E SE A DÚVIDA NÃO NOS ASSALTA?
Logo após a primeira refeição do dia meteram pés a caminho explorando rua após rua, avenida após avenida, a cidade desconhecida. Andarilhos experimentados, sentiam-se tão à vontade numa urbe nunca antes visitada, como se ela fosse aquela de onde -por força das circunstâncias (ou do destino?), faziam a sua vida rotineira e ponto de partida para a descoberta de outras urbes, onde por força de conjunturas (ou dos acasos da vida?), se cruzariam com gentes praticando idênticos (ou quase) actos de rotina e desejosas também elas de partir à descoberta de
é curioso verificar que, ao viajar, acabamos inevitavelmente por voltar ao ponto de referência inicial, sem ter forçosamente de regressar ao sítio de partida. Bom... tenho de confessar que este foi o argumento que tinha mais à mão para ganhar algum tempo e tentar perceber porque motivo parti para um texto que anda a viajar à volta de si próprio.
outras cidades. Para alcançar o centro pelo trajecto menos longo, teriam de percorrer uma rua secundária, sem movimento e de edifícios sombrios. Dois quarteirões vencidos e avistaram (saido não sabem de onde) mais à frente e numa zona descampada, um indivíduo de aspecto corpulento, parecendo esperá-los. Arquimínio respirou fundo e trocou um olhar de entendimento com Heliodora "Passamos para o outro lado da rua ou continuamos neste? é que não tenho dúvida que estamos metidos num grande sarilho", sussurrou sem deixar de olhar em frente. Ela estremeceu "Se não me tivesses dito nada, persistia na dúvida. Agora, tenho o coração mais apertado que aqueles sapatos que comprei para a passagem do ano que me me disfarçavam o tamanho dos pés". Decidiram prosseguir pelo mesmo caminho. Quando chegaram ao pé do homem este barrou-lhes a passagem "Não temam. Apenas vos quero pedir que, quando regressarem ao vosso país, façam sentir a quem tirou esta fotografia que bem podia ter prevenido que o ia fazer. Teria desfeito a barba, vestido outra roupa mais apresentável e na dúvida... assaltava-vos os pensamentos."
Berlim, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.
37 Comments:
É sempre apetecível assaltar os pensamentos alheios, especialmente se o fizermos ao virar da esquina de uma dúvida.
Desejo-te um excelente fim-de-semana!
Beijinhos e até breve.
;O)
Na dúvida, assaltava-lhes os pensamentos, porque, na dúvida eles podiam ter certezas... Ele precisava era de assaltar os pensamentos do Sr José Sousa (vulgo, Sócras), por exemplo!...
Delicioso o teu: parágrafo fora do lugar. :-)
arranjas cada nome ;)
sempre criativo,
muito bom.
Com nomes daqueles, terem dúvidas a assaltá-los...devia ser um mal menor...
Como sempre "sir" Alberto...que GRANDE imaginação.
Boa prosa, como sempre....
Boa semana
que coisa essa de um malfeitor cortado em dois por uma conversa do umbigo com o umbigo interstício
sem sangue nem postas e com pedido de barba a desfazer desfazer ao fundo do descampado enquadrado no comum betão.
Ah! Este Arquiminio e esta Heliodora dos sapatos a fazer de brim brim são uns medricas mal lhes aparece um pão de 5kgs! A isso chama-se HOMOFOBIA! Bah!
Vão mas é fumar para o outro lado da cortina do aeroplão!
dianho de vida que lá me alcandorei no galho errado!
Parabéns pela fruteira
quando a dúvida não nos assalta,,, bem,somos deuses!!
adivinhamos tudO. e sempre!
bem,,,
arqimínio e heliodora...
muito muito vegetais!
muito fresquinhos :)
abraÇo.beijO
arquimínio!! assim.
[heliodora... além de fresquinho
também muito
... aromático! :)
voltaremos sempre aos mesmos lugares. Mulheresaoluar
Viva, Senhor Oliveira! Então o fim de semana foi bom?
O meu foi assim assim...
Tela
gostei da interrupção do texto para dar uma palavrinha mais intimista!
- Oh Minio, olha ali à esquerda - Joaquim olhou mas não viu nada.
- Ali, onde?
- Anda lá mais devagar - Heliodora puxou-o pela manga. - Sempre quero ver se são.
- Se são o quê?
- Dois homens que estão ali aos beijos - e apontou com a cabeça.
Arquiminio aguçou as dioptrias, mas ficou na mesma.
- Onde é que tu os 'tás a ver?
- Ali - e deu novamente à cabeça.
- Aquilo? Não vês que é uma homem e uma mulher? Está bem que ela tem o cabelo muito curto, mas vê-se bem que é uma mulher. E que bebida será aquela? Pela cor, deve ser morangada.
- Não é o anuncio! É ali, no banco de trás do carro.
Arquiminio apontou o olhar à viatura. De facto, a bagageira parecia ter vida própria, tais eram os balanços que dava para cima e para baixo. Duas silhuetas pareciam lutar atrás do vidro traseiro.
- Anda, vamos ver - disse ele à mulher.
Nisto, o homem de braços cruzados deu um passo na direcção deles. Com voz melodiosa, disse-lhes:
- Para espreitarem, são 5€ a cada um.
o ser e o parecer. a eterna dúvida que nos assalta e assaltará.
um abraço
Urbano: e na verdade, tanto nos assaltam na urbe nossa como na dos outros. As dúvidas que vão no saco às costas (eu iria a pensar na Noruega, com tanta árvore social-democrata, confortante será mesmo com frio de rachar...).
Dás-me vontade de entabular conversa, aí nessa esquina, e perguntar-te se sabes algum caminho para algum lugar...
E para finalizar o que pensei ao ler-te lá e aqui: porque é que vossa mercê não se contenta com um "papo de anjo" e vai logo por aí abaixo, desasado?
(dás-me mais energia positiva que uma agulha num chacra...!)
Bjinho
Não sei se te recordas de mim, contudo sou uma vizinha que sempre gostou de te ler. Tenho andado afastada do mundo dos blogs mas voltei com um novo e de preferencia mais duradouro! :)
Beijinhos.
Continuas com uma escrita invejável!! :)
e não é bom perdermo-nos, completamente?
Olá Alberto
E sempre a dúvida que determina a nossa acção.
Três planos e um stacatto:
(O do sobressalto) Se Heliodora tivesse dito a Arquimínio «Se necessário escolherei Deus em vez da verdade!» também não ficaria mal.
(Cool) Encarar a fera fingindo que nada acontece. O virtual jamais será outra coisa; nunca a realidade
»Estamos enrascados. Disfarça» poderia dizer Arquimínio
(Penso logo desisto) O sobressalto «cartesiano do assaltante em crise de identidade profunda por não ter podido encenar putativo assalto e achar que se deixou ultrapassar pelos acontecimentos.
Stacatto: o autor, brilhantemente, levantou-se -- Terá ido beber um copo de água -- para que a história se recompusesse e ele pudesse finaliza-la com -- esse sim -- um vibrante finale!
Belíssimo,Alberto
Ora viva amigo Legível. POis, dos nomes mais uma vez apetecíveis, até á piquena reflexão do ator de volta da sua obra/texto, este pedaço está também muito interessante. Bela peça de dúvidas e cidades e passeios que se querem descobrir, por vezes, sem sabermos muito bem como dar a volta ao assunto.
Abraço. Até breve. Azul.
Puro surrealismo...enfeitado com pinceladas de ironia, num quadro de perfeito domínio das palavras. Muito bom!
Detesto posts que não me deixam dúvidas: os intocáveis.
(foi um elogio de uma pessoa com mau feitio: eu)
... duvidar sempre
duvidar das evidências, do que se pensa e despensa
dispenso pensar o que os outros pensam, que trabalheira!!!!
basta pensar bastante no que penso, reflicto, conjecturo, organizo, multiplico, afasto, aproximo
os outros??
pensarão o que quiserem ou aproverem... !!!
Legível, volto aqui hoje só para te dizer que lamentei não teres estado presente no enterro da Flor, mas outras ocasiões se nos apresentarão :))
(Estranho, sorrir numa ocasião destas...)
Abraço
Um óptimo dia para ti também :))
apenas o tanger da guitarra para te acompanhar as letras soltas
ai pois parece que
a ignorância
é a única coisa que
não gera dúvidas! :))
~
A mestria do pensamento e da palavra. Aqui, uma vez mais.
Gostei do estilo.
Excelente narrativa. :)
Puro terror! Eu que pensava que não tinha medo de ladrões fico assustadíssma com a ideia de que me assaltem os pensamentos. E logo assim, ao virar da esquina de um texto que tão inteligentemente se armadilha a si próprio.
Beijinhos.
Viajar é tão-só abrir o coração e a mente ao Outro( país, cultura, pessoas....)
Bem haja.
querido________Legível
um verdadeiro_______escriba:)
assim "traduz" a palavra______a tua
______gEniAl______
beijO_____C_____carinhO
Heliodora? Arquimínio? Com nomes destes haverá pensamentos para assaltar?...Looooooooooool
É tão bom fazer uma viagem não guiada ao centro do cérebro das pessoas, rabuscar o que por lá vai.. UM ABRAÇO, ELL
viva legível!...e voltamos sempre ao sitio da partida!... procurar em outras cidades, o seu próprio tempo... é iniciar a escrita das cores. o que temos à mão?...outros horizontes. pouco importa o lugar. todas as cidades são desenhadas, riscadas e projectadas pelo grande lápis da imaginação: matriz do pensamento!
Saltar por cima das convenções linguísticas, como tu fazes, e bem, não é a mesma coisa que assaltar a nossa língua, como o infame "Acordo" se prepara para o fazer!
beijinho
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