PAUSA PARA ADORMECER (6)

Gosto muito da minha tia Matilde porque quando lhe peço para me contar uma história para adormecer ela não se faz de rogada. Aconchega-me bem o cobertor junto ao pescoço e não perde tempo «Once up on a time... » Esqueci-me de vos dizer que a minha tia trabalhou muitos anos em Londres e por vezes não se lembra que sou uma menina pequenina portuguesa que ainda mal começou a desvendar as dificuldades da língua materna e se eu não lhe fizer um sinal abrindo muito os olhos (já lhe expliquei que embora me chame Margarida ninguém me trata por Daisy... ) ela vai por ali fora lançada como se estivesse ainda em Lexington Street a falar com os vizinhos. Foi o que se passou ontem à noite com a história da Gaivota Carlota e do Bancário Macário. Então voltou atrás e emendou para «Era uma vez... » Confesso que até onde consegui ouvir - que os olhos se teimavam em fechar - a história me pareceu um bocado confusa e triste. É que nem o Macário tinha ar de quem consegue reanimar um banhista em dificuldades respiratórias na Costa da Caparica e muito menos uma princesa dum sono profundo, nem que Carlota abraçasse a causa monárquica ou caísse nos braços dum anónimo bancário. Pelo aspecto, seria fêmea para outros voos. Bem salgados.
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A minha tia prometeu-me duas coisas: uma, que me levava a ver a Casa das Bonecas em Cascais. Essa já a cumpriu mas acho que se "enganou no caminho". É que a Paula Rego faz bonecas demasiado grandes para a minha idade. A outra, de me contar uma história mirabolante de seguidores e perseguidos. Não tenho a minha tia na conta de mentirosa mas uma vez não são vezes...
2010. Texto e foto de Alberto Oliveira.