Tuesday, January 05, 2010

PAUSA PARA NAVEGAR (3)








Coisa com que mais engalinhava era com rótulos. Rótulos e alcunhas. Destas, tinha escapado quase ileso; quase, porque no quarto ou quinto ano de escolaridade, colegas com medíocre sentido criativo ensaiaram colar-lhe o nickname de Carinha de Vaca. Não pegou, porque com facilidade se constatou que ao longo de alguns meses, a sua testa se mantinha sem quaisquer saliências ponteagudas e, salvo qualquer transformação de última hora, o género seria o de marido da ruminante. Dos rótulos, um dos que mais confusão lhe fazia era colectivo: que os portugueses se definiam como filhos de um país de marinheiros. Descontando o tal período histórico das novas rotas marítimas - em que ser marinheiro não era uma opção, mas antes, e para uma larga maioria, um castigo ou imposição - da sua vasta roda de amigos, conhecidos e colegas, nenhum deles tinha um barco, regra geral nadavam mal e porcamente, sendo que bastantes preferiam o campo à práia e, embora em número mais reduzido, alguns apenas tomavam banho uma vez por semana. Na posse destes dados, nada abonatórios para a veracidade de tal qualificação, resolveu ele próprio pôr-se à prova e assegurar-se se era de facto um filho legítimo da pátria do Gama. Numa primeira fase, a sul, fez cerca de vinte e sete travessias (das vinte e oito que se tinha proposto realizar no mesmo dia) entre as duas margens do Tejo. Exausto e desnorteado, foi recolhido por familiares em Cacilhas, quando julgava estar no Cais do Sodré. A norte, oito subidas do Douro de barco, outras tantas descidas de combóio e a conta perdida de cálices de Porto bebidos, chegaram para lhe demonstrar que para navegar, a net era a embarcação perfeita. Ao teclado, suspirou pausadamente e escreveu «Neste país, uns são filhos, outros enteados.»
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Se a leitura do presente texto vos fez esquecer Paulo Coelho ou Margarida Rebelo Pinto, muito menos se recordarão do folhetinesco imbróglio entre seguidores e perseguidos, deste vosso autor e amigo. Chamaria a isso, começar o ano da melhor maneira possível. Caso contrário, amigos como dantes: pausas em Lisboa, férias em Abrantes.
2010. Texto e foto de Alberto Oliveira.

30 Comments:

Blogger Fá menor said...

Olha... navegar neste teu mar é uma pausa agradável!
Como uma pausa para não sofrer outros mares, não digo de seguidores e perseguidos, mas antes de esquecedores e esquecidos!

Boa continuação no Novo Ano!

Bjos

5/1/10 17:41  
Blogger Lídia Borges said...

Impagável,o sentido de humor destes textos!

Um bom ano, navegando na escrita, em travessias seguras.

L.B.

5/1/10 21:28  
Anonymous Anonymous said...

caro legível, vim aqui, apenas, desejar-te um bom ano.
voltarei, amanhã, para actualizar a leitura dos teus posts.
e agora tenho de ir tratar da Humana que, num dos últimos dias de dezembro, deu entrada no serviço de urgência do hospital de nossa senhora dos aflitos, engasgada com uma rodela de cartolina que, pespegada à má fé numa chávena, foi, por ela, confundida com um café (um pouco manhoso, sim, nisso ela reparou, mas como é uma cafeínodependente...). a coitada ainda não se refez do susto.
como vês, há gente para tudo.

marradinhas amistosas da bicharada do "pequeno jardim"

5/1/10 21:55  
Anonymous Anonymous said...

eu sinto-me sempre enteada, querido alberto... porque será? a fotografia está tão verdejante e tudo o mais que eu até pensava que era de outras bandas... mas o douro é tão lindo! beijinhos*

5/1/10 22:24  
Blogger lélé said...

Bem, para saber que neste país uns são filhos e outros enteados, bastava ter navegado pelos canais noticiosos!... Não precisava tentar entrar para o Guinness (?), nem emborrachar-se como um perú, que isso é mesmo tuga!

Entre Paulo Coelho, Margarida Rebelo Pinto e Legível, milhões de vezes Legível! Hip hip hurrah... É que nem tem "comparência" possível!

Em relação aos embróglios do ano passado, entre seguidores e perseguidos, esperemos que tenham mesmo ficado lá em 2009... os embróglios e não os teus textos, claro!...

6/1/10 00:35  
Blogger Teresa Durães said...

Nada como um post que nos faz esquecer esses (autores?)

6/1/10 10:51  
Blogger BlueShell said...

gostei da "alcunha" e da metáfora da net - com uma embarcação para navegar!
Amigo...estou em aflição. Peço ajuda.

6/1/10 21:31  
Blogger batista said...

fantástico, Amigo! rss!!! belo início de ano, com postagem desse nível. valeu!

deixo um abraço fraterno.

7/1/10 00:42  
Blogger Marta Vinhais said...

Sempre me rotularam...
Quanto à Margarida Rebelo Pinto e Paulo Coelho, também não são autores da minha eleição...
Um texto brilhante, cheio de ironia, mas com bom humor....
Obrigada pela visita..
Beijos e abraços
Marta

7/1/10 11:05  
Blogger Justine said...

Essa dos filhos e dos enteados parece que cada vez está pior! E não há navegação que nos valhe...
Margarida quê?Paulo quantos?Ah, os Seguidores e Perseguidos,para quando a continuação?
(e para quando uma pausa para pintar?)

7/1/10 15:41  
Blogger Azul said...

Olá meu amigo. Bom ano de 2010! POis que a minha ausência tb se deveu a ter de parar para mudar de página cá numas coisas do livro da minha vida. Mas, vamos lá ver se continuo a ter ideias para escrever. Para já, tenho novo no carmim!! Passe por lá, se faz favor. Por aqui, vejo que continua em força. bem haja.

Um abraço com amizade: Azul!

7/1/10 19:49  
Blogger Unknown said...

Da minha experiência de atribuição e recebimento de alcunhas, daquelas que me lembro, grande parte é muito mais imaginativa do que inúmeros niknames que proliferam na net.
Estes soçobram rapidamente, mesmo com a disponibilização das redes sociais, do que as celebradas e saudosas alcunhas que atingiam o cume da paródia e boa disposição nas quadras de livros de fim-de-curso.
Resumindo -- Para trazer à nossa beira a sardinha ladina, que é a que nos interessa -- são muito mais interessantes as edições de blogues que as frivoleiras, com tremendas limitações de quantidade de caracteres, das redes sociais.

Desde a Nau Catrineta que tanto sempre teve para contar até às bolinas na Net -- Navegar é preciso! -- eu escolho sempre a Net com os seus nicks , roído de saudade das alcunhas que não vejo criativamente repetidas.

Quanto aos filhos, uns serem desejados e, bem hajam, logo, da mãe; outros, provavelmente ranhosos e uns chatos... Ou talvez não, sempre os houve e haverá, apesar de cada vez mais os pares hetero se «tocarem, mas não se reproduzirem...»

Um abraço, Alberto

7/1/10 22:15  
Blogger Ruela said...

Filhos do Mar!

;)


Abraço.

7/1/10 23:19  
Blogger Paula Crespo said...

Sabe que sempre pensei o mesmo? Refiro-me ao país de marinheiros, e tal...também acho que esses são tão poucos que, não fosse a época que lhes granjeou a fama e nunca ninguém se iria lembrar de nos atribuir tal paternidade! ;)
O seu sentido de humor continua irrepreensível e prevêem-se condições muito favoráveis para continuar esta navegação. Avante e sem medos! :)

7/1/10 23:42  
Blogger casa de passe said...

Alberto (gosto de chamar as coisas pelos nomes e as pessoas também),

Alberto,
Com este frio e com esta chuva vir lê-lo é entrar num agradável oásis. Desde que nenhum coco me caia em cima ca cabeça.

Alice, a Fininha

8/1/10 00:55  
Blogger ~pi said...

navegar navegar...

lembrei-me mas é do fausto... :)

ah bom e doutras músicas oferecidas por

um amigo muito especial neste

final de ano lá prás bandas... pois exactamente,

do cais do sodré!

[ ou terá sido...

cacilhas...ou mesmo..abrantes...

bem, foi por aí, seguramente num dos três :)



beijo e abraço

e abraÇo e beijO





~

8/1/10 13:07  
Anonymous Anonymous said...

filhos ou enteados,cá vamos, o melhor que podemos e sabemos, galgando as ondas e enfrentando as voltas do mar e da vida. e sempre que aportamos neste teu mundo de fantasia, levamos, à saída, um sorriso largo, que teima em não deixar-nos.

venham mais pausas. que, com este tempo, seguir as passadas dos perseguidores e perseguidos é obra!

marradinhas da bicharada.

8/1/10 16:55  
Blogger bettips said...

"Ó minha cana verde" (longe de mim brincar aos leões!) Os Vascos deixam saudades, iam a direito mar adentro.

Inda bem que te conheço
se não ficava danada
não dás o devido apreço
ao que me trás esganada

Dos ingleses a mordaça
das ceees o imposto
portugueses na arruaça
não se me acaba o desgosto!

Mas finalmente cerveja
e num sítio estrangeirado
é bom que a gente se veja
mesmo que só um bocado

(isto a propósito de pombos, mau tempo no canal da história, cais assim no sodré, de pé, entre nozes e vozes - e é que me dás sempre na veia!)
Beijinhos a vós

8/1/10 18:16  
Blogger MagyMay said...

Prontos...timidamente eu acho, que somos um país de marinheiros.
Ponto 1 - Meter água também faz parte do navegar...
Ponto 2 - Aquela frase batida... que ecoa na voz dos "Gama do sec.XX" :
"Levantei ferro! Naveguei!... Naveguei!... Avistei!.... encalhamos..................."

Beijo e sorriso de bom fim de semana

8/1/10 19:24  
Blogger uminuto said...

belíssima forma de começar o ano, sem dúvida
um beijo e bom ano

8/1/10 21:57  
Blogger Arábica said...

De uma coisa, após muitas navegações, tenho a certeza: há mais marés que marinheiros.
E nem sequer nos falta a rosa dos ventos. :) Deve haver também um azimute -certinho e sem erro- mas esse, para os que ficam em terra, é dificil de encontrar. :)

Um abraço senhor legívelmente alberto :)

10/1/10 11:46  
Blogger Rui Fernandes said...

É pá!... É pá!... (nem sei como hei-de começar esta). É pá! Então tu não queres lá saber?

(Não, não era assim que eu queria começar) É pá, ó Alberto! Então tu não queres cá saber? (vêm como encurtei as distâncias?)

Mas saber o quê? Não há nada pra saber: não há pai para nós, somos um povo de marinheiros. Não temos é barcos. Mas quem não tem dinheiro não tem vícios. Lá que podemos ir todos ao fundo, podemos. Então para que servem os submarinos?

- E quem nos mandou ir afora por esse mundo?
- ...
- El-rei D. João II!

Já não temos reis, só ficou o almirante. Temos sem anos de República, a República dos sem anos. Portugal cumpriu-se, mas a República não. Que isto não é república, é mais um regabofe!

E navegar para quê? Cá para mim o bom é navegar no telecomando da TV. Quem quer passar além da dor tem que ver a televisão a cor. E o mesmo se diz e se passa para quem a um teclado acha graça. E a rede, meu Deus, e a rede? A rede é uma grande barcaça, onde quem lá vai passa grandes tormentos, para muitos é uma desgraça, a muitos só se ouvem lamentos.

Eu tenho cá para mim, que bom é navegar na banheira. Há quem a ache um objecto tosco. Mas para mim não há outra maneira de levar o Oceano connosco.

11/1/10 00:57  
Blogger Rosa dos Ventos said...

A tua original e bem humorada crónica não me fez esquecer a escrita dos ditos senhores porque nunca li nada deles, mas tenho a certeza que se já o feito tivesse, esqueceria na hora!

Abraço

11/1/10 09:59  
Blogger Gabriela Rocha Martins said...

se bem que as tuas pausas sejam gostosas ,hilariantes e imperdíveis ,não meu Amigo ,não te escapas dos inesquecíveis "seguidores e perseguidos" ,e ,por favor ,não te compares a esses escritores de segunda ,tais como Coelhos e Pintos .antes os ruminantes animais de grande porte



.
um beijo

11/1/10 12:59  
Blogger Alien8 said...

Eu, pelo contrário, já andava há muito a notar ligeiras parecenças com a Margarida Rebelo Pinto. Com o Paulo Coelho também, mas em muito menor escala, que a alquimia não é para todos... Tive vergonha de o dizer, não fosse ofender alguém, mas eis que, inesperadamente, me surge a desejada aberta. A quem isto possa causar estranheza, direi apenas que se trata de autores muitíssimo legíveis. É certo que cada qual terá o seu conceito de legível, mas a vida é mesmo feita desta diversidade e desta riqueza. Eu apenas tenho que felicitar o autor das pausas, autor e amigo, pois claro, já que lembrar a Margarida e o Paulo é sempre salutar. Assim podemos deixar de ir aos hipermercados. Podemos deixar de ler a chata da Marguerite Yourcenar e mais a sua "Obra ao Negro". Podemos dizer "Sei lá!" com ar de quem cita Camões. Estou a descambar um bocado, não é? São efeitos da prosa. Da prosa, que não do Prozac.

Dito isto, um abraço.

11/1/10 20:04  
Blogger MagyMay said...

Caríssimo,
Estais a navegar desde dia 5.
Com a água que tem caído, provavelmente há desnorteio.

A confraria dos "Amigos das Margens", organizará recepção em Cacilhas (ou sabe Deus onde ides parar) com uns cálices de Porto.

(rsrs)

12/1/10 19:24  
Blogger Alberto Oliveira said...

ParaMagyMay:

Encharcado até aos ossos, às voltas no Bugio, mas estou no ir. Espero que os cálices estejam cheios e que não faltem os pastelinhos de bacalhau...

... acabei de apanhar com uma onda tão traiçoeira que quase ia caindo ao chão, perdão, à água.

12/1/10 19:35  
Blogger MagyMay said...

Aguenta-te a prancha (ou na onda)até amanhã... não frito pastelinhos a esta hora!!!

12/1/10 21:23  
Blogger BlueShell said...

Peço desculpa por ter causado tanto desconforto.

Pode crer que não voltarei a importuná-lo.

BShell

14/1/10 11:28  
Blogger M. said...

Em pausa destas navegações tenho eu andado mas ainda bem que hoje me pus ao mar porque me deliciei com estas travessias e travessuras da tua escrita.

23/1/10 17:38  

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