PAUSA PARA GEOMETRIZAR (9)

A chuva batia com violência nos vidros da janela rectangular, acompanhada de quando em vez por clarões dos quais, mesmo cerrando os olhos se percebia a sua presença fugaz, seguidos de estrondos metálicos repercutidos pelos céus, preenchidos de ameaçadoras e negras nuvens. Nas paredes nuas do quarto, as cores trágicas de um calendário com uma reprodução marinha e invernosa de Turner, ameaçando tempestade para breve, marcavam a excepção à regra, quebrando a monotonia do branco esmaecido da pintura que já teria conhecido melhores tempos. Aos dias do mês de Janeiro, tinha-lhes posto fim assinalando-os com uma linha em diagonal bem visível e os de Fevereiro iam pelo mesmo caminho, mas desta vez com um círculo à volta dos respectivos dígitos. Para Março, havia pensado que seria de boa política representativa, a vez dos triângulos. Em Abril, talvez se decidisse pelos losangos, voltaria às linhas em Maio - duas paralelas - e a partir desse mês retiraria o calendário da parede, substituindo-o por um outro - desta vez a imagem de uma obra de Van Gogh - com girassóis enormes e o traço do horizonte alaranjado e escaldante. Nesse, e na esperança vã de os dias renderem muito mais que as vinte e quatro horas da praxe, não assinalaria o fim de mais um dia com símbolos planos geométricos. Por essa altura, dedicar-se-ia aos sólidos: cilíndricas e doces tortas à base de ovos e cones de baunilha atestados de gelado de natas e tiramissú .
2010. Texto e foto de Alberto Oliveira.