A DIVA NO DIVÃ
Foi como que uma dádiva celestial: lentamente e com trejeitos de volúpia, a diva deitou-se no divã do amplo camarim, vestida tal como se apresentara ao público minutos antes no palco do Scala, catedral mundial do belo canto. Se então da sua garganta brotaram aplaudidos sons agudos, agora dos seus lábios cerrados nem um ré ou um mi se deixavam escutar. Os belos olhos da soprano, esses sim, fitavam bem abertos e interrogadores Urbino José, caçador de autógrafos de profissão e adepto confesso da música em geral nas horas de ócio. "Minha linda! Raras vezes me acontece uma situação destas e ainda não estou em mim! Lembrar-me eu que o mês passado em Londres, me vi grego para encontrar uma Winehouse lúcida e receptiva e agora tenho-te aqui, bela e -quase me apetece dizer, indefesa... " Francesca Lombardini além de usar divinalmente a voz, era uma mulher prática "Mas afinal em que ficamos? Dispo-me eu, ou rasgas-me tu o vestido?" Urbino não estava preparado para tanto: de ser uma mulher a tomar tal iniciativa. Enervou-se, transpirou, torceu os dedos, enviezou o olhar, mas uma imagem inspiradora salvou-o no último momento: a do sujeito que foi comprar tabaco e não regressou ao ponto de partida. (Desenganem-se os leitores que me imaginam a deitar mão de argumento literário tão próximo do cordel... ) Teatralizou a procura de algo que escrevesse, nos bolsos do casaco, que convenientemente não encontrou e descansou a operática cantora "Não precisamos de correr a foguetes, amor. Nunca ouviste dizer que devagar se vai ao longe? Vou ali abaixo num instante comprar uma esferográfica e já volto."
Milão, 2006. Texto e foto de Alberto Oliveira.
39 Comments:
isto não se faz ao leitor. fica uma pessoa na expectativa de que ele lhe vai rasgar o vestido e toda uma cena sensual e o homem sai para comprar esferográficas? :( assim não pode ser! ;) beijinhos
... ele sabe-la toda
adiar os prazeres ... espero eu!!??
. ganda maluca a tua soprano . pobre Urbino que lhe falta a esferográfica no momento decisivo. A amy faz mais o jeito dele
este Urbino, apreciador da música em geral, não está à altura das situações, quanto é que mede, baixote por certo. ehehe
deixei-te um desafio no blog!
o que se faz quando se perde a coragem...
Passei para ler as novidades e deixar cumprimentos.
Na volta nunca mais ninguém o vê...
deliciosamente cómico para se ler!!
ou
Como tirar a pica toda a uma mulher em dois tempos!
nada disso, de esferográfica em punho a história vai continuar ... apressados, apressados todos vós!
o vestido? no poema se rasgará
Perdoa-me o atrevimento, Alberto, eu titularia este texto fabuloso com
A DÁDIVA DA DIVA NO DIVÃ!
Um abração!
Estou na inversa e chegarei aqui dentro de algum tempo. Nessa altura irei ver a muda (a diva) e a nasalada (no divã). Pela conversa ao lado já vi que a cuja é uma cabra de respeito. Mas consigo aguentar-me e esperar pelo dia em que possa vir aqui.
Eu a julgar que ele ia comprar rins...deus meu, não para traficar, mas mesmo para fazer kidneys para o pequeno almoço! E fazer um livro enorme sobre ir ao quiosque? mas era urbino ou urbano? estou-me baralhando, como diria depois do acordo!
(é, a emoção da empática; e sendo eu tão melancólica, contigo apetece-me brincar, mesmo que nem tivesses dado por isso...)
Soberbo camarim. Nota alta para este papalvo que estas mulheres são...carnívoras!
Sobre a ponte...pois não fazemos nós pontes de sonhos no rio Kwai duma vida a outra?
Beijinhos, com as letras todas, muito senhora/segurademim também.
Urbino, homem de uma única vocação e mais nada!... Mais nada?!... Bem, talvez se veja aí o despontar de uma outra vocação: a de imitador de George Clooney...
Esferográfica? Olha, não percebi... (percebo é que é só viagem, e não vale dizer que já foi em 2006....)
Ia Urbino a galgar os degraus do Scala dois a dois, em direcção à rua quando, numa curva, se cruzou com Deodato Repollini. Não cabiam na escada e hesitaram os dois. Deram um passo à direita e depois à esquerda - quem os visse, diria que dançavam.
Sem trocarem palavra, lá se desencontraram. Quatro degraus mais abaixo, Urbino parou. Respirou fundo e voltou-se para trás. Disse:
- O senhor desculpe. Por acaso, tem uma esferográfica que me empreste?
Deodato, sem parar e sequer olhar para o interlocutor, soltou um gutural não.
- Melhor assim - disse para si Urbino. - Com a minha sorte, chegava à hora de por os pontos nos is e faltava-me a tinta.
Deodato Repollini bateu três vezes na porta do camarim. Francesca surpreendeu-se com a sua presença, mas depois, ao ver o que ele tinha na mão, sorriu. Esvoaçante, estatelou-se no divã.
Enquanto desabotoava a camisa com uma mão, Deodato fazia girar na outra um pedaço de cordel.
... e quando do seu regresso, caneta à mão, apercebe-se que a tinta ressecara...
um abraço fraterno, Amigo.
De sorriso rasgado no rosto, te pergunto: haverá ainda homens que se assutam com um gesto feminino de poder, ao ponto de ter de ir comprar um esferográfica nova??
Ganda texto!
aqui fica o meu beijinho legivelmente em ti :-)
Para Eduardo:
Não que um beijo me incomode, mas será que o teu centro de distribuição dos ditos cujos (produto que, pelo que me é dado observar na clientela virtual onde o deixas, deve estar a entrar em ruptura de stocks) estará a funcionar com a operacionalidade pretendida e a ser colocado nos expositores correctos?
abraço.
Aí está porque ouvi a Maria da Consolação, costureira de apessoamentos de camarim, fungando haja deus que já não há homens como os de transantigamentemente que tinham parquéres doiradas e de tinta permanente!
Que loucura!! um caçador de autógrafos sem caneta. só mesmo em papel de fantasia..
O Clooney George, sabe que tem um primo chamado Urbino?
E eis que entra Eduardo Manitas de Tesoura....
Posso oscular-te?!
:0)
grande legível... canetas Sempre;)e com "futuras"... uma bela escrita!
O Urbino é um espanto. :-) Tu também. :-)
Boa jogada do Urbino!
Assim ela fica com mais água na boca e a ele dá-lhe tempo de reunir forças e irromper de volta pela porta dentro, de esferográfica em punho e tomar a iniciativa sem que ela tenha tempo de pestanejar, certo? (risos)
Beijinhos e até breve.
;O)
bolas... e agora como sabemos como acaba a cena?
e a esferográfica é um elemento da escrita tão pouco digno para um autógrafo.... ainda se fosse uma bonita caneta de tinta permanente...
mas quiçá para escrever as confissões da diva no seu divã sirva
Esferográfica? Mas este homem é doido?...tem uma mulher na cama à disposição dele e ele sai para comprar uma esferográfica?...
Loooooooooooooooooool
bjs
Sim, como continua a estória ????
Estamos a aguardar !!!
Sinceramente, acha que o meu blog é pimba?
Muitos cumprimentos.
e foi... comprar a esferográfica...
pra sempre!??
não voltou....urbino?!!! :)
...ainda hoje a diva espera e toda a gente se pergunta que estranha mania é aquela...amiúde a vão encontrar estendida no divã entoando languidamente: Bic bic bic...bic, bic, bic...bic laranja , bic cristal, duas escritas à sua escolha...(espero que saibas a música...é que eu não me lembrei do resto da letra)
:)
gostei.
scaramouche.
Cinco estrelas para o conto. mesmo.
Perdoa a invasão, a curiosidade foi mais forte.
e
a diva não é uma estampa num lençol? :)
Este post está muito erótico. Os tempos vão mudar?
esferográfica
para escrever
descrever
depois
(d)o amor
..
Para maria liberdade:
Juro que foi mesmo em 2006.
Para justine:
O poder inesperado assusta qualquer género...
Para pin gente:
Por aqui as cenas não têm fim. Só os cenário e´que mudam...
Para lilipat2008:
Deste-me uma dica para o texto seguinte. Agradeço.
Para cavaleira:
Também eu ando à espera que faça bom tempo...
Para dona tela:
Sinceramente!
Para ~pi:
Sem rasto. Desaparecido há cento e dez horas...
Para m:
Há divas que são "estampas": nos lençóis, fora deles e nas colecções de cromos. Esta fotografei-a numa montra e estava na posição vertical. "Deitei-a" por razões óbvias...
Para lenor:
Estou a ponderar a questão mas só o farei de facto se o preço do combustível baixar 20% nos próximos cinco dias...
Sempre há cada momento para acabar a tinta na caneta... :)
beijos
Dizem que, com esta saída de Urbino José, a diva ficou temporariamente sem fala, melhor dizendo, sem voz. Só voltou a cantar vários meses depois de Urbino ter regressado. Nada sabemos do que se passou entretanto. Mas ainda hoje podemos ver, na sala de Urbino, mesmo por cima da lareira, a foto de Francesca,autografada. "tinha de a colocar ali. aquelas letras foram escritas a fogo!" murmura Urbino, enquanto acaricia o pelo sedoso do seu gato, que solta um miado baixo, como quem diz: bem te entendo!....
:-D
E acredito que um dia ainda lhe há-de faltar papel :)
Certa vez, tive um sério diálogo com Kurt Cobain ("Nirvana"). Ao contrário de sua musa, ele não está mais entre nós, mas pude sentir teus lábios se moverem a explicar-me o porquê de tirar-te a vida. Segredou-me sua angústia e seu desespero e por fim, piscou-me seus olhos azuis. ude, enfim, perceber como resumi uma distância de tempos e espaços.
No final, dei-te um beijo naquele papel preso a parede e fui dormir.
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