Sunday, March 26, 2006

SEM IMAGEM

Sem imagem porque não posso futurar aquilo que ainda não retratei. Seria fácil ceder à tentação de recriar uma personagem perdida linguísticamente no longínquo Cazaquistão, outra, lutando bravamente (pela sobrevivência) com um antipático jacaré no luxuriante Amazonas ou ainda outra, enfrentando com denodo, no Ártico, os inimigos das focas-bébés. Mas não vou por aí; que com a máxima franqueza, tão pouco sei ainda onde vou...
Depois volto para contar mais histórias... Por agora, é tempo de dar descanso à imaginação e à vossa paciência. Abraços & beijinhos do
Legível.

Thursday, March 23, 2006

FARDAMENTOS




















Duas ruas a seguir àquela onde resido, existe há imensos anos uma loja de fardas. Não de fardamento militar, que esse vestuário é confeccionado em fábricas de grande porte e não é -que eu saiba, vendido a retalho, mas de fardas diversas para uma série de ocupações do nosso dia-a-dia e que vão da bata para a criança em idade pré-escolar, passando pela de serviçal em casa de gente de grandes posses (com o advento da democracia, imaginei que já não existissem -as fardas das serviçais, não as gentes com grandes posses, mas estão lá, bem escarrapachadas em manequins no interior da loja), até à farda ?! de jardineiro, se bem entendo o motivo do manequim exibir uma tesoura de aparar arbustos. A casa pouco movimento tem, mas a verdade é que se mantém de pedra e cal no cenário comercial do bairro.
Vem isto a propósito do manequim de uma criança, vestida com uma bata horrorosa, que invariavelmente a gerência coloca no exterior, ao lado da porta, na tentativa de reclamar o produto que vende, uma vez que os lucros não devem abundar de modo a publicitar a casa, pelos actuais processos de marketing. É verdade que não me dou muito bem com fardas; mas entendo a necessidade de algumas. E que essas, as que distinguem um agente da ordem, de um bombeiro, não colidam com a boa-fé ou a destreza visual do cidadão é o mínimo que peço. Quis o destino, que na passada sexta-feira, uma senhora de avançada idade e de óculos de lentes grossíssimas, ao esbarrar com o referido manequim infantil, depois de algumas palavras que dirigiu à criança, me abordou aflita, pedindo-me encarecidamente para chamar a polícia que "... a menina estava perdida e nem falava!"
Foto de: Alberto Oliveira.

Monday, March 20, 2006

SEGURANÇA REFORÇADA



















Ontem, no habitual passeio matinal que cumpro religiosamente todos os dias, surpreendi-me quando ao passar pela casa do Esteves da farmácia, em vez do animal canídeo que lhe garante a vigilância da moradia, vi dois. Sabem do meu hábito -salutar e que reputo de educado, de cumprimentar vizinhos conhecidos e amigos. Os animais irracionais não são excepção a esta regra de etiqueta que imponho a mim próprio. Mesmo para aqueles que não lhes conheço a graça, tenho uma palavra de ânimo e um sorriso, minimizando-lhes o trabalho a que estão sujeitos, a maioria das vezes sem a paga correspondente. Ainda há dias, uma senhora ao sair de uma destas casas, me dizia «Estou espantada com o meu Benfica; ladra a toda a gente, menos ao senhor!» Se a senhora soubesse as conversas que ultimamente tenho tido com o seu cachorro...
Mas voltemos ao assunto. Ao final da tarde, casualmente, cruzei-me com o Esteves e após uma breve troca de comentários sobre medicamentos não comparticipados, falei-lhe no segundo cão que vi no seu quintal. «Nada de mais; sabe que os assaltos são cada vez mais frequentes e quando se trata da moradia de um dono de uma farmácia... Há por aí tarados dependentes que imaginam que armazeno fármacos em casa... Assim, telefonei para a Securidog que me enviou aquele cão branco que viu e que não é nada meigo... ». Se o mundo já é tão pequeno, imaginem o meu bairro. Depois de jantar, quando fui beber o café ao Alfredo, encontro a minha amiga Mimi auxiliar de farmácia que trabalha no Esteves. Não pude deixar de lhe falar no segundo cão. Baixou a voz e disse-me «Que isto não passe daqui, mas o Esteves tem as Finanças à perna e já se murmura que lhe vão fazer uma busca à casa...»
Foto de: Alberto Oliveira.

Friday, March 17, 2006

A FIXAÇÃO pelo RIO



















Numa das minhas deambulações rotineiras pela cidade que me viu nascer, foi a vez de dedicar uma maior atenção à estátua erigida bem no centro da Praça da Figueira e que homenageia João Primeiro, décimo rei de Portugal. Eleito Mestre de Aviz, ganhou a confiança e simpatia do povo quando decidiu, sem pedir licença a ninguém dar um salto ao Paço e atirar, literalmente, por uma das janelas fora, o Conde Andeiro, unha com carne de Leonor Teles que se preparava para entregar de bandeja, o país a Castela. Aclamado Defensor do Reino, num fósforo foi proclamado rei. Naqueles tempo, a rapidez de decisão era factor ... decisivo.
A vida foi-lhe correndo relativamente bem, até porque se rodeou de uma equipa técnica de valia, onde pontuava sem qualquer favor Nuno Álvares Pereira, uma espécie de José Mourinho da época (passe a comparação no tempo e na profissão?!... ), que os encontros que disputou com os nossos vizinhos castelhanos, se saldaram todos por vitórias. Neste meio tempo, casou, teve oito filhos, conquistou Ceuta e ainda lhe sobraram alguns meses para escrever o Livro da Montaria. O seu filho Duarte, seguiu as pisadas do progenitor; sucedeu ao pai no trono e escreveu um remake desse livro: A Ensinança de Bem Cavalgar Toda a Sela.
Com este regresso a um passado distante , quase esqueci o motivo deste texto; muitas das estátuas que vou fixando na objectiva e que se erguem na capital, têm o olhar daqueles que são lembrados, apontado para o rio Tejo. Pura casualidade ou a atracção do rio a funcionar nas decisões camarárias? Uma ressalva para a do Marquês de Pombal; esse, olha decidido e sem dúvida, para os lados de Alvalade...
Foto de: Alberto Oliveira.

Tuesday, March 14, 2006

RADICALÍSSIMO



















A imagem mostra a parede lateral (empena), do edifício mais recente da freguesia onde habito. Construção sólida, moderna e com quinze (15!) andares de altura, é o nosso orgulho em matéria de arquitectura. No dia em que ficou pronto a habitar, generoso (ou ostensivo?), o construtor permitiu que todos os fregueses maiores de oitenta anos e que nunca tivessem andado de avião, subissem ao último andar para apreciar as vistas. Pouco avisado das estatísticas sobre esperança de vida (e de natalidade), saiu-lhe a generosidade ostensiva pela culatra; durante três imensos dias, os nossos mais idosos vizinhos fizeram fila para subir aos céus. E ficaram em casa, os acamados e aqueles que opinam que uma casa deste tamanho, é um insulto ao divino!...
Mas esta introdução serve apenas para vos dizer, que é aqui -na empena deste imóvel, forrado com um material prateado que o defende de uma série de pragas (das fendas húmidas ops! por via das intempéries, até às baratas pretas e voadoras), e com o consentimento da administração do condomínio, que se vai realizar o Primeiro Grande Rappel da freguesia, com o alto patrocínio da Farmácia Medicoração, do Restaurante "A Panela ao Lume que o Arroz Está Crú" e da Associação de Solidariedade Social as Aves Também São Filhas de Deus . Antes do certame própriamente dito, e a convite, o Clube Recreativo & Filarmónico os Suicidas da Rua 49, executarão algumas marchas fúnebres. As inscrições para a participação no evento estão a ser um sucesso; no espaço de vinte dias já se inscreveram duas pessoas! O Miguel Pancadas que teve alta do Júlio de Matos o mês passado e o senhor Abrantes, cego e reformado dos Correios.
Eu inscrevi-me hoje pela manhã. Daqui a pouco vou comprar o equipamento; martelo, pernes, pitões, entaladores, o arnês, mosquetões e ... uma caixa de primeiros socorros. A minha mais-que-tudo, porque não conseguiu dissuadir-me a não participar, providenciou, numa das salas cá de casa, organizar um gabinete de crise; com os telefones de todos os meus familiares e amigos e do INEM. Se há alguma virtude nela, que tenha de salientar, é precisamente a do optimismo...
Foto de: Alberto Oliveira.

Saturday, March 11, 2006

breve história para um CARRINHO de linhas



















Jonathan Swift soletrou mentalmente e com alguma dificuldade, as vogais do adjectivo Brasileira, inscrito no topo da entrada do café. Embora o tempo se apresentasse de má catadura -as nuvens escuras deixavam adivinhar chuva a qualquer instante, as cadeiras prateadas da esplanada estavam praticamente lotadas de gentes de diversas cores e feitios mas com uma característica comum; todos empunhavam um maquinismo minúsculo que apontavam frequentemente uns aos outros com risos de satisfação genuina.
Quando um deles se levantou de uma dessas cadeiras, Jonathan não perdeu tempo, sentando-se de imediato. Também de imediato, um empregado lhe perguntou o que tomava. Pediu um café e como bom irlandês que era, cuidou de saber o preço da saborosa infusão. Surpreendeu-se com a disparidade, uma vez que tinha tomado a mesma bebida de manhã, por metade do custo. Deu conta então que a seu lado, mas instalado numa cadeira de material diferente, um homem com cara de fuinha, de indumentária escura e de chapéu, dirigia o olhar sonhador em direcção ao rio.
Com mil cuidados -Jonathan pouco sabia dos usos e costumes dos naturais do país, perguntou se ele lhe poderia indicar onde comprar um carrinho de linhas e agulha, porque dois botões do seu colete (adquirido num dos melhores armazéns de Dublin... ) estavam na iminência de cair. Fernando -assim era a graça do seu vizinho de esplanada, afavelmente informou que «Se caminhar até à igreja que vemos daqui, está em plena Rua do Alecrim; desce uns metros e à sua direita depara de imediato com um dos artigos que deseja. Das agulhas, só na Rua dos Retroseiros... »
O irlandês seguiu as indicações do português que na verdade tinham sido dadas correctamente. Só então compreendeu porque razão lhe diziam amiudadas vezes que "se encontrava numa cidade de um país pequenino".
Foto de: Alberto Oliveira.

Wednesday, March 08, 2006

DE FATO de FACTO
























Não te equivocaste de facto
por uma mera ilusão ocular
descansa não foste atraiçoada
pois era eu mesmo trajando fato
um ponto na multidão tentacular
anónimo espectador desse concerto
que de modo indelével me marcou
em fim de dia ainda tão hodierno
e o trajar de facto a pedir conserto
mas não deixo por tal de ser (e sou)
de fato ou casual(mente)... terno.



Imagem de: Alberto Oliveira.

Monday, March 06, 2006

MENTE SÃ...



















Admito que não nasci predestinado para ser um desportista de eleição. As poucas experiências que me abalancei a fazer, redundaram em significativos fracassos e embora não me tivessem deixado marcas psíquicas, deram-me indicações claras que não as deveria repetir; se o fizesse, então sim. Poderiam haver danos irreversíveis, mormente na área da auto-estima.
Os jogos com bola (com o futebol em lugar de destaque), são sempre aqueles que atraem muito cedo os rapazes. Não fugi à regra e o lugar em que sempre procurava jogar era o de guarda-redes; no futebol de onze, de cinco ou no andebol. Num torneio escolar de voleibol, perguntaram-me se eu queria participar; respondi que sim, se jogasse a guarda-redes... Imaginava-me elegante a estirar-me ou a defender bolas em altura mas quando se formavam as equipas, eu era sempre o último a ser escolhido... Tentei as provas de ciclismo infantis. Na primeira (e última) , corrida em que participei, numa descida perdi o domínio da bicicleta e entrei por um talho adentro quase me espatifando quando choquei contra uma enorme peça de carne de vaca do acém. Entusiasmado ao ver outros miudos a patinarem, calcei um par de patins e cinco segundos depois tinha a minha prima Arlete debaixo de mim aos gritos e com algumas de nódoas negras a adornarem-lhe o corpinho.
Com o decorrer dos anos, arrefecem os entusiasmos juvenis. Mais comedido, competi(?!) em algumas provas open de atletismo de fundo, porque os amigos me convenceram que eu tinha os sinais do atleta resistente; do sofredor. Nunca finalizei uma corrida; cerca dos primeiros três quilómetros, começava a correr para trás, aos zero, chegava à linha de partida e depois era sempre a andar para casa... Só havia uma solução... desportiva; os jogos de salão. O ténis de mesa foi logo preterido; tinha o mau hábito de jogar de boca bem aberta. Ora com bolas tão pequenas... Finalmente encontrei uma modalidade feita de encomenda e que se encaixava no meu perfil desportivo. Comprei uma mesa de bilhar com superfície de tartan verde, um taco não-convencional, muitos quilos de laranjas e algumas bolas de ténis. É uma actividade completa. Sem regras específicas porque me defronto a mim próprio. E quando me aborreço, como tangerinas.
Finalmente consegui escrever um texto que se lê de um fôlego; já não era sem tempo!!
Foto de: Alberto Oliveira.

Thursday, March 02, 2006

... A QUEM NÃO TEM DENTES.



















Um destes dias ia eu mais a minha mais-que-tudo (Mona para familiares e amigos chegados, Desdémona para formalismos diversos), discorrendo sobre uma pérola da televisão portuguesa, de seu nome "O Prédio do Vasco", quando inopinadamente ela me diz com a cara mais angelical deste mundo: «Tem piada Lé! mas vem mesmo a propósito; por falarmos em textos de grande nível, servidos por comediantes de primeira água, lembrei-me que estou desesperadíssima por comer nozes!» Fartíssimos de saber, estão os meus amigos que com a experiência do casamento, há muito que me deixaram de espantar as mudanças de velocidade que a Mona imprime a qualquer conversa. Mas desta feita assustei-me; estaria grávida? É que estas coisas de desejos súbitos por comestíveis, indiciam algo mais que mero apetite.
Uma altura péssima esta! congeminei de imediato, uma vez que este ano as promoções estão fechadas e aumentos só para inglês ver. E se fossem gémeos?! Raios, afinal para que servem tantas precauções? Fervilhava de pensamentos negativos e cenários catastróficos a minha cabeça. Parei, apertei-lhe a mão com força e perguntei-lhe: «Mona, diz-me a verdade; tu queres as nozes porquê?!» . Duas pequenas lágrimas rolaram-lhe pela face; baixou os olhos e sussurrou: «Porque se diz que deus dá nozes a quem não tem dentes. E eu quero aproveitar enquanto ainda os tenho todos... ». Aliviado, ao fim do dia levei para casa vinte quilos do fruto da nogueira...
Foto de: Alberto Oliveira.