Thursday, November 30, 2006
Foi em Maio deste ano que contei aqui a história de dois jovens que descobriram o amor numa estação de combóios de uma pequena cidade do interior. Porque, se por um lado, as carruagens da vida já ultrapassaram duas estações -estando prestes a chegar a uma outra, viagem mais que suficiente para que, de qualquer história de amor se possa averiguar da sua evolução, e por outro, de me sentir de certo modo responsável pela existência e qualidade de vida das personagens que neste espaço vou criando, delas procurei saber notícias de um percurso existencial sem a tutela protectora?! dos desvarios ficcionais do autor dos seus dias.
Rui -assim se chamava o jovem, filho de um chefe de estação de combóios, viajou de facto para a capital, estudou as teorias da representação e licenciou-se no teatro da vida. Dramaturgo de sucesso, tem peças representadas nas salas mais reclamadas do país e a comédia "O Chefe da Estação Finou-se", está em cena há dois anos no Cine-Teatro de Cernache de Cima. Alice -era a graça da empregada do anónimo salão de cabeleireiro da terra, por via das cartas que escrevia para familiares distantes, começou a perceber que a vocação para as letras era uma certeza onde não cabiam dúvidas. É hoje uma escritora premiada na área da literatura infanto-juvenil. Os títulos mais recentes de uma vasta obra são os incontornáveis "Alice no País das Ervilhas" e "O Gato das Portas". Ambos viajaram no mesmo combóio e não juraram amor eterno. Só para contrariarem o autor destes textos...
Ver o post (aqui mesmo ao lado direito, três espaços acima, em Archives) "A Estação sem Correspondência para o Amor" de 8 de Maio, 2006.
Verge de Lluc, Palma de Maiorca, 2006. Texto e foto de: Alberto Oliveira.
Wednesday, November 22, 2006
UMA FONTE de VIRTUDES
Se havia defeito que não possuia era o da mania das grandezas. Sendo certo que isso o tinha prejudicado ao longo da vida -particularmente na carreira profissional, preferia saber-se de consciência tranquila, levando uma existência pacata, solidário com o próximo (até onde as possibilidades lhe permitiam) e nunca dele se aproveitando para subir degraus ou atingir patamares que não fosse apenas pela sua competência e honestidade de processos. Dele se dizia à boca cheia que "o Quitério é um poço de virtudes!". Quando -sem que nada o fizesse prever, perguntou a Isaltina "... se queria juntar com ele os trapinhos", ela, prevenida, respondeu-lhe "... que não pensava em se suicidar tão brevemente".
O desgosto não o matou, mas minou-lhe a alma. Deixou o emprego porque não suportava as conversas dos colegas sobre as alegrias (e tristezas... ) do viver a dois, fazendo do celibato uma profissão de fé. Ao contrário do que seria de supor a opção monástica não o seduziu. Enveredou pelo associativismo, sendo o principal obreiro e fundador da Associação de Assobiadores do Vale de Pera Verde. O sucesso da associação foi vertiginoso: actuações nos principais palcos do concelho e entrada de dinheiro, muito dinheiro, nos cofres da tesouraria. Tanto, que a Judiciária desconfiou da fartura. Quando saiu do tribunal na qualidade de arguido, com residência fixa e uma caução de quarenta euros, um jornalista perguntou a Quitério «Confirma que este caso é a sequência do Apito Dourado?» ele respondeu igual a si próprio «Não. É o início do Assobio Prateado.»
Burgos, 2006. Texto e foto de: Alberto Oliveira.
Sunday, November 19, 2006
CHEIAS em VALE DE COBERTAS
«... é que a gente com a prática vai-se habituando e depois já nem quer outra coisa. Pois se todos os anos há cheias pelas primeiras chuvas, já viu o que era haver um ano -ou mais!, com as terras sequinhas e não ficarmos isolados das povoações vizinhas? Alguma vez havia hipótese da nossa terra aparecer na televisão e nos jornais?! Ná! Assim é que está bem; pelo menos uma vez por ano somos notícia e até temos uma lista organizada de quem dá entrevistas às pessoas da comunicação social, que é para tocar a vez a todos. E tudo na maior das composturas que a vida não pára e o senhor bem pode apreciar com os seus olhos o que lhe digo. Observe a calma e a dignidade com que os produtos alimentares são transportados para o mini-mercado do senhor Freitas. E diga-me cá, se há alguém a atropelar-se na fila para os táxis?»
Parte das afirmações proferidas por José Fontinha, amolador, entrevistado pelo jornal regional "A Rosa dos Ventos" aquando das ultimas cheias em Vale de Cobertas.
Veneza, 2006. Texto e foto de: Alberto Oliveira.
Wednesday, November 15, 2006
... PELA MEDIDA GRANDE.
Ele há gostos para tudo, como é sabido. Mais: eles (os gostos) não nos devem ser impostos, muito menos naquilo que à mesa se refere. Reparem que não escrevo alimentação mas sim mesa. São coisas diferentes e cada uma delas com preparação pedagógica diversa. Da alimentação saudável, trataram os meus mais próximos e, com nota máxima. O inenarrável luso bife de vaca ( deixando-se montar pelo refulgente ovo estrelado) e acompanhado das loiras batatinhas fritas e os linguados grelhados, fizeram as minhas delícias gastronómicas de infância. Do prazer da mesa, fui aprendendo ao longo dos anos que me conheço, também com idêntico prazer; do gosto das vitualhas e do sabor da conversa que acompanhe qualquer repasto que se preze.
Há mesas que são uma monotonia pegada: come-se rotineiramente e depois boceja-se, porque o menú se repete até à exaustão, género "cozido à portuguesa às quartas-feiras" e porque o tema do diálogo se esgota na crítica feroz a quem tem o azar(?!) de não estar presente ou na relação "Merche Romero-Cristiano Ronaldo". Noutras mesas, descobre-se na lista "pescadinhas fritas de rabo-na-boca (que já não se deixavam comer há tanto tempo!) com arroz de cenoura" e os comensais chegam à conclusão (após demorada e fundamentada discussão) que afinal os anjos sempre tiveram sexo... entre eles. Porque há gostos para tudo, preparo-me sempre antes de ir para a mesa: psicológica e intelectualmente. Não vá constar na ementa, "aqui come-se... pela medida grande".
Milão, 2006. Texto e foto de: Alberto Oliveira.
Saturday, November 11, 2006
PERSEGUIÇÃO IMPIEDOSA
É verdade que não sou um vulgar cidadão anónimo e por vezes tal facto já me tem trazido alguns amargos de boca. Também não é menos verdade que não contribuo absolutamente nada para que o meu nome ande nas bocas do mundo, pois recuso sistemáticas tentativas pelos media de devassa da minha vida privada, nem me ponho em bicos dos pés quando entro numa sala de espectáculos e olho demoradamente em meu redor como que a dizer «Eu sou fulano de tal.».
No início deste ano, fui convidado para integrar uma comitiva ministerial a Nizhyaya Pesha (numa daquelas monótonas viagens de intercâmbio comercial inter-paises, qual bicha de enorme rabo porque composta também, por gente das mais diversas ocupações?! liberais), o que veio mesmo a calhar, porque ficava a conhecer o lugarejo e porque tinha a oportunidade de colocar neste prometedor mercado, algumas das minhas peças que mais a sul estão mais que vistas.
Depois das entediantes refeições e dos fastidiosos entretenimentos protocolares, meti pés a caminho e fui descobrir o sítio por minha conta e risco. Desde o início da caminhada que tive o pressentimento que era seguido por alguém. Do pressentimento à constatação de facto, foi um pulo. Não havia monumento ou loja em que me detivesse, que ele não estivesse presente... a uma prudente distância. Mas a paciência tem limites e na altura que julguei certa, interpelei-o «Você é o G. Barovsky! o da espionagem comercial. Não negue, que a placa tem a seta a apontar para si!». O homem não esperava pela minha reacção mas não deixou de responder «Não meu amigo; eu sou o Gaspar M. do semanário "A Nuvem", viajo com a comitiva na classe turística e andava a ver se tinha assunto para reportagem... »
Innsbruck, 2006. Texto e foto de: Alberto Oliveira.
Tuesday, November 07, 2006
TANTAS VEZES o CÂNTARO VAI À FONTE...
«Eu ainda não percebi muito bem o que tu queres da vida Narciso! Passas aqui o teu santo tempo olhando absorto o correr das águas, nesses preparos nada edificantes para um homem da tua condição - como se não tivesses um fatinho em condições e sempre de mão no vasilhame» Ele rodou lentamente a cabeça, fitando-a pacíficamente. Era o que se poderia classificar de um homem em permanente luta consigo mesmo e que procurava compreender o género humano na generalidade e o da sua esposa em particular. No fundo -e na sua perspectiva, os alicerces frágeis dum casamento que já conhecera melhores dias, assentavam apenas no respeito?! que ele lhe tinha e na aura de mistério que dela emanava desde que a conhecera numa bela noite de Verão no Jamaica (de ritmos quentes a condizer com a época estival) e na permanente conflitualidade cultural que ela vivia consigo própria e alimentava no fogo brando da teimosia. «Minha adorada e ingénua ninfa! Tu estás careca de saber que do meu pai herdarei os rios do universo . Forçoso assim se torna que esteja em permanente contacto com o cristalino líquido até tomar conta do negócio. Nesse dia a água será o meu espelho; e nele (se fosses capaz de me acompanhar até lá... ) haverias de ver também, a bela figura que fazes assim vestida»...
Viena, 2006. Texto e foto de: Alberto Oliveira.
Thursday, November 02, 2006
DEIXAR CORRER o MARFIM
O Verão foi-se e o Outono instalou-se definitivamente. Mas ele continuou a teimar que ali é que se sentia como peixe na água?!. Recebia a visita de muitos curiosos (testemunhadas pelas pegadas deixadas na areia e visíveis na imagem) surpreendidos por sujeito tão obstinado e que abdicava do conforto morno do lar ou da sala climatizada de um cinema. Nem a chegada da chuva o convenceu a abandonar o areal. Chovia, metia-se na água; parava de chover estendia-se na toalha aguardando que algum fugaz raio de sol o viesse aquecer. Se o tempo arrefecia, marchava doidamente até transpirar. Conheci-o num dos meus passeios matinais deste início de Novembro, alertado pela voz de uma criança que gritava para a mulher que a segurava pela mão «Avó! está ali em baixo um homem em cuecas!»
Não era -como imaginei a princípio, um daquelas tarados do Guiness. Apesar de reservado, contou-me o essencial da sua história. Funcionário público, aborrecia-se de morte com a rotina profissional, de tal sorte, que o seu sonho sempre foi o de ter umas férias grandes ( pronunciava GRANDES assim mesmo... ), daquelas que só acabassem quando... enjoasse. Porque o vencimento não era elástico, habituou-se a passar o mezinho de descanso na Caparica. Este ano decidiu alargar as férias não se apresentando ao serviço em Setembro. Surpreendido, perguntei-lhe se não tinha receio de perder o emprego -se é que já não o tinha perdido... Sorriu mansamente e respondeu-me «Neste país, tenho visto toda a gente a fazer o que lhe dá na cabeça. Porque não hei-de experimentar também?! Está a arrefecer um pouco. Vou correr um pedaço e... deixar correr o marfim; até aquecer... »
San Sebastian, 2006. Texto e foto de: Alberto Oliveira.