TANTAS VEZES o CÂNTARO VAI À FONTE...
«Eu ainda não percebi muito bem o que tu queres da vida Narciso! Passas aqui o teu santo tempo olhando absorto o correr das águas, nesses preparos nada edificantes para um homem da tua condição - como se não tivesses um fatinho em condições e sempre de mão no vasilhame» Ele rodou lentamente a cabeça, fitando-a pacíficamente. Era o que se poderia classificar de um homem em permanente luta consigo mesmo e que procurava compreender o género humano na generalidade e o da sua esposa em particular. No fundo -e na sua perspectiva, os alicerces frágeis dum casamento que já conhecera melhores dias, assentavam apenas no respeito?! que ele lhe tinha e na aura de mistério que dela emanava desde que a conhecera numa bela noite de Verão no Jamaica (de ritmos quentes a condizer com a época estival) e na permanente conflitualidade cultural que ela vivia consigo própria e alimentava no fogo brando da teimosia. «Minha adorada e ingénua ninfa! Tu estás careca de saber que do meu pai herdarei os rios do universo . Forçoso assim se torna que esteja em permanente contacto com o cristalino líquido até tomar conta do negócio. Nesse dia a água será o meu espelho; e nele (se fosses capaz de me acompanhar até lá... ) haverias de ver também, a bela figura que fazes assim vestida»...
Viena, 2006. Texto e foto de: Alberto Oliveira.
29 Comments:
Idalina fechou os olhos e pousou a fatia de queijo flamengo e de filete afiambrado com se preparava para fazer uma sandes mista.
- Olha lá, oh meu papo seco. - Disse ela, de mão na anca e pé fora da chinela. - Já te disse parta não me chamares essas coisas... ninfa, ou lá o que é, que eu posso ter crescido na Musgueira mas não sou menos que tu. E careca é quem te fez...
Narciso interrompeu-a, olhando em redor, para se certificar nenhuma outra deidade estava por perto.
- Meu xuxu... peço desculpa, eu digo estas coisas mas é sem intenção de te ofender, antes pelo diverso, eu quero é glorificar-te. Sabes, desde que eu me dedico à leitura de blogs, que fiquei assim, meio atrapalhado de vocabulário, perco-me nos termos.
- Por falar em thermos, vê lá se o nosso está cheio, que logo quero ir para a beira da piscina e não me posso esquecer de levar água quente para o chá.
- Tem sim, minha tágide.
- Lá 'tás tu, porra!
- Lá 'tás tu, porra!
Não vês que é do meu feitio admirar o que é belo e não me acompanhas?
Idalina cerrou os dentes, contou até cem duzentos trezentos e explicou.
- Não somos todos poetas, nem escritores nem admiradores. De facto não sei admirar o belo lindo maravilhoso, tão pouco fazer o mesmo que tu. Mas dou-te a paparica e o aconchego. Se fôssemos iguais, quem aspirava a trampa da casa?
Narciso pensou. Havia ali uma certa rasão.
- Vá, glorifica-me então e pelo caminho trás-me um café!
Pior figura fazem algumas vestidas. Aliás, é já a segunda que aqui vejo de seios belos e firmes, e, coincidentemente (!) sempre estátuas! :-)
E o moçoilo até que é jeitoso, mas desde que ela deixou de ver o padeiro, que ele deixou de ver o barbeiro (como na história do ovo e da galinha, o que veio primeiro é que não se sabe).
Pois é... Tanto a fonte vai à montanha, que um dia é o cântaro que vai a maomé!
Um abraço, excelso contador! :-)
Eu acho excelente este texto.
A exaltação narcísica sem que houvesse espaço para alguém vir e atirar a primeira pedrinha de... inveja ou escárnio e lá se ia o reflexo, a exuberante torna imagem!
Muito bom, amigo Alberto.
Um abraço
Legível,
Tens um modo de contar as coisas que encanta. Como o Narciso, encantado estava, mas cosigo mesmo...
É muito dificil não te congratular pela tua facilidade em olhares algo, que nos passa pelo olhar diariamente, e efabulares logo.
Lembro-me de quando no 7º ano, tive de escrever algo acerca de uma estatua ao pé do Galiza no Porto... O que dizer??? Saí-me mais ou menos, mais ou menos. Admito contudo, que não me passou pela cabeça fazer um conto...
Olha, nem sei se me ri mais com o teu conto, do que com a resposta aqui do amigo rui.
Admiro a tua forma de contar...
jinhos
... um café, está fora de questão, deixa-me aqui sossegado à espera do sol, que prometeu vir hoje e que tem falhado encontros nos últimos dias
ela fitou-o bem nos olhos e disse-lhe: és sempre um desmancha prazeres... lá terei então que ir ao café sózinha
"....Até que, nas margens bucólicas daquele gentil curso de água, apareceu um camponês honrado e digno que se dirigiu ao altivo Narciso e disse:
- Ó faxavori eu queria uma frize coirato!"
em que pedra afias a tua caneta, meu amigo?
(como se não fizesses uso d'um pc!)
na realidade só mais uns confetes disfarçados de comentário sério... vê se não tomas o lugar do dito Narciso!! rss
sempre um momento bom essa passagem por cá, meu amigo. deixo o meu abraço fraterno.
Preocupações de deuses na terra, ter em conta os usos dos pobres terrenos, que gostam de ver mas não mostrar.
Um abraço. Augusto
E tu se me pudesses ver, verias o sorriso com que acabo sempre ao ler os teus textos!
bjs
Eu só gostava de saber o que é que tu sabes sobre o presidente da câmara de pombal, o Narciso!... ;)
eu vi as estátuas moverem-se, juro!... e ouvi as falas... pois é verdade, elas movem-se!... e depois, quando cheguei aqui, ainda vi as rivalidades nos bastidores!... essas estátuas são grandes atrizes e "atrazes"!...
Nunca perco a viagem aqui. Se há coisa nova, delicio-me; se não há, rio-me com os comentários; à 3ª releio-te! É buéda fixe! :-)
Entusiasmada, telefonou às amigas dando conta do chorudo negócio que aí vinha por parte de seu amado esposo.
Na semana seguinte, as revistas cor-de-rosa traziam na capa: "O maior áqua-parque da península" e a foto do casal. Ele de cântaro, ela com um seio desnudo.
Beijinhos, Senhor Alberto.
Narciso saiu da Tasca da Coxa a assobiar a Rosa Tirana. Equilibrava sem dificuldade a chávena de café que transportava para a sua amada.
Evaristo, que estacionava a caravana ao lado da de Narciso no parque naturista - e que com este mantinha acesa e prolongada disputa devidos a ruídos nocturnos - apareceu ao dobrar da esquina.
Narciso sentiu o sangue ferver-lhe e entornou uns pingos de café no pires, que se queixou.
- Épa, queimaste-me!
- Desculpa lá Pires, mas sempre que vejo aquele gajo, passo-me.
Evaristo lançou um olhar trocista aos dois homens.
Narciso tentou controlar-se, mas não conseguiu.
- Pires, segura-me na chávena. - E, ao cruzar-se com Evaristo, gritou: - Oh Evaristo, tens cá disto? - E apontou para baixo.
Evaristo ficou possesso e logo tratou de agarrar no que tinha à mão para atirar aos dois amigos, que fugiam agora a sete pés, rindo como crianças travessas.
- Narciso, pá, entornei o café todo.
- Não faz mal, Pires. Era pior se tivesse sido em cima da roupa, que isso deixa uma nódoa lixada.
Sempre difícil a vida dos Narcisos... e com morte predestinada... ;)
Caro Legível
"Tantas vezes o cântaro vai à fonte" que um dia o nobre Narciso o deixa cair fatalmente e se desfaz em mil pedacinhos. Mas lá estará a sua ninfa para apanhar os valiosos "cacos".
Uma bela imagem a sua a acompanhar a não menos bela perspectiva apanhada pela sua objectiva.
Tenha um excelente final de tarde
Narciso.. não estava careca de saber, pois tinha uns belos caracóis.. mas da sua profunda reflecção sobre a natureza da sua esposa.. uma coisa tinha a certeza - nunca deveria levar a sério as palavras dela.. quando ela se lhe apresentava.. com as mamocas de fora.. ;)
eu bem que já não via a estátuas da mesma forma que os restantes, mas agora, desde que frequente certas fantasias, vejo lhes sorrisos.
e depois ler os comentarios do rui, é um 4 em 1 :)
Este Narciso parece-me um pouco gay. Sempre agarrado ao cântaro, quase nu, sem pêlos no peito, farta cabeleira bem tratada, a desdenhar da roupita da esposa,...
Mas à terceira a o cantaro parte.
um abraço
klatuu, Augustom,Rui, Lícínia... tou a gostar desta tertúlia própria dos humanos mas onde os deuses não faltam. E estes deuses até têm a escola toda ou não fossem eles deuse...gregos...musculados...E juntou-se-lhes uma bos trupe.vamos mas é todos comer uns couratos, beber um copo e curtir a noite.Lá para os lados do Bairro Alto. Pode ser?
Continua Rui, tu conheces bem Lisboa. Deixa o velhote em casa a trincar a fartura.
Beijos para esta "cambada" toda.
A Ninfa olhou, pela primeira vez ,para si. As palavras de Narciso torturavam-na como um espinho "A bela figura que fazes...".
Levantou-se, pegou no cântaro, e partiu-o na cabeça do seu Narciso, que passou o resto dos seus dias à procura de todos os cacos, tentando remediar o impossível.
vai tantas vezes que é uma canseira :)
não havia um poema qualquer, que ela ia formosa à fonte? Não era a Leonor?
Mail do blog, please!
beijos
"TANTAS VEZES o CÂNTARO VAI À FONTE..."
...que hoje se partiu e veio desejar bom fim de semana!
Bjo.
Cá para mim ela é canhota, porque aquela mão esquerda assim no ar, hum... Afiançava bofetada e da grande, não fora a frivolidade do casório dos olímpios tê-los glaciado de uma trago no aceso da discórdia. Aliás, ninguém me tira que houve ali dedinho de Apolo, impondo-se a Dionísio e evitando assim uma "tragédia" maior! [Xi, esta foi um cadinho a levantar voo...!*]
* Gracinha com a A Origem da Tragédia, de Nietzsche (a esquecer, pf!)
Um gosto de ler, um gosto de ver... ainda para mais VIENA e as estátuas/jardins por todo o lado. Perfeito. Muito interessante o fio da tua imaginação à solta!
Um outro olhar sobre a exímia A.rte de esculpir a pedra.
Haja o teu olhar sobre a A.rte de bem escrever.
Com humor...
Bravo, Alberto :)
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