Friday, December 05, 2008

O ELEVADOR AMARELO


Confesso que os preferia azuis - aos elevadores, para quando chegados "lá ao cimo" se confundissem com o céu da mesma cor, naturalmente em dias mais claros que este em que vos escrevo: cinzento, molhado e frio. Também por isto, os elevadores azuis apenas deviam funcionar em dias de estio e sem a previsão de uma única nuvem na chegada ao topo da viagem. Ao sairem da máquina, os passageiros sentir-se-iam gratos por terem alcançado o ponto de confluência entre o azul-terreno e o azul-celeste, pelo módico preço do simples título de transporte de um transporte público. Depois e no meio de oh!´s de espanto e ah!´s de deslumbre, cada um decidiria do seu destino: dar um passo em frente e passar umas férias em tal paraíso azul-altíssimo ou regressar à terra-baixa com um sorriso amarelo num elevador da mesma cor. Maria da Luz do Espírito Santo - do seu nome de guerra Mariluz, prescinde do ascensor e sobe em esforço a calçada íngreme a penantes, pois a sua fé é inabalável: der por onde der "lá no alto" deve estar tudo azul à sua espera. Manecas Olho d´Lince e Arnaldo Mão Leve sabem que "para baixo todos os santos ajudam" e quando atingem os Restauradores olham enlevados o Castelo de São Jorge iluminado por uma larga fatia de sol como que enfeitiçando turistas louros e desprevenidos.

2008. Texto e vídeo de Alberto Oliveira.

29 Comments:

Blogger Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) said...

Perdi o Li Sai Só. Vi-o a afastar-se no elevador da Glória, todo sorriso amarelo a mimetizar-se nos elevadores supostamente azuis da Calçada. Lá em cima deu umas passadas curtas com os seus pés atrofiados e sumiu-se nos escaninhos da Travessa da Água da Flor. Ainda o ouvi dizer, na sua voz de falinhas mansas, com palavras a escorrerem-lhe da boca como uma baba purulenta de lesma a arrastar-se pelo chão: "Kum Kamandro!... Kum kamandro!"

E foi assim que fiquei só a pensar como seria uma viagem de elevador até ao céu, com santos de um lado, cegetas e manetas, e virgens do outro, boas como milho. E como tais pensamentos não andavam nem desandavam, caí de repente na terra, lúcido como a tromba de água que me assentava como uma luva na tromba molhada. E não percebi porque o motorista de taxi me claxonava e agitava belicamente a mão no ar como se eu fosse um castelhano tresmalhado. Desci a correr a Calçada e só parei nos Restauradores a olhar para um lado e para o outro a ver se identificava conjurados mas só vi o Manecas Olho d´Lince e o Arnaldo Mão Leve a tirarem fotografias ao falo gigante erguido no meio da Praça. Pensei: "isto hoje está-me a calhar mal. Ainda se andasse para aí a Mariluz podíamos ir dar uma volta ao Chiado, gastar meias solas no Grandela à procura de sapatos de verniz ou de pele de crocodilo. Lagarto! Lagarto! desci ao Largo da Trindade, passei na Rua do Alecrim a rezar entre dentes para não ceder à tentação de entrar na tasca dos Hunos, respirei de alívio quando cheguei à Praça de S. Paulo, meti pela Rua dos Remolares, vagabundeei atrás da bunda de uma ucraniana de salto alto que era cá um sobressalto até chegar à Rua de S. Paulo e esquinar para a Calçada da Bica Grande. Esperei pelo elevador, dormi em branda ascenção no elevador e só acordei na Rua das Chagas. Estremunhado, entrei numa loja de vinhos licorosos que para ali havia e dei de caras com Li Sai Só a mostrar-me o teclado amarelo armado de ponta a ponta naquela cara amarela num dia amarelo em que todos os elevadores me pareceram amarelos.

6/12/08 01:05  
Blogger Lóri said...

Lisboa fica ainda mais deliciosa do que já é, Sinhorescrivão, quando te dá para essas coisas. Ainda que o Arnaldo Mão Leve possa nos estragar o dia, vez por outra, a tentar saber o que vai dentro, não do nosso coração, mas da nossa carteira!

Beijos de um Cá igualmente cinzento, mas com temperaturas que dão direito a frente-única e janela do carro aberta à meia-noite.

6/12/08 03:23  
Blogger **Viver a Alma** said...

oláaaaaa!
Como vai?
Não me diga que se escusou de dar um ar da sua graça lá para as minhas bandas...
pensava eu que tinha ficado tudo mais que esclarecido...afinal...
Bom...vamos ver se vou continuar a ter o prazer dos seus comentários...
Quanto a este elevador, foram mais as vezes que subi e desci a pé, como a Maria de Lourdes do Espírito Santo, do que propriamente de eléctrico...
Estive algum tempo no Palácio dos Viscondes da Foz, e ainda...residi 5 anos num prédio acabadinho de construir na altura, no Bairro Alto.
Encontrava-me ainda com outros jornalistas num saboroso jantar na Rua do Século...no Snob!
portanto, conheço bem demais essa zona....por familiar, na altura...Já lá vão 15 anos.
Deixo-lhe o abraço de sempre, caso queira aceitá-lo.
Mariz

6/12/08 03:49  
Blogger Lyra said...

Que saudades!!!

Decididamente gosto muito de te ler!

Um excelente fim-de-semana para ti.

Beijinhos e até breve.


;O)

Lyra

6/12/08 18:43  
Blogger Li said...

Se por um lado os elevadores azuis se confundem com o azul do céu, por outro lado os amarelos confundem-se com os raios de sol...e nesta perspectiva deveriam ser metade de cada cor...haviam de ficar giros...:D

bjitos

6/12/08 22:02  
Blogger ~pi said...

as saudades que eu tenho dessas ruas!

é incrível ter saudades de

cidades elevadores e rampas,

mas é verdade que senti! :)

mas o que gosto mesmo é da zona circundante do castelo,

dos miradouros, aí onde lisboa me parece pequena e mais vestida por casinhas e pessoas!

maria da luz está a pensar nas calorias, acho, e parece estar a ir decidida e muito bem!

os enfeitiçadores de serpentes, enfim, acho que, aqui ou ali, têm sempre o dia ganho! :)



beijO

6/12/08 23:26  
Blogger lélé said...

Concordo com a Lilipat. É bom que estes aparelhos sejam amarelos, pelo menos no inverno, para que, reflectindo a luz solar, as pessoas não se esqueçam de que o sol brilha mais do que as nuvens...

7/12/08 01:30  
Blogger bettips said...

(abençoados dois que se conheceram na bela arte da esgrima de palavras!!!)
En garde... Messieurs, faites vos jeux!

A mim me pareceu "Um Eléctrico Chamado Desejo", esse do azul legível no céu.
Os dois marmanjos de olho e mão rápidos, dirigem-se para S. Bento, vão dar uma mãozinha e uma arranhadela nas várias comissões. De obras.
Beijinhos aí
(soube que até têm azulão na margem sul... ai o progresso que nos vem do oriente; não foi a Sang e o Sung que se juntaram? só podia dar em enlevo!
Sim que o olhar se enleva...)

7/12/08 01:33  
Blogger Licínia Quitério said...

O azulinho
sobe que sobe
sobe a calçada
encontra a Micas
dá-lhe boleia

Que grande ideia
meu rico filho
leva-me ao céu
da passarada

Já na descida
vira amarelo
sem mais aquela
o Zé das Migas
salta-lhe ao estribo
um pé de fora
uma cuspidela

e o resto?
o resto, amigo,
são só cantigas

7/12/08 09:49  
Blogger JPD said...

Olá Alberto

Um belíssima proposta.
Esteticamente, o azul, sendo fulgurante, facilitaria o acesso ao «Excelso!»

Recentemente, excluindo o Elevador do Lavra, fiz a rota dos elevadores de Lisboa, com uma curta paragem com "elas" na Ginginha do Rossio.
Já repasraste nas quadras à porta da «Ginginha»?
Foi magnífica!

Se há coisa que não me canso á de aconselhar, para roteiro em Lisboa, um passeio (pelos)(de) elevadores, com terminus em Belém nos incontornáveis pasteis.

Belíssima crónica.

Um abraço.

7/12/08 16:02  
Blogger pin gente said...

ah! mas amarelo é a minha cor favorita.

um abraço
luísa

7/12/08 22:11  
Blogger dona tela said...

Desculpe, mas ando com pouca inspiração.

Bom dia para si.

8/12/08 10:20  
Blogger Arábica said...

...saiu a correr do banco com um cabo de 5 fios à volta da cintura, uma resma de papel virgem na bolsa, uma caneta escondida na orelha e um barco de papel na algibeira...desceu a Avenida da Liberdade num pé e, com o outro, escolheu uma cadeira de esplanada ali mesmo ao virar da esquina, para estudar quadrantes e outras artes de marear a todo o vapor, sem perigo de naufragar...

Já quase noite, sobe meia rampa, fôlego mais curto que a perna, desenrola o cabo e brinca com os nós dos marinheiros que nunca ha-de aprender a navegar :)). Leva nos olhos o azul do mar.

( foi exctamente nessa rua que fiz a minha carta de marinheira :)) boas recordações, Alberto, boas recordações!!)

E já tenho net :))

Beijos e sorrisos :))

8/12/08 10:49  
Anonymous Anonymous said...

amigo legível,
venho por em dia a minha leitura do teu blog, e não é que deparo com o elevador da glória, subindo a calçada do mesmo nome, que a minha Humana, um dia de verão já bastante longínquo, desceu, depois de um passo em falso, aos trambolhões e espalhando o conteúdo do saco que levava a tiracolo?

quanto a mim, gosto da ideia de um elevador azul mas preferia um que tivesse largada de passageiros nas nuvens.

marradinhas amistosas

8/12/08 11:29  
Blogger Justine said...

...mas infelizmente estamos mais em tempo de amarelos - devem ter saltado ali de baixo!
Quanto à Mariluz, fez-me lembrar a Luisa que subia a Calçada de Carriche(Luisa sobe, sobe a calçada...), mas acho que as canseiras não eram bem da mesma natureza...
(Mais um "gandafilme" de ironia fina:))

8/12/08 15:51  
Blogger Alien8 said...

Gostei muito da confusão do insustentável azul dos elevadores com o eventual azul celeste, é certo, mas confesso que os prefiro amarelos. Desde que funcionem, que não sou de subidas (O Manecas e o Arnaldo - e o coveiro! - que o digam).

E a Celeste, já agora? Sobe que sobe, como a Luz (e a Luísa)?

Em todo o caso, admito que o preço do acesso ao paraíso é baratíssimo. Está bem que se vai de transporte público, mas parece que se consegue chegar, e isso é que importa. Assim sendo, vou criar aqui um ponto de confluência entre o amarelo da Carris e o azul do céu, e aí desenho um portal.

Um abraço.

9/12/08 00:09  
Blogger Paula Crespo said...

"... lá no alto deve estar tudo azul à sua espera". Assim é que é pensar! :)

9/12/08 00:23  
Blogger Joana said...

Sempre que vejo a calçada da glória, vem-me à "alembradura" uma distinta senhora a declamar "Sobe que sobe a calçada...", o que agora até eu poderia declarar com ainda mais estilo, modéstia a parte!...
Por isso fico-me só a cantarolar... o amarelo da carris, já teve um irmão outrora que era o chora, teve um pai americano, foi inglês por muito ano, só é português agora... tlim-tlim!

p.s. juro que esta parte do fado eu sei de cor! :)
Estás mais que perdoado pelo atraso, isso não conta, o conta é que recebi muitos sorrisos! Obrigada Bjs!

9/12/08 00:52  
Blogger Teresa Durães said...

e com uma boa orientação abrir-se-ão as portas do céu!

9/12/08 10:10  
Blogger A Lusitânia said...

amarelo anda o meu sorriso, mas ainda assim o teu elevador azul me fez lembrar um conto do Ruben A. em que o escriturário ia parar ao céu.
Boa semana para ti ... continuas bem legível

9/12/08 11:31  
Blogger casa de passe said...

olá simpático. vens?

loulou

10/12/08 00:03  
Blogger São said...

Muito bem, Alberto.
Adorei o início, particularmente.
Tudo de bom.

10/12/08 11:19  
Blogger Leonor said...

e não é que apetece apanhá-lo, mesmo amarelo???

eu por mim já lá estava, mesmo sem a visão de turistas louros...

10/12/08 18:53  
Blogger bettips said...

...e quando neste tempo de todas as fantasias - lá fora - o "desfantástico" nos sopra o vidro cortante ...
Bjinhos

11/12/08 17:07  
Blogger A Lusitânia said...

ora pois, mas eu lá venho pedir mais um conselho no meu "Luar" ...
pois os amigos a tanto nos obrigam!

12/12/08 11:51  
Blogger heatchclif said...

o elevador do meu contentamento, pendurava-me nele para ir até lá acima, era uma manobra arriscada, com o cobra bilhetes a tentar apanhar-me.
boas memórias, quando queria mostrar que era tão valente quanto os meninos descalços da Rua da Rosa.
não foi há muito tempo, não.
há cerca de dezoito anos ainda havia meninos descalços.
boa tarde

12/12/08 12:24  
Blogger **Viver a Alma** said...

Salvé Alberto
Já vi que por aqui, anda muito concorrido!! - tal como o elevador.
não me diga não sai daí...porquê? não há luz?
Deixei uma risada lá...como excepção - agora pouco ou nada comento...como vc.
Adeus Alberto, vou dormir
Mariz

13/12/08 07:43  
Blogger L.Reis said...

Caramba! Deu-me uma nostalgia eléctricamarélica (nada de grave) ...há quanto tempo não ponho os pézinhos num...também há muito tempo que não subo uma calçada, a não ser a de Carriche para voltar ao lar, doce,lar... mas isso compreende-se, porque me falta o nome inspirador de fé...sem Luz, nem Espírito, nenhum Santo me dá força para chegar ao azul...nem mesmo ao estridente som dos gritos interiores :Anda Lina,Lina sobe, sobe que sobe, sobe a calçada.

13/12/08 18:22  
Blogger A Lusitânia said...

Corrigi a minha falha. Obrigada pelo seu "reparo"

12/1/09 17:20  

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