DO OUTRO LADO DA ESCRITA
"Hoje cheguei até aqui com a honesta intenção de te confessar que me sinto dividido. Sabendo ambos, até à exaustão, que de honestas intenções está o inferno cheio e que no lugar mais recôndito dos nossos seres guardamos religiosamente alguns pensamentos que dificilmente repartimos com alguém - mesmo aqueles a quem amamos ou juramos fidelidade, foi enorme o grau de dificuldade com que me defrontei ao decidir revelar-te em que consiste tal divisão. Ei-la, para provar a mim próprio que não tenho de me recear. Por um lado faço coro contigo, do sorriso que as minhas palavras te provocam, fazendo-te crer que deste lado vive um sujeito que se encontra de óptimas relações com a existência, quando, na verdade isso não corresponde à realidade pois detesto risinhos e a vida sempre me foi madrasta. Por outro, das vezes que uma frase minha anunciadora de maus presságios ou amores falhados te fazem rolar uma lágrima na face, entristeço-me solidário... mas o que me apetecia mesmo era soltar uma valente gargalhada, porque o fado nunca me seduziu. Dirás tu «Mas este gajo é um sacaninha de alto calibre!» Nada disso. Sou apenas aquilo que queres ouvir e que te dá prazer."
Nem se deu ao trabalho de ler a assinatura - pois reconhecia o estilo de olhos fechados. Encolheu os ombros e foi-se à vida. Que é como quem diz, ao teatro.
2009. Texto e foto de Alberto Oliveira.
......................................................................................................Se não é supersticioso porque dá azar, leia a edição número treze (13) da Minguante
33 Comments:
Muito bom!
Emocionante e ambivalente...a convidar a reflectir!
Fez-me lembrar o post da ESSE no blogue "Estrelas Candentes": o do homem palhaço.
Um abraço
Olá Alberto
A ingratidão leva muito tempo a debelar.
É pena.
Estou contigo: o fado também me não seduz.
Aliás, acrescento: o pior que gostar de fado é fingir que se gosta mais do que os "fadistas"!
Vou à vida também!
Um abraço
bueno, estoy "más mejor bién"
sy no fuera leer el grafite... tus palabras que pondrian enfada contigo.
un saludo, sin cerrar los ojos.
besos
hay un error - tus palavras me ...
O problema aqui, Legível, é que isto também é escrita...
Muito bem intencionada, honesta, reveladora... mas, que diabo, é escrita. E como confessar o outro lado da escrita escrevendo? Nem as aspas te valem!
Este dilema é que me parece "um sacaninha de alto calibre", a mim, que aprecio fado (mas nem todo...).
Tirando esse pormenor, a ideia é excelente e a execução idem aspas (no pun intended!) - e bem ilustrada, sem dúvida. Muito bom!
Um abraço.
Não consegui entender o que está escrito no desenho, mas não me parece muito importante, porque entendi o que escreveste e só consigo dizer: espectacularmente bem escrito e descrito.
Posso, também, afirmar, que o chapéu me serve!...
Olha, sabes o que te digo... que venha diabo e escolha! :)
A frase no grafite é
Não acredites nos que te dizem "isto não é a liberdade".
um texto com estilo inconfundível, dizes bem. só podia ser do "itálico legível".
bem, deixa cá a felina tentar pensar e dizer-te que a escrita tanto revela no que esconde, como esconde no que revela. olha, desculpa, não deu para mais - e até para escrever, apenas, isto, fiquei com os miolos a fumegar. há dias assim...
(a frase... hmmm...não é que me parece reconhecer a caligrafia do gato Poltrão, o grafiteiro, de quem já aqui falei?)
marradinhas amistosas
As palavras são enganadoras, mas os silêncios também. E que fazer, nos momentos de simultênea incapacidade de calar e dizer os afectos?? Acreditar nas palavras sem esquecer que o poeta(e o prosador) são uns fingidores/actores:))
._______querido Alberto
"DO OUTRO LADO DA ESCRITA"
_____nem tudo o que se diz_____é "dizer"
.como os teus textos_____nunca são "uns" simples textos_____...
____________///
beijO_____ternO
é aquilo que quero ler e que me dá prazer :) com toda a liberdade! um beijinho, alberto.
No Papel de Fantasia escreve-se de Liberdade e Prazer. Nos tempos que a humanidade esqueceu estes dois manos eram um só. Agora estão divididos: só há Liberdade sem Prazer, e o Prazer não traz a Liberdade. Como eu estou dividido: eu estou aqui e uma parte de mim não sei onde está. Pode ser que a minha perna também cogite, algures: eu estou aqui e uma parte de mim não sei onde está. E neste vai-vém de as partes se ignorarem mutuamente já nem sei se me servem bem as máscaras com que afronto a vida, se vale a pena consumir-me em sentimento neste desempenho do meu teatro.
«Sou apenas aquilo que queres ouvir e que te dá prazer.»
E aposto que mesmo assim haverá quem quer mais que isso.
Mundo de insatisfeitos!
Ao sair do teatro, Marco Paulo (João Simão, para os íntimos), não resistiu e voltou ao beco. Tinha passado toda a peça a pensar naquilo. Ao sentir o ar fresco da noite, decidiu-se. Tinha também que se confessar. E o único local onde o poderia (conseguiria) fazer, era no beco; olhos nos olhos.
Ao chegar, precisou reunir coragem para falar. Na calada da noite, sem receio de ser escutado, disse: também eu estou dividido..., mas as palavras saíram-lhe nervosas, atrapalhadas. Lembrou-se então do fado gago, do Sérgio Godinho, e arriscou dizer o que queria, cantando: eu tenho dois amores, que em nada são iguais, mas não tenho a certeza, de qual eu gosto mais, uma é loira e acontece entre nós amor ternura tão loira que até parece o sol da minha loucura E etc.
Palavras: quase vive por sim só se não as falássemos.
Olhando bem, sinto-me num beco sem saída. A tua imaginação é um delírio e pela boca dos meninos das pichagens vem a verdade.
Essa tão bela palavra adulterada pelo "teatro" que vemos: Liberdade!
Bj
Andamos todos divididos ou seremos todos mais do que um - unos por um lado, diversos por outro e ainda indecifáveis e legíveis!
Abraço
Quando as palavras vão ao teatro
os actores aplaudem
o texto
Ai, os encantos do faducho! Engraçar palavras para sacar uns sorrisos, enganar o sujeito no predicado!
Serão liberdades? Será o libertino?
Boa malha!
PS: Ora V.Exa dá-se ao Minguante...e a babás au rhum!
Do outro lado da escrita ou de ambos os lados do escrevedor? Somos assim...
E as vantagens de te chamares Alberto? Dei logo de caras contigo mal destapei o Minguante. E gostei, claro!
Dois abraços.
fogo, fiquei a conhecer a tua verdadeira natureza. enganaste-me este tempo todo com os beijos e sorrisos e agora que tiraste a máscara.. santizimos! um verdadeiro sacaninha. não me enganes mais, nunca mais. pára de me apontar o dedo quando falas e a partir de agora passa a ser aquilo que realmente és.
beijo, assim ao longe, soprado
Alberto, ainda bem que aqui puseste o link do Minguante, porque já o tinha perdido de vista...
Era bom que todos os sacaninhas tivessem a coragem de se assumirem antes de serem descobertos.
Mas não são eles os personagens centrais das gandes peças de teatro?
Beijos e risos já de regresso :)
Coincidência ou não, encontrei-a ontem no cabeleireiro ...uma lástima ... disse-me que tinhas omitido no texto o envelope (sabias que a carta não era para ela?!!)... Eu lá lhe fui dizendo que não, que te deves ter esquecido e penso que ficou convencida, porque antes de se ir embora lá me disse "Está bem, esqueceu-se ...afinal somos livres, até de nos esquecermos ."
ora, ora, alguém que diz tudo de rajada
deixo uma gargalhada
Adorei este texto, muito bom. :)
Bjinhos
espelhação
( ai lágrima que rola de teatro
cheia :)
beijo
~
andamos completamente divididos
(e nos que o digammos!)
Loulou
Gostei do jogo de palavras. Teatro à mistura com vida!
Beijos
O meu irmão gémeo ;)
Abraço.
13
então estou mal ;)
fui feito a 13 e nasci a 13...
nem continuo dava uma história dos diabos.
... Se se foi ao Teatro (ao Bom teatro) saiu pior. porque o teatro é o Crescente da Vida...
Muito bem escito.
Bjs.
M
Olá, boa noite!
Passei para por-me ao corrente das novidades
e deixar
cumprimentos.
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