O CANDIDATO AUTÁRQUICO

Era um modesto empregado bancário de quase quarenta anos e tinha a perfeita noção que na carreira profissional nem a gerente chegaria, daquela quase anónima filial para onde o tinham desterrado há muito.
Mas no partido, o percurso estava a ser fulgurante. Se apenas há meia-dúzia de anos se tinha oferecido para colar uns cartazes por altura de umas eleições legislativas, ei-lo, na actualidade, a dirigir uma reunião regional com a maior das naturalidades. Tinha boa presença, era fluente e o seu entusiasmo contagiante; porque fazia fé nas teses partidárias e nos seus dirigentes máximos. E isso era suficiente para o fazer esquecer das suas limitações em áreas do conhecimento e das competências.
As cúpulas já o tinham sondado antes. Mas com a aproximação das autárquicas a questão colocava-se de facto; ele era o homem certo para liderar a lista do partido naquela cidade. Nesse momento, as suas convicções sentiram-se ligeiramente abaladas. Embora contrariasse a política do partido oponente que detinha a gestão camarária -porque na política as coisas são mesmo assim... , a verdade é que ele próprio se sentia bem naquela cidade e que nada de essencial ou estruturante precisava de ser mudado ou... prometido; que são duas coisas totalmente diversas. Pela primeira vez (em matéria da sua actividade política... ) aconselhou-se com a sua mulher. E ela foi peremptória. «Querido, não hesites. Vai em frente, que tu tens cabeça até para cometimentos mais altos. Diria mais; tens uma grande cabeça!»
Veneza, 2006. Foto e texto de: Alberto Oliveira.
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