NAQUELA MANHÃ ACONTECEU UMA NUVEM

De muito cedo - por via das primeiras sensações emanadas das papilas gustativas, que Gustavo dos Divinos Paladares (filho de pais ligados ao negócio da restauração) detestou castanhas. Tinha bem presente o momento, que aconteceu quando, ainda menino, a sua tia Cesaltina das Doces Receitas lhe meteu uma na boca, descascada e crua. Nunca mais esqueceu o sabor acre da segunda pele daquele fruto, jurando (aos cinco anos já demonstrava firmes convicções) nunca mais lhes tocar. Apesar das constantes solicitações e desafios (no lombo de porco assado e acompanhado pelas ditas, pedia "sem castanhas e mais batatas") e admitindo que nos dias mais frios do ano, os carrinhos fumegantes contribuiam para dar um certo colorido às zonas pedonais urbanas, chegou aos dias de hoje mantendo a promessa. Naquela manhã cinzenta e a adivinhar chuva, na praça daquela cidade apenas três pessoas: a vendedora dando as costas ao fotógrafo na faina da assadura, a menina sentada no banco e baixando o olhar ao cenário que a imagem nos revela, e ele, convicto que tinha ali alguém do mesmo sentir e paladar que o seu. Por isso não se conteve "então pelos vistos, também os teus olhos não sorriem às castanhas?!" A criança ergueu a cabeça e não se mostrou surpreendia pela interpelação não se esquecendo contudo, dos avisos paternos de não alimentar conversas com homens com castanhas a estalar nos bolsos... o que não era o caso. "Não senhor. Estou apenas à espera que a nuvem que sái da caçarola aumente de tamanho e não permita que os pombos façam os voos programados e me caguem a roupa como é habitual."
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Nota: Não pretendendo enganar ninguém, e antecipando-se a algumas vozes que porventura afirmem a pés juntos que "há mais gente no cenário", o autor confirma o que deixou expresso no texto e acrescenta que não será a primeira vez nem a última que alguns figurantes abandonam (sem a devida permissão) outros textos que já são passado e se passeiam por aqueles que o autor trata no presente. O assunto está a decorrer nos canais de justiça competentes e será tratado com a celeridade do costume.
2010. Texto e foto de Alberto Oliveira.