Tuesday, February 10, 2009

DO OUTRO LADO DA ESCRITA









"Hoje cheguei até aqui com a honesta intenção de te confessar que me sinto dividido. Sabendo ambos, até à exaustão, que de honestas intenções está o inferno cheio e que no lugar mais recôndito dos nossos seres guardamos religiosamente alguns pensamentos que dificilmente repartimos com alguém - mesmo aqueles a quem amamos ou juramos fidelidade, foi enorme o grau de dificuldade com que me defrontei ao decidir revelar-te em que consiste tal divisão. Ei-la, para provar a mim próprio que não tenho de me recear. Por um lado faço coro contigo, do sorriso que as minhas palavras te provocam, fazendo-te crer que deste lado vive um sujeito que se encontra de óptimas relações com a existência, quando, na verdade isso não corresponde à realidade pois detesto risinhos e a vida sempre me foi madrasta. Por outro, das vezes que uma frase minha anunciadora de maus presságios ou amores falhados te fazem rolar uma lágrima na face, entristeço-me solidário... mas o que me apetecia mesmo era soltar uma valente gargalhada, porque o fado nunca me seduziu. Dirás tu «Mas este gajo é um sacaninha de alto calibre!» Nada disso. Sou apenas aquilo que queres ouvir e que te dá prazer."

Nem se deu ao trabalho de ler a assinatura - pois reconhecia o estilo de olhos fechados. Encolheu os ombros e foi-se à vida. Que é como quem diz, ao teatro.

2009. Texto e foto de Alberto Oliveira.
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Se não é supersticioso porque dá azar, leia a edição número treze (13) da Minguante


33 Comments:

Blogger Unknown said...

Muito bom!

Emocionante e ambivalente...a convidar a reflectir!

Fez-me lembrar o post da ESSE no blogue "Estrelas Candentes": o do homem palhaço.

Um abraço

11/2/09 18:26  
Blogger JPD said...

Olá Alberto

A ingratidão leva muito tempo a debelar.
É pena.

Estou contigo: o fado também me não seduz.
Aliás, acrescento: o pior que gostar de fado é fingir que se gosta mais do que os "fadistas"!

Vou à vida também!

Um abraço

11/2/09 21:58  
Blogger pin gente said...

bueno, estoy "más mejor bién"
sy no fuera leer el grafite... tus palabras que pondrian enfada contigo.
un saludo, sin cerrar los ojos.
besos

11/2/09 23:04  
Blogger pin gente said...

hay un error - tus palavras me ...

11/2/09 23:05  
Blogger Alien8 said...

O problema aqui, Legível, é que isto também é escrita...

Muito bem intencionada, honesta, reveladora... mas, que diabo, é escrita. E como confessar o outro lado da escrita escrevendo? Nem as aspas te valem!

Este dilema é que me parece "um sacaninha de alto calibre", a mim, que aprecio fado (mas nem todo...).

Tirando esse pormenor, a ideia é excelente e a execução idem aspas (no pun intended!) - e bem ilustrada, sem dúvida. Muito bom!

Um abraço.

12/2/09 00:44  
Blogger lélé said...

Não consegui entender o que está escrito no desenho, mas não me parece muito importante, porque entendi o que escreveste e só consigo dizer: espectacularmente bem escrito e descrito.
Posso, também, afirmar, que o chapéu me serve!...

12/2/09 02:20  
Blogger Joana said...

Olha, sabes o que te digo... que venha diabo e escolha! :)

12/2/09 10:53  
Blogger Alberto Oliveira said...

A frase no grafite é

Não acredites nos que te dizem "isto não é a liberdade".

12/2/09 12:54  
Anonymous Anonymous said...

um texto com estilo inconfundível, dizes bem. só podia ser do "itálico legível".

bem, deixa cá a felina tentar pensar e dizer-te que a escrita tanto revela no que esconde, como esconde no que revela. olha, desculpa, não deu para mais - e até para escrever, apenas, isto, fiquei com os miolos a fumegar. há dias assim...

(a frase... hmmm...não é que me parece reconhecer a caligrafia do gato Poltrão, o grafiteiro, de quem já aqui falei?)


marradinhas amistosas

12/2/09 14:59  
Blogger Justine said...

As palavras são enganadoras, mas os silêncios também. E que fazer, nos momentos de simultênea incapacidade de calar e dizer os afectos?? Acreditar nas palavras sem esquecer que o poeta(e o prosador) são uns fingidores/actores:))

12/2/09 16:32  
Blogger Fragmentos Betty Martins said...

._______querido Alberto





"DO OUTRO LADO DA ESCRITA"



_____nem tudo o que se diz_____é "dizer"


.como os teus textos_____nunca são "uns" simples textos_____...




____________///








beijO_____ternO

12/2/09 17:59  
Anonymous Anonymous said...

é aquilo que quero ler e que me dá prazer :) com toda a liberdade! um beijinho, alberto.

12/2/09 19:42  
Blogger Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) said...

No Papel de Fantasia escreve-se de Liberdade e Prazer. Nos tempos que a humanidade esqueceu estes dois manos eram um só. Agora estão divididos: só há Liberdade sem Prazer, e o Prazer não traz a Liberdade. Como eu estou dividido: eu estou aqui e uma parte de mim não sei onde está. Pode ser que a minha perna também cogite, algures: eu estou aqui e uma parte de mim não sei onde está. E neste vai-vém de as partes se ignorarem mutuamente já nem sei se me servem bem as máscaras com que afronto a vida, se vale a pena consumir-me em sentimento neste desempenho do meu teatro.

13/2/09 00:34  
Blogger lenor said...

«Sou apenas aquilo que queres ouvir e que te dá prazer.»
E aposto que mesmo assim haverá quem quer mais que isso.
Mundo de insatisfeitos!

13/2/09 01:38  
Blogger Rui said...

Ao sair do teatro, Marco Paulo (João Simão, para os íntimos), não resistiu e voltou ao beco. Tinha passado toda a peça a pensar naquilo. Ao sentir o ar fresco da noite, decidiu-se. Tinha também que se confessar. E o único local onde o poderia (conseguiria) fazer, era no beco; olhos nos olhos.
Ao chegar, precisou reunir coragem para falar. Na calada da noite, sem receio de ser escutado, disse: também eu estou dividido..., mas as palavras saíram-lhe nervosas, atrapalhadas. Lembrou-se então do fado gago, do Sérgio Godinho, e arriscou dizer o que queria, cantando: eu tenho dois amores, que em nada são iguais, mas não tenho a certeza, de qual eu gosto mais, uma é loira e acontece entre nós amor ternura tão loira que até parece o sol da minha loucura E etc.

13/2/09 11:56  
Blogger Dennys Silva-Reis said...

Palavras: quase vive por sim só se não as falássemos.

14/2/09 14:19  
Blogger bettips said...

Olhando bem, sinto-me num beco sem saída. A tua imaginação é um delírio e pela boca dos meninos das pichagens vem a verdade.
Essa tão bela palavra adulterada pelo "teatro" que vemos: Liberdade!
Bj

14/2/09 17:31  
Blogger Rosa dos Ventos said...

Andamos todos divididos ou seremos todos mais do que um - unos por um lado, diversos por outro e ainda indecifáveis e legíveis!

Abraço

14/2/09 21:29  
Blogger Mar Arável said...

Quando as palavras vão ao teatro

os actores aplaudem

o texto

14/2/09 21:51  
Blogger Ana Lina said...

Ai, os encantos do faducho! Engraçar palavras para sacar uns sorrisos, enganar o sujeito no predicado!

Serão liberdades? Será o libertino?

Boa malha!

PS: Ora V.Exa dá-se ao Minguante...e a babás au rhum!

15/2/09 05:23  
Blogger Licínia Quitério said...

Do outro lado da escrita ou de ambos os lados do escrevedor? Somos assim...

E as vantagens de te chamares Alberto? Dei logo de caras contigo mal destapei o Minguante. E gostei, claro!

Dois abraços.

15/2/09 12:53  
Blogger Eme said...

fogo, fiquei a conhecer a tua verdadeira natureza. enganaste-me este tempo todo com os beijos e sorrisos e agora que tiraste a máscara.. santizimos! um verdadeiro sacaninha. não me enganes mais, nunca mais. pára de me apontar o dedo quando falas e a partir de agora passa a ser aquilo que realmente és.



beijo, assim ao longe, soprado

15/2/09 18:39  
Blogger Arábica said...

Alberto, ainda bem que aqui puseste o link do Minguante, porque já o tinha perdido de vista...


Era bom que todos os sacaninhas tivessem a coragem de se assumirem antes de serem descobertos.

Mas não são eles os personagens centrais das gandes peças de teatro?

Beijos e risos já de regresso :)

15/2/09 22:15  
Blogger esse said...

Coincidência ou não, encontrei-a ontem no cabeleireiro ...uma lástima ... disse-me que tinhas omitido no texto o envelope (sabias que a carta não era para ela?!!)... Eu lá lhe fui dizendo que não, que te deves ter esquecido e penso que ficou convencida, porque antes de se ir embora lá me disse "Está bem, esqueceu-se ...afinal somos livres, até de nos esquecermos ."

16/2/09 04:58  
Blogger Teresa Durães said...

ora, ora, alguém que diz tudo de rajada

deixo uma gargalhada

16/2/09 17:39  
Blogger Luz said...

Adorei este texto, muito bom. :)

Bjinhos

17/2/09 19:21  
Blogger ~pi said...

espelhação

( ai lágrima que rola de teatro

cheia :)





beijo






~

17/2/09 21:01  
Blogger casa de passe said...

andamos completamente divididos
(e nos que o digammos!)


Loulou

17/2/09 21:55  
Blogger Fá menor said...

Gostei do jogo de palavras. Teatro à mistura com vida!

Beijos

18/2/09 15:46  
Blogger Ruela said...

O meu irmão gémeo ;)

Abraço.

19/2/09 20:16  
Blogger Ruela said...

13

então estou mal ;)

fui feito a 13 e nasci a 13...

nem continuo dava uma história dos diabos.

19/2/09 20:20  
Blogger Madalena said...

... Se se foi ao Teatro (ao Bom teatro) saiu pior. porque o teatro é o Crescente da Vida...

Muito bem escito.


Bjs.

M

19/2/09 21:54  
Blogger vieira calado said...

Olá, boa noite!

Passei para por-me ao corrente das novidades

e deixar


cumprimentos.

4/3/09 23:04  

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