A DIVA NO DIVÃ

Foi como que uma dádiva celestial: lentamente e com trejeitos de volúpia, a diva deitou-se no divã do amplo camarim, vestida tal como se apresentara ao público minutos antes no palco do Scala, catedral mundial do belo canto. Se então da sua garganta brotaram aplaudidos sons agudos, agora dos seus lábios cerrados nem um ré ou um mi se deixavam escutar. Os belos olhos da soprano, esses sim, fitavam bem abertos e interrogadores Urbino José, caçador de autógrafos de profissão e adepto confesso da música em geral nas horas de ócio. "Minha linda! Raras vezes me acontece uma situação destas e ainda não estou em mim! Lembrar-me eu que o mês passado em Londres, me vi grego para encontrar uma Winehouse lúcida e receptiva e agora tenho-te aqui, bela e -quase me apetece dizer, indefesa... " Francesca Lombardini além de usar divinalmente a voz, era uma mulher prática "Mas afinal em que ficamos? Dispo-me eu, ou rasgas-me tu o vestido?" Urbino não estava preparado para tanto: de ser uma mulher a tomar tal iniciativa. Enervou-se, transpirou, torceu os dedos, enviezou o olhar, mas uma imagem inspiradora salvou-o no último momento: a do sujeito que foi comprar tabaco e não regressou ao ponto de partida. (Desenganem-se os leitores que me imaginam a deitar mão de argumento literário tão próximo do cordel... ) Teatralizou a procura de algo que escrevesse, nos bolsos do casaco, que convenientemente não encontrou e descansou a operática cantora "Não precisamos de correr a foguetes, amor. Nunca ouviste dizer que devagar se vai ao longe? Vou ali abaixo num instante comprar uma esferográfica e já volto."
Milão, 2006. Texto e foto de Alberto Oliveira.