CONCERTO em SI
As pontas dos dedos dela percorrem com desvelo as teclas de um piano que provavelmente conheceu tempos mais favoráveis que estes que hoje passam, num andantino grazioso que apenas se faz ouvir em condições razoáveis a quem permaneça não mais longe que uns vinte metros da pianista. Schumann não se consegue sobrepor às vozes da multidão acantonada na praça nem essa será a intenção; a cada um a sua música, é a sua divisa, pois sabe por experiência própria, por amor à arte e à arte da sobrevivência que as notas musicais que toca nunca se confundirão com as da musicalidade turística que se vocalizam em registos tão diversos que dificilmente se descobrirão os seus intérpretes.
Enquanto a chuva que se adivinha não afastar os últimos turistas da esplanada, ela continuará a tocar (com desvelo) os compositores que ama e que lhe alimentaram o sonho de uma carreira que não se concretizou à medida dos seus desejos. Não os condena nem se sente traida. Por isso, todos os dias faz a viagem Veneza-Mestre num combóio onde já não há lugar para qualquer sopro de esperança; apenas para o anonimato diário. E volta. Ao lugar da música.
....................................................................................................
Hoje, por mais que tentasse, não consegui pintar o toque final irónico que tanto prezo nas escrevinhaduras que por aqui vou deixando; aponto o dedo (e a culpa... que não sou pianista) a Schumann, que escutava enquanto escrevia este texto, num Concerto para Piano em Lá menor, Op 54. Na próxima ouvirei Mozart e, quem sabe, escreva de Florença...
Veneza, 2006. Texto e foto de: Alberto Oliveira.
30 Comments:
sem dúvida Mozart para o fim irónico mas se quiseres a assistência toda a bater com a mão no peito e a chorar lágrimas grossas, enquanto as botas batem no chão compassadamente, tenta wagner !
Boa tarde para ti
nem eu nem S. nem M.____________
de Florença trouxe a margem estreita de uma melancolia.
era tarde quando me detive no rio. e o Piano marcou a distância...:))))
________________texto em mi.
belíssimo.
_______________obrigada pela "partitura".
beijo. tb em fim de tarde.
Soube tão bem este repouso triste.
Ainda bem que ouviste Schumann.
Até amanhã.
Caro Legível
Penso que não é necessário terminar sempre em tom irónico ou de crítica mordaz...sabe bem ler textos apaziguadores ao final da tarde.
Uma boa tarde para si
(hum. Andas com receio da gripe?)
Hoje quem sabe tu tocaste doçura :)
e ate caiu bem.
:)
dragões.... dragões... Komodoro? Olha...encontrei um!!!!
Logo hoje que eu precisava desse toque final, que tão bem sabes dar...
Legível, por amor de quem queiras, o teu humor hoje está do pior, vai ouvir Mozart, Link Spark, Raimmstein, o que quiseres também!!!!
Emendei, enganei-me. Sabias que as pessoas se enganam???? Desgraçado!!!
Boa noite (mal humorado)
pianos sempre me comovem...
sempre!!
e também sinto culpa por não saber tocá-lo, como fazem maravilhosamente meus dois irmãos...
beijinhos.
por aqui bem perto uma pianista triste..ou uma triste pianista..toca os seus compositores favoritos para incentivar..a compra de medicamentos.. é no farmácia perto do largo Conde Barão..e vale a pena a visita.. ;)
Uma partitura terna. Envolvente. Gostei. Muito.
querido amigo, como eu gostava de fazer o que tu fazes, ler-te e inspirar-me ao ponto de escrever as delícias que me deixas no blog, sobretudo quando tu consegues ler o que mais niguém viu, é incrível, gosto imenso dos teus posts, têm música, não só este, o teu blog é um instrumento melodioso de som permanente, adoro ouvir-te legível
beijinho grande,
alice
E aquele agrumento da culpa e solteira e mais não sei quê?!...
Estás a ficar lamechas, é o que é!... ;)
"argumento"
Amadeu ajeitou a sobrecasaca grossa com que se protegia da brisa maritima. Atravessou a Rialto em passo estugado, sem levantar a cabeça do chão. Nunca ali tinha estado, mas conseguia guiar-se apenas pelo sentido da audição. Ao que ia já o chamava, bastava seguir aquela melodia.
Ao aproximar-se do seu objectivo, veio-lhe à memória o seu amigo Roberto - amizade forjada numa outra realidade, feita de colcheias e claves de sol.
Tinha que ter sucesso na sua missão, pensou para si, enquanto inspirava fundo.
Abrigado pelas arcadas, aproximou-se. Pegou no candeeiro e brandiu-o bem acima da cabeça da senhora do piano.
Na esplanada, as poucas dezenas de turistas que não dormiam, abriram muito a boca. Um deles ainda tentou gritar, mas tarde demais, o candeeiro tomou o caminho descendente, bem na direcção do parietal da mulher.
Azar o de Amadeu, que não retirou o fio electrico da ficha. O candeeiro parou abruptamente a centimetros dela e voltou para trás, apanhando Amadeu pela testa.
Lá no alto, Roberto abanou a cabeça com ar resignado. Certas coisas temos que ser nós próprios a fazer, pensou.
…e trata-se mesmo de música. De músicas. De compassos vividos. De andamentos do imperceptível sentidos e memorizados. É o zumbo dos acantonados e de todos os elementos que povoam praças, cafés e esplanadas por esse mundo fora. É o som das teclas a percutir nas cordas de um piano antigo. É a desilusão verosímil da música no coração de uma pianista anónima. É o ritardando do escrevinhador rallentando em si, por ter deixado a descansar no cais de partida habitual, a ironia que costuma usar para iludir andantes, adágios, enternecimentos, melancolias e outros sentimentos. Foi isto que ouvi. Dolce.
Buonasera. :)
eu gostei e muito!
Abraços
O Café Florian, na Praça de S. Marcos.
Uma delícia!
Já lá estive duas vezes e emociono-me sempre que revejo fotos dquela praça, daquela cidade, de tanta fantasia à volta da «SERENÍSSIMA!»
Um abração
Também lá na praça de S. Marcos ouvi muitas vezes tocar piano ou violino, era uma maneira de emprestar algum romantismo para turista ver, que ficaria muito melhor no Lido, que sem Doges, é muito mais romântica, onde o século passado teima em não se ir embora.
Um abraço. Augusto
veneza...
saudades...
beijinhis europeus
Caro amigo,
Tomo a liberdade de lhe chamar assim.
Venho aqui retribuir sua adorável visita.
Aproveito e arrisco a dizer, por tudo que li, que és um homem de muito valor e com certeza de muita sensibilidade.
bjos
Bom dia.
Definitivamente, não podes continuar a ouvir a música de Schumann. E aconselho também a não ouvires a de Mozart:) Claro que estou a "ironizar", caro amigo. Veneza também vive de desmonoramentos. Gostei particularmente da confissão final e fico a aguardar um Mozart inspirado. Beijo.
... então brinco eu!
- concerta-me antes a mim! que já percorri a pauta toda e não encontrei solução ... dó-ré-mi-fá-só-lá-si-dó-si-lá-só-fá-mi-ré-dó
tem dó! anónima, mas em Veneza ... quem me dera!!!!
Nem sempre temos de terminar "como de costume".
Gostei do momento. Schumman está bem, mas também podia ser Chopin...
:)
bjs que eu hoje também não estou para comentarios muito perspicazes...
:)
Acabaste de o pintar agora, bastou pensar em Mozart... imagina se o escutasses...
Isabel
De Veneza trouxe memórias infantis de um passeio de gôndola a meio da trde. Era tão novinho.
De Berlim trouxe amor, algumas drogas e Nick Cave, Wim Wenders e o filme dos anjos.
Se ela faz por amor, que esperança lhe falta?...
Quanto ao tom irónico, alto aí, que ele está lá!... Ora vê melhor, se faz favor. É legivelmente Legível! Até um cego via isso!
Está lindo!
OLÁ
No ultimo post coloquei um comment, como explicação do meu problema de saúde, caso queiras ler, vai até lá.
HOUVE COMENTÁRIOS DE ALGUNS AMIGOS/AS QUE, PENSAM QUE TENHO PROBLEMA DE ADAPTAÇÃO À VIDA PROFISSIONAL, MAS NÃO SABEM O QUE SE PASSA COMIGO.
Abraços.
Já escutaste Nietzsche?
Não pergunto se já leste, mas se já escutaste.
Um abraço!
Post a Comment
<< Home