FEIRA DA LADRA
Não querendo correr riscos, tinha estudado ao pormenor esta sua primeira vinda à feira. Mas a verdade é que a coisa não começou da melhor maneira, pois quando chegou, o único lugar que não estava ocupado situava-se bem longe da zona nevrálgica do evento: digamos que se encontrava onde a feira se iniciava, para os que entravam por ali, ou terminava para aqueles que dela se despediam ... Abriu o pano preto aveludado - com algumas nódoas bem visíveis que teria de ter o cuidado de cobrir com os objectos expostos, estendendo-o sobre as pedras irregulares do passeio. Depois retirou um papel de um dos bolsos do blusão e consultando-o amiudadas vezes foi distribuindo os objectos que tinha trazido de casa. Era nesta montagem que apostava o êxito do seu negócio. Numa primeira fila ao comprimento do pano, alinhou (por esta ordem) os livros A Felicidade Conjugal de Tolstoi, À Beira do Abismo de Chandler (da colecção Vampiro), Gabriela Cravo e Canela de Amado e Vidas Secas de Graciliano. Voltou a guardar na sacola Angústia Para o Jantar de Sttau Monteiro, não fosse o diabo tecê-las, substituindo-o pela Feira Cabisbaixa de Alexandre O´Neill... A fila seguinte foi dedicada aos albuns em vinil produzidos: But Seriously de Phil Collins, Achtung Baby dos U2, Cantigas de Maio do Zeca, O Despertar dos Alquimistas de Fausto e o Canto da Boca ("é terça-feira, feira da ladra... ") de Sérgio Godinho. Ia jurar que tinha clientes para o Trio Odemira, mas não se aventurou. Na terceira e última fila, notas e moedas. Das de mil escudos em papel, de dona Maria II, às cunhadas de vinte e cinco tostões da "Caravela". «Do século vinte e um, tem alguma coisa?» perguntou o primeiro potencial cliente a Alfredo Legível «Tenho o Papel de Fantasia. Quer dar uma vista de olhos?»
2009. Texto e foto de Alberto Oliveira.
33 Comments:
Vende-se o passado, vende-se o presente e sabota-se o futuro?...
Isso cheira-me a esturro!...
O Alfredo que lhe venda o papel queimado no século vinte e um...
Mas que viagem!
A minha, aos tempos de adolescente para ganhar uns cobres para depois torrar nos Porfirios ou num Sábado no Charlie Brown.
Voltei (muitos) anos mais tarde. Mas tinha perdido o encanto do desordenado e da quinquilharia. É que entrei pelo Séc.XXI.
PS: Respondendo-te: Institua-se o dia do Legível. Eu subscrevo.
Daqui a um século estará alguma loja de antiguidades a vender o Papel de Fantasia por uma fortuna...:)
bjitos
Compro...
Angústia para o Jantar.
Bj
Sr. Alfredo vossemecê a vender papel e eu a vender café torrado
e já em segunda mão!
Vê-se mesmo que chegou a crise,
que estamos em recessão!
Há posts para troca? :)
Beijos, finos e sorrisos!
Negócio do futuro, pois claro, pois fantasia é coisa que não falta ao Sr. Legível, e aos papéis andamos nós todos...
A exposição-venda do nosso passado colectivo deixou-me um bocadito deprimida!
Remato esse «O Papel da Fantasia»: económico e de boa qualidade!
Eu estou com a Justine!
Ainda fiduei mais deprimida...
Abraço
A feira da Ladra, para mim, é como as Festas dos Santos Populares: um desejo por realizar!
Boa semana.
Pois, pois, mas é que na Ladra é suposto encontrarem-se peças únicas, daquelas que já não se fazem, não é verdade? Lá estará então o tal Papel... ;)
podes não acreditar, mas gosto dos trio odemira, acho aquela canção do passarinho das coisas mais lindas da música portuguesa, queres que cante? (e claro que eu levava o papel de fantasia para casa!) beijinho grande, alberto :)
amigo legível, se por acaso ainda estiver disponível, gostaria de ficar, seja a que preço for, com o "papel de fantasia". e, já agora, levo também as vidas secas à beira do abismo e, triste, solitária e final, despeço-me com um imenso adeus.
marradinhas amistosas
O que Alfredo não disse logo é que, para tornar legível a escrita de fantasia do papel, era preciso comprar uma lente, supostamente do seu trisavô míope, pela módica quantia de trezentos e vinte cinco euros. Dito isto, o presunto cliente exclamou: "pernas para que vos quero" e, sem delas esperar resposta, meteu-as a caminho, claudicando, Santa-Clara abaixo.
Malgré tout, que é como quem diz, não há fome que não dê em fartura, boas vendas, Alfredo!
mas esse papel de fantasia dará para entrar num leilão? claro que não porque as palavras fogem
Boa!
Quase me aventurava por lá!
Bjs
Amigo
fizeste-me recordar quantas e quantas voltas pela Feira da Ladra; trabalhei mesmo nesse espaço que todas as 3ª feiras e sábados se enchia de gente de todas as raças e credos, que se misturavam com o barulho dos discos a tocar, enfim...
Votos de boa semana.
A colecção Vampiro parece ser interessante ;)
Abraço.
És inesgotável. O pormenor significativo, subtil como sempre.
Eu vou lá de vez em quando, confesso. Comprei uma mala a imitar crocodilo que é um estoiro. E a um preço que nem lhe conto. A desgraçada que ma vendeu estava cá com uma urgência. Ai,ai...
Muito boas tardes, senhor Legível.
Nesta banca é que se encontra o verdadeiro significado de "nada se perde, tudo se transforma"!
p.s. olha que esse vinil dos U2... se eu tivesse passado por lá tinha-o trazido!
Legível,
É uma feira e peras. Fico, decididamente, com o Chandler. Papel de fantasia já tenho por aqui... é questão de ir passando.
Ah, e umas "caravelazitas" também comprava.
Enfim, gostei da experiência. Como gosto da feira.
Oh Alfredo, não queres ir ali beber um café ao quiosque? :)
Beijinhos
Para o papel de fantasia, pode sempre optar por um leilão, também tanto quanto sei, muito em voga nos dias de hoje. Quer apresentar uma base para as licitações? eu arriscar-me-ia a licitar para ficar com ele! beijo e abraço. com amizade. Azul.
já leu o meu último carmim? faça-me lá esse jeitinho sim? lol obrigada. até breve.
._____querido Alberto
"Feira da Ladra" faz parte da tradição da nossa cidade - Lisboa
e com a crise que está____por certo garantida está:=)
_______adoro a tua forma de__________"contar"
beijO_____ternO
Aplausossssssssssssssss!
Ah se vires o Alfredo Legível na próxima feira reserva-me o Papel de Fantasia se faz favor.
A semana passada não te arderam as orelhas? falou-se de ti num almoço de blogers a 4 e concordaram todos comigo: a tua imaginação é um espanto!
Beijo L.
Fosse este país uma verdadeira
feira da ladra
estariam melhor as finanças
Estão a dar cabo da tradição
os magalhães com erros
de navegação
E??? Sempre o miraste ele sempre te mirou? Ou não? Ou mais ou menos???
há uns dois anos que lá não vou. tenho que tirar um sábado para ir, mas ainda não vai ser amanhã.
amar-ei tudo
o que ladra? :)
[ tudo o que faz sons in
trad?uzados :)
beijo
~
Quanto custa? Dá para regatear?
Mal o cliente tirou o livro de cheques do bolso do armani, Alfredo esticou-lhe a sua bic cristal, semicerrando os olhos para imaginar o sol quente das Caraíbas a entrar-lhe pela pele. Mas um grito do Papel fê-lo levantar a cabeça até à torre ...lá em cima, ameaçando incendiar-se com o isqueiro que roubara a Nin, Papel gritava com letra 72 e a negrito "Os amigos não se vendem!". Depois accionou o isqueiro.
Publicidade Enganosa! Tem o Fred Legível Livro de Reclamações? É que o Papel é do século XXII.
(consta por aí, que amanhã, na Ladra, vai estar à venda a Taça Lucílio, que as taças a brincar destoam)
...despojos de uns tranformam-se em tesouros de outros...na feira da ladra...trocam-se pedaços de vida usados como aquela minha adorada colecção de Tio Patinhas, lidos à luz da lanterna debaixo dos lençóis...(meus adorados livros do Tio Patinhas) E lá vamos nós sempre para qualquer lado, largando o lastro que nos prendia a um outro tempo....
Eu tenho por aqui umas gargalhadas usadas mas em muito bom estado , estari tu disposto a trocá-las por meia dúzia de folhas de papel fantasia?
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