Saturday, March 11, 2006

breve história para um CARRINHO de linhas



















Jonathan Swift soletrou mentalmente e com alguma dificuldade, as vogais do adjectivo Brasileira, inscrito no topo da entrada do café. Embora o tempo se apresentasse de má catadura -as nuvens escuras deixavam adivinhar chuva a qualquer instante, as cadeiras prateadas da esplanada estavam praticamente lotadas de gentes de diversas cores e feitios mas com uma característica comum; todos empunhavam um maquinismo minúsculo que apontavam frequentemente uns aos outros com risos de satisfação genuina.
Quando um deles se levantou de uma dessas cadeiras, Jonathan não perdeu tempo, sentando-se de imediato. Também de imediato, um empregado lhe perguntou o que tomava. Pediu um café e como bom irlandês que era, cuidou de saber o preço da saborosa infusão. Surpreendeu-se com a disparidade, uma vez que tinha tomado a mesma bebida de manhã, por metade do custo. Deu conta então que a seu lado, mas instalado numa cadeira de material diferente, um homem com cara de fuinha, de indumentária escura e de chapéu, dirigia o olhar sonhador em direcção ao rio.
Com mil cuidados -Jonathan pouco sabia dos usos e costumes dos naturais do país, perguntou se ele lhe poderia indicar onde comprar um carrinho de linhas e agulha, porque dois botões do seu colete (adquirido num dos melhores armazéns de Dublin... ) estavam na iminência de cair. Fernando -assim era a graça do seu vizinho de esplanada, afavelmente informou que «Se caminhar até à igreja que vemos daqui, está em plena Rua do Alecrim; desce uns metros e à sua direita depara de imediato com um dos artigos que deseja. Das agulhas, só na Rua dos Retroseiros... »
O irlandês seguiu as indicações do português que na verdade tinham sido dadas correctamente. Só então compreendeu porque razão lhe diziam amiudadas vezes que "se encontrava numa cidade de um país pequenino".
Foto de: Alberto Oliveira.

42 Comments:

Blogger Maite said...

Caro Legível
Um País pequenino, mas de alma grande, como era a alma dos dois grandes (Jonathan Swift e Fernando Pessoa). Um texto belíssimo. Dois Homens que regressam do passado e que misturados com a multidão se cruzam numa breve curva.

Bom fim de semana para si :)

11/3/06 12:10  
Blogger segurademim said...

olha, cá para mim o Pessoa já tinha vindo do Martinho aos SSS e já nem distinguia um carrinho de linhas de uma automotora!

e para complicar "a coisa" ainda havia a agulha... damn

bom fim-de-semana ;)

11/3/06 18:08  
Blogger Fátima Santos said...

Fora eu Pessoana! Fora eu e me poria a abater sobre este artigo que, sob a aparência de viagem no tempo,faz, sim, um desaforo ao Poeta Maior desde o modo como o descreve, até ao papel que lhe confere nesta trama literária que(fora eu Pessoana!)muito se achega à linguagem de cartoon tão em voga! Só faltava colocar o Poeta como Liliputeano...tenha um bom fim de semana, amigo( de viagem a Laputa)

11/3/06 18:33  
Blogger Joana said...

Gostei muito do teu conto!
Acho que me vou meter no carro e vou até Coimbra até ao Portugal dos Pequeninos!
:)

11/3/06 20:28  
Blogger 919 said...

Este conto está super bem engendrado e divertido. Fizeste a foto para o conto, ou o conto para a foto? Excelente!

12/3/06 00:20  
Blogger mfc said...

É certo que as cidades se cosem e alinhavam com linhas desse tamanho. Como diz um amigo meu, tudo depende da escala de grandeza.

Agora um português a dar boas indicações? Ainda há dias, sem querer, dei por mim a dizer: "Está a ver os correios? Não é aí; vai pelo outro lado..."


[Em relação ao meu post, está sem comentários de propósito. Há coisas que não são para ser comentadas, só lidas. Espero que compreendas.]

12/3/06 11:25  
Blogger batista filho said...

Da leitura que fazes do cotidiano, continuas a nos lembrar da nossa humanidade refletida nos outros.
Um abraço fraterno.

12/3/06 12:22  
Blogger isabel mendes ferreira said...

beijo .....Grande....e.....


obrigado.

as linhas fantasistas de um Papel especial.

12/3/06 16:00  
Blogger JL said...

Fantástico texto e soberba imaginação. Mas teve sorte o inglês que o nosso Pessoa o não tivesse mandado agarrar-se ao leme e procurar os rugidos do mostrengo, porque do mar salgado sabemos que tanto do seu sal são lágrimas nossas.
Pois que não ficaria mal, não senhor, que os ingleses se fizessem também à vida. Porque manda (ou mandava???) el Rei D. João Segundo
Um abraço e boa semana

12/3/06 20:44  
Blogger Azul said...

Fabuloso! Texto e imagem, sem ponta por onde se possa pegar, a não ser, para comentar como: fabuloso. Adorei este seu post. Parabéns. Até breve querido amigo. Azul.

12/3/06 21:15  
Blogger Mónica said...

desafio em http://semcantigas2.blogspot.com/2006/03/o-blog-grande-e-gordo.html
para ti o óscar de melhor actor

12/3/06 22:26  
Blogger Sofia said...

Muito bom: texto simples e belo!
Gosto de te ler.

Beijocas

13/3/06 09:48  
Blogger Rui said...

País pequeno, cidade grande. Onde os carrinhos são grandes e as linhas com que nos cozemos, grossas.
País pequeno, poeta enorme. Salário minimo, café máximo.
Cidade grande, onde há botões e linhas para irlandês ver.

Fez bem ele em cá vir. Fizeste tu melhor em tê-lo cá trazido.

13/3/06 12:20  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para maite:

Deu-me muito prazer trazer estes dois homens (das letras) de passados diversos a um presente cheio de interrogações. Hoje, por puro acaso, passei pelo Chiado; não caí na asneira de pedir qualquer informação a Pessoa, que continuava sentado e imperturbável a olhar na direcção do rio. Disseram-me, que às segundas-feiras não se lhe deve perguntar nada...

Boa semana para si.

13/3/06 20:46  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para alice:

A ideia original ao convidá-lo a deslocar-se até aqui, foi mais com a intenção de ele conhecer mais um país lilliputano

Beijos e semana sempre a correr pelo melhor.

13/3/06 20:50  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para luz:

Talvez por a linha ser de boa qualidade... que de costura não percebo patavina...

Boa semana!

13/3/06 20:52  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para segurademim:

Pela conversa que manteve com Swift pareceu-me bastante lúcido.

Ali, naquela zona, os eléctricos não precisam de fazer a agulha; andam sempre em linhas diferentes...

13/3/06 20:56  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para seila:

Fico-te agradecido de duas maneiras; por não seres pessoana(?!) o que não me admira porque conheço muito boa gente que são venusianos ou até mesmo marcianos e por me definires um estilo -o de textos cartoonistas. Deste último, não fazia a mínima, mas agora percebo porque motivo, um destes dias numa visita à AR o Freitas não me cumprimentou...

Não será Liliput?

13/3/06 21:10  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para joana:

Caraças! esqueci-me desse! que seria perfeito para o Jonhathan perceber que aqui também se sabe construir em pequeno...

... mas Lisboa é sempre Lisboa.

13/3/06 21:15  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para lélé:

É interessante a pergunta que me fazes... no que respeita a esta foto. Habitualmente, faço as imagens e só depois lhe colo os textos, embora em alguns casos (poucos) já esteja a engendrar mentalmente uma história para a fotografia.
Aqui, foi tiro & queda; antes do "clique", já estava a associar o "carrinho" a Pessoa e às viagens de Gulliver.

13/3/06 21:28  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para manuel:

Procurei transmitir uma certa dignidade a uma conversa ocasional entre dois homens da escrita. Para que não se diga, lá por fora?! que não sabemos receber, percebes?
Aqui há uns tempos, devido ao meu cabelo aloirado e à altura, tomaram-me por um nórdico* chegado a Lisboa e receberam-me uma corrida de táxi que devia ser de dez euros, por vinte...

* Nórdico e saloio, está bem de ver...

Abraços.

13/3/06 21:34  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para vodka e valium 10:

Pela minha experiência, penso que somos mais para o trapalhão que para o "enganoso".

Assisti a uma cena exemplar a semana passada. Um casal de ingleses perguntou a um sujeito que carro tinha de apanhar para Belém. O português, que ouviu "Belém" respondeu-lhe assim «Não tem nada que enganar; vai ali à Praça do Comércio e apanha um eléctrico ou um autocarro.»... em bom português...

Eu já me apressava a tentar apagar a má impressão, quando o "inglês" responde ao português «Gracias mi amigo! hasta siempre!»

Compreendo perfeitamente.

13/3/06 21:45  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para anirada:

Pois; muitas assimetrias, olaré!
Sim que por vezes é um sacrifício enfiar um botão numa casa! Também são tão pequenas e tão caras...

13/3/06 21:48  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para batista filho:

É assim a modos que pretendermos desfazer a barba, olhando para a cara do cara não é?!

Abraço amigo.

13/3/06 21:50  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para mendes ferreira:

um papel especial quando não se rasga... Mas é reciclavel!

Beijo.

13/3/06 21:54  
Blogger Fátima Santos said...

Laputa, sim, amigo! sem engano!

13/3/06 22:22  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para alice:

"intrigo-te"?!"genial"?! Ná. Não sou mesmo nada de mistérios; apenas gosto de sorrir e por vezes -quando me chateiam, tenho mau génio. Isso sim.

Beijos.

13/3/06 22:35  
Blogger JPD said...

Que importa a dimensão se há grandeza na obra do FP e muito talento nos teus textos!
(Acho excelente a ideia)
Um abração

13/3/06 22:36  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para jl:

Pessoa não quis magoar o irlandês porque oficial do mesmo ofício e, quem sabe?, estava num dia positivo...

Abraço e uma boa semana!

13/3/06 22:39  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para azul:

Sabe que gosto imenso de a ver aqui pelos meus "domínios" (que são seus também... )

Desejo-lhe uma óptima semana. Beijo amigo e até já.

13/3/06 22:43  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para semcantigas:

«Dedico este prémio a todos aqueles que com inabalavel fé na minha vocação, me convenceram que devia ir para uma escola nocturna aprender a escrever porque o caminho do estrelato estava escrito na minha vida. Dedico ainda este prémio ao meu amigo Vitaro, que me ensinou uma data de palavrões com que ilustro os meus textos e à minha mais-que-tudo que me ofereceu a minha primeira esferográfica. Obrigado a todos!»

13/3/06 22:52  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para pilantra:

Agulha & linha também se usam para momentos de frisson... cosendo as bocas para não sair aqueles óh´s! de espanto tão espantosamente mal-representados e com a mãozinha à frente da boca, tapando a visão horrenda da falta de dentição...

O que me lembraste! Galinha de fricassé... acompanhada de um tintól de uma qualquer casta alentejana (que a que vier morre... ) isso sim, é que são milagres; agora o de Ourique... bah!

13/3/06 23:03  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para sofia:

Obrigado.Tem uma óptima semana Sofia!

Beijos.

13/3/06 23:05  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para rui:

Mas olha que não foi fácil; sabes como são os tipos. Tive de lhe prometer que as passagens tinham um desconto valente e que lhe pagava pelo menos um pequeno-almoço. Funcionou, claro! E gostou de ter vindo; confidenciou-me que volta para o ano se as refeições forem de borla...

13/3/06 23:10  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para @:

... exactamente como acabei de referir ao Rui, no caso vertente...

13/3/06 23:11  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para flor:

Obrigado Flor!
Também um beijo meu para ti.

13/3/06 23:12  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para seila:

Pois claro que sim! Já não me lembrava do filme. Lá fui ao Google...

13/3/06 23:14  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para jpd:

Caro José:
Foi mais um daqueles exercícios (sem rede!) que me dão muito prazer editar... ainda na fase da fotografia...

Abração.

13/3/06 23:20  
Blogger JL said...

O Irlandês que não desconfie, sequer, que lhe troquei a nacionalidade... E logo para Inglês... Inimigos figadais... bolas!

14/3/06 00:15  
Blogger Sombra said...

Gostei muito deste texto, e nunca tinha reparado que o Pessoa (ou cara de fuínha, como carinhosamente o apelidas... :p) olhava para o rio...
Beijinhos :)

15/3/06 19:26  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para jl:

Com o problema nos botões a atormentá-lo, acho que nem reparou...

15/3/06 23:09  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para luz:

Sabes que enquanto escrevia o texto, essa dúvida me assaltou, embora quase tenha a certeza que está mesmo virado na direcção do rio*. Quando lá passar novamente, confiro...

* Se por ventura estiver voltado para a Rua Garrett, não tem mal; continua a olhar o rio, pois Lisboa faz uma curva para dentro para os lados da Expo...

Beijinho.

15/3/06 23:15  

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