DE GUARDA AO PAPEL
Bateu-me à porta assim, exactamente fardado como aparece na imagem. Levou discretamente dois dedos à pala do boné no gesto usual de saudação castrense e nem me deu tempo a abrir a boca "Venho oferecer-lhe os meus serviços porque sei que precisa de mim." Numa fracção de segundos imaginei o filme: o nosso primeiro visitou o centro de emprego da área onde resido, espantou-se de me saber inactivo durante quase dois anos, convida-me para a pasta da defesa e este militar é o meu oficial às ordens. Mas... não faz sentido! Se a última ocupação certa que exerci foi a de marcador-avivador das "quatro linhas" do estádio municipal de Sarilhos Médios de onde fui despedido por -num dia de enorme pressão laboral, pintar a marca de grande penalidade logo a seguir à da circunferência do centro do terreno... como é que ele poderia ver em mim, o titular de uma pasta recheada de problemas militares, como eram as constantes invasões ao nosso território, por parte de franceses e espanhóis? Dirão vocês "mas há muitos anos que não nos invadem?!" Pois sim! Quem invade uma vez, invade outra quando menos se espera e sem pedir licença. Angustiado, porque o exercício mental raramente faz parte dos meus hábitos desportivos e pela dúvida que a presença do militar empertigado me suscitava, perguntei-lhe diplomaticamente porque portas e travessas tinha notícias das minhas necessidades, quem foi o bufo que lhe cantou que eu estava no desemprego e, onde é que o "soldadinho de chumbo" iria exercer as suas funções. No rosto, não lhe notei qualquer traço de surpresa quando me respondeu firme e lacónico "Aqui, no "Fantasias", lugar público, onde o senhor descarrega todas as suas extravagâncias alucinatórias e se expõe à ira dos virús, worms, spyware, dialers, jokes e tantos outros. " Face a estes argumentos, o que poderia eu fazer senão dar-lhe carta branca? Dez minutos depois, ei-lo neste sítio, -de guarita montada, aprumado, armado, vigilante e de luva branca...
Praga, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.