
Foi no Chiado. À tardinha -como convém a qualquer fábula que se preze, desenrolada em espaço lisboeta. Era impossível não ouvir (tão elevados eram os decibéis), o diálogo travado entre um jovem casal de gansos que se fazia acompanhar da respectiva prole. Ela admoestava-o irritada num grasnar caudaloso «... parece impossível faltares ao jantar de aniversário da minha mãe por causa de um insignificante jogo de futebol; nem parece teu! Se fosses dirigente desportivo ou se tivesses interesses nessa área, ainda perceberia; mas um sujeito como tu, com formação académica, ligado às artes e reconhecendo que estes espectáculos servem às mil maravilhas para a manipulação de massas, concorrendo para que se esqueçam dos reais problemas que o país atravessa... isso é que não posso levar à paciência! » e o seu pescoço dançava de um lado para o outro nervosíssimo. Ele, aparentemente mais contido e deitando um olho às crias entretidas a perseguir os pombos, ripostava « Minha querida; a tua mãe no próximo ano também aniversaria. Aí, estarei presente, prometo. Este não, que o mundial de futebol só se realiza de quatro em quatro anos e Portugal se vencer a Holanda, está na senda de uma prestação brilhante a todos os títulos. Não vou perder o jogo porque gosto do espectáculo e se os actores principais forem portugueses, melhor ainda. Sei da manipulação, claro. Só finjo não perceber que ela só ocorra agora e aqui... o que é rematada idiotice, porque o desporto (futebol incluido), sempre serviu os interesses de todos os paises e de todos os regimes políticos. Agora toma conta dos putos que vou fazer uma coisa que já devia ter feito há muito; vou comprar uma bandeira.»
Esopo e La Fontaine, sentados na esplanada de "A Brasileira", ouviram tal como eu, a conversa e no fim, exclamaram em uníssono « Os gansos portugueses estão cada vez mais divididos!»
Lisboa, 2006. Texto e foto de: Alberto Oliveira.