
... nadava, procurando descobrir o porto de abrigo que o fizesse esquecer os minutos dramáticos por que estava a passar. Mas pressentia que por cada braçada dada, menor era a distância que tinha dos perseguidores marinhos. E a sensação terrível que o monstro-guia estaria a escassos centímetros de lhe abocanhar os calcanhares, mais o desmoralizava fisicamente. Bem avisado tinha sido -por quem aquelas águas conhecia desde sempre, dos perigos que poderia enfrentar se teimasse em levar a cabo a travessia daquele rio, sem a preparação adequada e equipado a preceito. Mas quando se lhe metia qualquer coisa na cabeça, nada havia que o demovesse, a ele, que para se manter à superfície na água, de costas, era quase preciso um requerimento em papel timbrado. Isso -depois dos primeiros cem metros decorridos, levantou-lhe sérios problemas de alimentação, pois do tacho de arroz de frango que a mulher lhe arranjou, foi quase tudo para os robalos, que o acompanharam outros cem metros, na expectativa de arroz-doce para a sobremesa. Depois, a meio do rio e em frente ao Cais do Sodré, por pouco não colidia com um submarino que rumava ao Alfeite fora de mão.. Quase a passar sob um dos pilares da Ponte 25 de Abril, não faltou muito para ser atingido por um isqueiro, atirado lá de cima por algum fumador exasperado. Foi a partir daí que começou a caça ao homem pelos predadores marinhos. Quando já se imaginava triturado nas entranhas de um dos monstros, sentiu a mão salvadora do mestre do cacilheiro do percurso Belém-Trafaria, a içá-lo para bordo. No meio dos aplausos, das felicitações e com um cobertor a cobri-lo, perguntou de imediato a um sujeito que lia a Visão se "já se sabia mais alguma coisa da cadeira eléctrica?". O homem abanou a cabeça desalentado "Nada. Continua sem aparecer. E enquanto você andava para aí a banhar-se, desapareceu também uma torradeira novinha em folha!! Trabalho de algum pedófilo, claro..."
Almada, 2008. Texto, tela e foto de Alberto Oliveira.