UM HOMEM DIFERENTE
João Marreiros percorria a custo a zona ribeirinha da cidade, procurando confundir-se com as paredes decrépitas e grafitadas de velhos armazéns ao abandono que não abonavam a favor da paisagem prometida pelos folhetos das agências turísticas. Protegia-se assim de alguns empresários circenses sem escrúpulos, sempre em ânsias de descobrir o insólito, a deformidade, enfim, tudo o que pudesse ser alvo dum público àvido de emoções fortes à conta da desgraça alheia. Foi numa manhã igual a esta, que Frederico - descobridor de gente incomum do submundo, se cruzou com ele. Prometeu-lhe uma reforma radical na sua vida: fama e proveito estavam logo ali ao virar da esquina e, com um pouco de sorte, quem sabe? até o amor podia acontecer. João, seria uma aberração da natureza (um erro de deus, como costumava afirmar em pranto sua mãe) mas não precisava de espelho para se rever nem de David Lynch para se martirizar ainda mais. Em curto espaço de tempo, as promessas passaram à dura realidade dos circos ambulantes e palcos de duvidosa qualidade, reclamados por um cartaz explícito: "João Holmes de Portugal. Espectáculo para adultos" que era por lei obrigatório e concorria para os êxitos de bilheteira de tão degradantes eventos. Farto de ser usado, assim que a oportunidade surgiu, fugiu para o anonimato, sem pôr a vista em cima de dinheiro que se visse nem de amor que chegasse. «Óh amigo!» ouviu uma voz nas suas costas «Você arrasta-se tão penosamente que impressiona. Não se ofenda, mas tenho em minha casa (era do meu pai, coitado... ) uma bengala que lhe pode dar jeito para se amparar... ». João sorriu pela primeira vez em muitos anos «E acha que eu preciso?!»
2010. Foto e texto de Alberto Oliveira.