
Não querendo correr riscos, tinha estudado ao pormenor esta sua primeira vinda à feira. Mas a verdade é que a coisa não começou da melhor maneira, pois quando chegou, o único lugar que não estava ocupado situava-se bem longe da zona nevrálgica do evento: digamos que se encontrava onde a feira se iniciava, para os que entravam por ali, ou terminava para aqueles que dela se despediam ... Abriu o pano preto aveludado - com algumas nódoas bem visíveis que teria de ter o cuidado de cobrir com os objectos expostos, estendendo-o sobre as pedras irregulares do passeio. Depois retirou um papel de um dos bolsos do blusão e consultando-o amiudadas vezes foi distribuindo os objectos que tinha trazido de casa. Era nesta montagem que apostava o êxito do seu negócio. Numa primeira fila ao comprimento do pano, alinhou (por esta ordem) os livros A Felicidade Conjugal de Tolstoi, À Beira do Abismo de Chandler (da colecção Vampiro), Gabriela Cravo e Canela de Amado e Vidas Secas de Graciliano. Voltou a guardar na sacola Angústia Para o Jantar de Sttau Monteiro, não fosse o diabo tecê-las, substituindo-o pela Feira Cabisbaixa de Alexandre O´Neill... A fila seguinte foi dedicada aos albuns em vinil produzidos: But Seriously de Phil Collins, Achtung Baby dos U2, Cantigas de Maio do Zeca, O Despertar dos Alquimistas de Fausto e o Canto da Boca ("é terça-feira, feira da ladra... ") de Sérgio Godinho. Ia jurar que tinha clientes para o Trio Odemira, mas não se aventurou. Na terceira e última fila, notas e moedas. Das de mil escudos em papel, de dona Maria II, às cunhadas de vinte e cinco tostões da "Caravela". «Do século vinte e um, tem alguma coisa?» perguntou o primeiro potencial cliente a Alfredo Legível «Tenho o Papel de Fantasia. Quer dar uma vista de olhos?»
2009. Texto e foto de Alberto Oliveira.