisão quando prendem os marmanjos e mostram aquelas gamas de topo, muito mobile e saquinhos plástico não recicláveis.
Apanhas-me de veia.
Quer dizer, não é isso, é poética, caramba!
Bem me fazes sorrir e olha que não é fácil, não! a conjunctura, a conjuntivite, a conjugação dos astros...enfim, tu sabes que o tempo está de humores húmidos e rançosos.
Abraços amigos, claro.

24/5/08 01:06  
Blogger bettips said...

...pois, lá é mesmo um carneiro mas garanto-te que é muito educado; podes até levá-lo a jantar, é dos antigos, muito vénias e suspiros. E sabe muito de ministérios, planos de ensinar "etc" (e eu a calcular porquê).
Mais uma palmada amigável, quando fôr ao "farol" ainda te digo e comemos uma cabeça de garoupa!
Bjinhos

24/5/08 01:14  
Blogger bettips said...

E sabes o porquê de tanto comentário? Porque o carteiro toca sempre duas vezes e os prosaicos amantes do dia a dia que se cuidem!

24/5/08 01:17  
Blogger bettips said...

Olha lá, tu tocas nalguma banda ou quê? ou és comissário daqueles anfiteatros europeus para os cereais versus petróleo?
(just in case, o disposal bin é para apagares...)

24/5/08 01:26  
Blogger A Lusitânia said...

nada a propósito, mas para ti ficou um monte de pedras temporariamente escritas no meu Luar.

24/5/08 01:56  
Blogger un dress said...

fazer amor com câmaras e ministérios!!?

ai tadinho dele tão... equivocado!

está muito doentinho o homem.

onde encontraste esta raridade comum :)??




abraÇo.beijO condoído :))

24/5/08 11:24  
Blogger Justine said...

Que imaginação poderosa! Que metáfora contundente - ou será uma alegoria? não, parece-me que é uma fábula...
Não sei, sei que sorri com a ironia subversiva, e com a subtil e elgante insinuação de que o que o Cícero anda a fazer com as instiuições é uma versão muito mais vernácula e nada eufemística de "fazer amor"!
Abraço e bom fim de semana

24/5/08 11:38  
Blogger MentesSueltas said...

Te dejo un fuerte abrazo desde Buenos Aires...

MentesSueltas

24/5/08 12:05  
Blogger No-Me said...

Caro Alberto. Este é de ler e... chorar por mais.

E antes do meio de um texto cáustico sai um verso que serviria também a um outro texto "do incomensurável amor pelo poder do amor"

Valeu a viagem. :)

24/5/08 13:37  
Blogger Heduardo Kiesse said...

PODEROSO!!!

:-)

24/5/08 16:22  
Blogger JPD said...

Olá Alberto

Belíssimo texto sobre volúpia.

Cupidez, não!....

Um abraço

24/5/08 16:28  
Blogger Maria Anjos Varanda said...

GENIAL....

Nem me atrevo a dizer mais nenhuma palavra....
nunca conseguiria escrever nada de acordo com o que o texto merece....

Agora uma pergunta: já pensaste em publicar um livro????...para começar, claro.

beijos e bom fim de semana

24/5/08 18:24  
Blogger Rui said...

Estava Cícero a tentar perceber se tinha visto um cavalo marinho a galope pelas águas fora, quando a sua atenção foi reclamada por uma dupla que, na margem, passeava muito agarrada. Metade da dupla, era-lhe familiar.
Tudo neles era amor. Notava-se à légua e à milha náutica. Conseguísse ele ver melhor quem eram aqueles dois...
Puxou pelo motor da embarcação e fez-se ao cais. Não precisou puxar muito pelos cavalos motorizados para obter a sua resposta: era a presidência da câmara, abraçada a outro!
Traição, gritou Cícero para as entranhas. Acelerou e a proa ergueu-se bem acima das águas. Apanhando uma onda, a embarcação voou para o cais, indo estatelar-se em cima de outra embarcação.
O estardalhaço foi tal, que toda a gente convergiu para o cais. A dupla de namorados incluída.
Ofendido na sua honra, Cícero subiu os degraus dois a dois. Sabia bem o que ia dizer aquela oferecida, que ainda na véspera lhe tinha jurado fidelidade, mas engasgou-se quando leu na t-shirt do novo acompanhante I Love Power and I Try Harder

24/5/08 18:40  
Blogger Olinda said...

Como o diabo gosta. ;-)

25/5/08 11:54  
Blogger ~pi said...

a ver se o homem

se

(re)converteu

e a quê! :)






~

25/5/08 13:24  
Blogger Maria P. said...

Só mesmo este Papel tem esta Fantasia:)

Beijinhos e sorissos:)de Maio*

25/5/08 16:25  
Blogger L.Reis said...

Caramba! O ácido súlfurico comparado contigo é um creme daqueles que embelezam a cútis...
Liiiiiiiiindo!! (com muitos iis por ser a letra onde melhor colocas os pontos)

25/5/08 20:56  
Blogger oxalá said...

Acho que o tipo nos intervalos pode mandar uns faxes (já tem n precedentes no primeiro) para umas universidades com os sumários prognosticados de várias cátedras efabuladas e assim aperfeiçoará o poder do amor até ao poder amor do poder global.
E quando morrer, nem o Vaticano se permitirá duvidar do milagre quanto mais da santidade.
Compadre, o homem vai a beato - acredita!

25/5/08 22:04  
Blogger Lyra said...

Remando contra a maré de amores "diplomáticos", faço minhas as palavras de Jimmy Hendrix:
"Quando o poder do amor superar o AMOR PELO PODER,o mundo conhecerá a PAZ!!!".
Círero nunca a conhecerá!

Adorei, para variar.

Beijinhos e até breve.

;O)

26/5/08 14:39  
Blogger dona tela said...

Tantos comentários! Mas o Oliveira merece. Eu é que não digo nada com pés e cabeça.

Muito prazer em vê-lo.

26/5/08 18:38  
Blogger Marginal said...

Alberto III

Dou-te um drop se me adivinhares :)


Entre o amor ao poder e o poder do amor...fica um rio de largas margens :)

Saltanto de amor em amor assim anda o nosso país, esquecida parece a passagem da Baixa Pombalina a Patrimonio Mundial quiça trocada por uma paixão pelo tgv :) politicas bissexuais de um país à beira mar plantado :)

beijos, abraços e sorrisos :)

26/5/08 18:46  
Blogger Ruela said...

muito bom ;)

26/5/08 19:38  
Blogger Licínia Quitério said...

Tão volúvel esse Cícero. Fiel mesmo só ao seu profundíssimo antigo amor pelo poder. Ele não desiste nunca. Tendo atentado há dias no aforismo "querer é poder" declara-se agora apaixonado por um verbo da segunda conjugação.
Os insondáveis caminhos do amor...

26/5/08 23:30  
Blogger segurademim said...

... perdem a cabeça

é o cheiro

27/5/08 11:48  
Blogger Auréola Branca said...

Sempre soube do perigo de um olhar do poder. Eles são sensuais, aventureiros, enlouquecedores.
Porém, nunca nos tornam fiéis.

Abraços.

9/6/08 17:04  

Post a Comment

<< Home