PAUSA PARA MUDAR A PÁGINA (2)

Já nem se lembrava bem como tinha ido ali parar. Com uma cunha não devia ter sido de certeza que aquela actividade era desgraçadamente mal paga, terrivelmente monótona e, pior ainda, mentalmente desgastante porque sentia a existência avançar demasiado rápida, ao contrário dos seus desejos e de qualquer outro emprego em que nunca mais se vê chegar a hora do fim do dia de trabalho: a de vigiar e não permitir que os segundos, minutos, horas, dias, meses, anos, daquele enorme relógio que tinha à sua guarda, não parassem na sua cadenciada e irritante marcha. Guardião do tempo que passava por ele, célere, na solidão de uma ocupação que mais ninguém queria, apenas podia ter olhos para aquela máquina infernal - inventada por um homem provavelmente insatisfeito por, em diversas ocasiões de desnorte, lhe terem atirado à cara "nem sabes a quantas andas!"- não tinha vida familiar, desconhecia que o primeiro-ministro detestava posições da oposição que se lhe opusessem, que o presidente da república não falava quando devia e quando devia calava-se (um bom exemplo para os caloteiros... ) que os jornais desportivos, desde a primeira jornada da liga portuguesa de futebol vaticinavam às claras a vitória dos da Luz enquanto piedosamente decretavam o apagão em Alvalade, que no caso Casa Pia, a tentação de puxar o autoclismo já tinha estado mais longe, que a cotação do robalo estava ao preço do ouro na Bolsa de Valores de Lisboa, enfim, de fonte segura, apenas uma coisa ele sabia: estava por um fio o ano de dois mil e nove. Deu a corda toda ao monstro dos ponteiros e telefonou para Isaurinda, o amor de toda a sua vida «Estou farto, demito-me! Dá corda aos sapatos e vem-me buscar. Mas não te atrases... »
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O autor garante que esta segunda pausa consecutiva, não reflecte menor empenho na continuação dos textos continuados de perseguidos e seguidores. Mas também admite que mais uma dúzia de pausas deste género, não ficariam a destoar neste espaço de fantasias diversas. Aproveita ainda para desejar a todos os seus leitores e amigos, as melhores saidas de 2009 e óptimas entradas em 2010.
2009. Texto, foto e desenho de Alberto Oliveira.