Friday, October 31, 2008

O HOMEM QUE VIA DEMAIS

"Vêm aí os ciclistas!" ouviram-se diversas vozes gritar. O homem do boné à minha direita assestou a máquina fotográfica na direcção de onde se esperava que surgissem os atletas. O ruido ensurdecedor e a passagem mais rápida que o pensamento de uma mancha cor-de-limão foi tudo o que os ouvidos e olhos dos espectadores - ávidos de assistir às proezas incomuns de desportistas predestinados para a competição em bicicletas, conseguiram distinguir. "Bela prova!" sentenciou depois, um dos fulanos à esquerda. "É preciso ter lata! estivemos aqui quase duas horas à espera de os ver passar e tudo se resumiu ao som de uma trovoada e de uma coisa que nem tive tempo de lhe ver a forma." disse a mulher que o acompanhava. Ele não se deu por achado "Ah Alzira! então não percebeste que era o camisola amarela numa velocidade doida e que os outros todos já tinham desistido?! Vamos lá então ao Rossio ver as montras... "

2008. Texto e vídeo de Alberto Oliveira.

Sunday, October 26, 2008

O DESFAZEDOR DE HISTÓRIAS







Encontravam-se reunidas as condições para uma razoável(?!) história. Do cenário -passando pelos figurantes, até aos protagonistas: o passeio fluvial pelo Douro cumpria-se conforme o previsto, a paisagem soberba não tinha faltado à chamada tal como a menina da agência tinha prometido, com a animação que as gentes do norte põem nestas jornadas (é verdade, não me lembro de ter reconhecido a bordo fisionomias ou falas vindas da estranja) e de um jovem casal que -ia jurar (e se assim não fosse, mudar-lhe as intenções pondo-lhe nas bocas e nos gestos palavras minhas não seria coisa do outro mundo) estava ali a iniciar uma outra história, essa pontuada de amores prometidos ou paixões incontroláveis. Quando me preparava para captar a imagem base para esse relato, o João -adepto confesso do azul-fcp, mas de t-shirt vermelha, decidiu interromper-me o verde-esperançoso processo criativo apontando-me a sua câmara digital. Do jovem casal, ficou o gesto dela a segurar a saia que um súbito golpe de vento malicioso pretendeu levantar. Dele, o joelho como que a definir a posse... territorial. Da nesga de rio... Bom, isso são outras histórias.
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Para que não se diga que me limito a escrevinhar fantasias, eis um pequeno apontamento de um dia que passei no Norte. O puto portou-se lindamente quando lhe pedi para se enquadrar no texto, só me custou o preço de um gelado e nem cheguei a saber de facto se o seu nome é João... ou Francisco.

2008. Texto e foto de Alberto Oliveira.

Tuesday, October 21, 2008

SEM TÍTULO E DESCALÇO











"Vê lá se estás sossegada e aproveitas o tempo para descansar enquanto a nossa dona não nos põe os pés em cima!" repreendeu com presilha de poucos amigos, a sua irmã-gémea-direita. "Ora, sabes tão bem quanto eu, o prazer que tenho em me mover de minha livre vontade e leve como uma pena. Nem parece que caminhas à esquerda! sempre pronta que ela te calce e determine o chão para onde te leva, que não se ensaia nada para nos usar agora no quarto, ou amanhã de manhã no quintal, pejado de merda das galinhas e do Meia de Leite, o cão que foi buscar a um texto do Legível que aquela cabecinha não tem ideias próprias... E além do pouco cuidado que tem com a linha, parece que é cega a mulher! como foi o caso de ontem quando deu um pontapé no canteiro das rosas que até me fez ver estrelas de tal modo a borracha me ficou à banda. Desmiolada como é, e sem tento na carteira, estou cá a futurar que mais dia menos dia, olha para mim e farta, me atira para o lixo. Mas nessa altura, tu também vais, mana! e depois quero ver-te numa manif de calçado reformado e velho, a gritar palavras de ordem. Quando já ninguém te quiser para o pé... "

2008. Texto e foto de Alberto Oliveira.

Thursday, October 16, 2008

PRÓXIMA ESTAÇÃO

A mulher venceu os últimos degraus não sem alguma dificuldade, desaparecendo logo a seguir pela direita alta da realidade passada - representada neste curto vídeo, a caminho de um destino que só ela conhece. Aparentemente -porque deixámos de a observar nas imagens captadas, parece ter mais possibilidades de a ele chegar, que o homem, prisioneiro no vídeo quando este atingiu o fim. Pura ilusão: por mais vezes que voltemos ao início, não conseguiremos modificar o tempo que já foi tempo nem desvendar os rumos que estes dois personagens tinham em mente quando os filmei. Neste registo de imagens não há presente nem futuro para ambos. Apenas momentos mortos de dois anónimos corpos que fazem o possível (e o impossível) para viver outros dias de futuros incertos em tempo real. No meu caso, guardei a máquina e segui a voz que se ouvia no alti-falante "O próximo combóio destina-se a Alizarim e tem correspondência com as linhas Azul Celeste e Verde Lima."

2008. Texto e vídeo de Alberto Oliveira.

Thursday, October 09, 2008

VOCAÇÕES

"Estou desgraçada! que vem aí o Leandro com aquela carinha de sonso de quem não quebra um prato a assobiar para o lado fingindo que ainda não me viu, o cobardolas. Vocês pensam que estou a encenar algum drama fictício? Pois desenganem-se, que se ficarem aqui mais uns metros hão-de apreciar a arte do parvalhão tentando apanhar-me a jeito e alçando o pé para me desferir um biqueiro com efeito trivela que o gosto para o chuto ficou-lhe de criança. Eu sei a história pela Carminda -a empregada dele aqui da loja de congelados (em frente de onde me encontro a ver se tenho um momento de sorte), que a contou um destes dias a uma cliente. O pai do Leandro levava-o aos Aliados, espalhava pelo chão um punhado de milho, o chavalo corria e eram pontapés que até ferviam, procurando acertar nos pobres dos pombos que tinham vindo ao engodo. A coisa foi de tal modo, que um dia ainda chegou a levá-lo às Antas indagando se tinham uma secção desportiva que se adaptasse aos dotes da criança. Desenganaram-no. As modalidade mais aproximadas eram a emboscada ao leão e o tiro às águias. Bom, vou andando até à Ribeira que por aqui não me safo e o pé do malvado quer afagar-me a penugem... "

2008. Texto e foto de Alberto Oliveira.

Friday, October 03, 2008

TITA, ANICA e a ausência de Leonardo









São amigas inseparáveis desde o infantário . Um destes dias de Verão que há tão pouco tempo nos deixou, numa das suas idas à praia, foram nadando nadando e quando já se encontravam bem afastadas do areal, depararam com um enorme pedaço de madeira flutuando à superfície da água. De imediato se lembraram de fazer do fragmento lenhoso um improvisado trampolim de saltos aquáticos. Por uma qualquer indisposição de origem desconhecida, Tita sentiu-se mal na água e gritou por ajuda a Anica. Esta nem pensou duas vezes e zchiiiiiiuuuu plóf!, lá foi ela pelos ares (tal qual um heli de socorro a náufragos) e amarando enquanto o Diabo esfrega um olho e Deus já tinha tomado o pequeno-almoço, resgatou das águas a amiga. Refeita do susto, Tita cantou (?!) -em forma de agradecimento, "My Heart Will Go On" e lamentou que Leonardo não estivesse ali... para a estória ser completa.

2008. Texto e fotos de Alberto Oliveira.