Monday, November 17, 2008

A SINA DA CIDADE

O fado da cidade, é dela parecer necessitar do fado que lhe atravessa as entranhas, como do pão para a boca. Doloridas, a música e as palavras vindas de histórias de amores canalhas e paixões indizíveis, cravam-se na calçada portuguesa, deliceram ruas e avenidas e levam às lágrimas becos e travessas. A voz da fadista que preenche o pequeno rectângulo do vídeo, tem a forma de uma guitarra que se confunde e prolonga, nas vozes dispersas dos que, de tão apressados passarem, não lhe sentem as cordas nem lhe ouvem as queixas. Porque é um fado que de tanto se ouvir já não se dá por ele. Apenas a cidade.

....................................................................................................

Além do fado que aqui hoje vos trago, também a Minguante-Revista Online de Microcontos, tem fados para todos os gostos e feitios. Leiam-na "e digam lá (depois) se pode ou não escrever-se o fado".

2008. Texto e vídeo de Alberto Oliveira.

36 Comments:

Blogger Justine said...

Agora é que eu percebi o que dilacera ruas e avenidas da nossa cidade grande - pois então não admira a quantidade de buracos que se vão encontrando por todo o lado!

(e pelos textos divertidos e corridos na minguante é mais fácil escrevê-lo do que cantá-lo...)

17/11/08 20:24  
Blogger JPD said...

Olá Alberto

Lembro-me desta viatura de colecção,na Rua do Carmo, há imenso tempo.

Não consigo lembrar-me se já lá era estacionada antes do incêndio do Chiado.
Lembro-me, sim, que por ali abriam portas muitas editoras e na rua ouvia-se música variada.

Agora resta a teimosia da viatura.
Gosto de passar lá e ouvir.

Um abraço.

17/11/08 21:55  
Blogger ROSASIVENTOS said...

agora folha agora[esquecer perder-se de entrar,


( minguante,



beijo

17/11/08 22:54  
Blogger Ruela said...

atravessa as entranhas sim
principalmente se for de manhã cedo ;)


Abraço.

17/11/08 23:27  
Blogger Lóri said...

Em abril, ia eu à Loja do Gato Preto que fica ali perto e começo a "recitar" baixinho as tabuinhas pra dar de beber à dor junto com a música que saía do carro. Só não sabia que era assim tradicional o carro musical. Que gostosa a lembrança que me trazes!

18/11/08 00:00  
Blogger Li said...

Ai se as pedras da calçada falassem...ou melhor, cantassem...isso é que era um fado...:)

bjs

18/11/08 22:14  
Blogger **Viver a Alma** said...

Salvé Alberto!

Acho que o "tempo" ainda não chegou até si...refiro-me ao verdadeiro tempo - aquele em que as pessoas percebem que não é a busca da distração que serve. Mas eu não quero aí...os blogs também servem para "tentar" passar alguma coisa de sólido, de valoroso, de algo que preenche mais que a Arte - e eu sou uma pessoa ligada ás artes, sei bem do que falo(?).
Bom...agradeço o seu comentário,mesmo que não tivesse gostado do que leu.
E do que ouviu? Também não?
Eu não gosto de fado...é muito chorado, é muito traumáticto. Há no entanto alguns fadistas que aprecio: Mariz, Cá Mané, Carlos do Carmo - de quem fui amiga - e pouco mais... agora estou retirada das lides do palco e não só.

Deixo-lhe um abraço
Mariz

18/11/08 23:25  
Blogger Alberto Oliveira said...

Salvé Mariz!

Não é a primeira vez (e não será a última) que por via da minha reconhecida predilecção pela ironia, se tomam as minhas letras por seríssimas nas desenfreadas paixões em que me envolvo, nas justas causas em que me empenho, nos solidários projectos que defendo, nas angustiantes viagens em que me arrisco, nas alegrias desmesuradas pelo nascimento dos meus trigémeos e por aí fora...
Como diria o outro (que não canta o fado), Cá se Fazem cá se Pagam.
Daí -imagino, ter ficado com a ideia que não gostei de algo que escreveu e comentei. Se não gostar, pode ter a certeza que o direi claramente, chamando a atenção para o facto com a indicação a bould "comentário formal para ser levado a sério. Por Favor Não se Ria."
Folgo imenso por "ser uma pessoa ligada às Artes". Já somos dois neste imenso vale de lágrimas pouco artísticas.
Sobre "os blogs também servirem para tentar passar algo de sólido e valoroso", absolutamente de acordo. Dentro de um registo muito próprio, penso que tenho cumprido esse desiderato ao longo de cerca de seis anos por estas bandas, embora duvide que o reconhecimento público (e porque não estatal?) dificilmente se venha a verificar...

Receba um abraço e dois sorrisos.

19/11/08 00:54  
Blogger lélé said...

Há vozes lindíssimas e muito mais que lindíssimas a cantar o fado. Como é um género de música de que não gosto, pergunto-me se não será um desperdício de vozes... Sou pouco parcial, não sou?
A Minguante é uma iniciativa muito interessante. Obrigada pelo atalho.

19/11/08 01:27  
Blogger Teresa Durães said...

e de mão na anca vai o cantando com o seu xaile preto adquirido na feira da ladra

19/11/08 11:33  
Blogger São said...

Fado não é precisamente a minha paixão e jamais a considerei a canção nacional, claro!
Bom dia.

19/11/08 11:37  
Blogger ~pi said...

pode esc
rever-se e esc
reve-se o fado nas pedras

in
screve-se, vamos assim ficando

fa
dados,
(ao passar, ficamos quase sem hipótese,

e o fado ataca via os
mose e cola-se-nos às plantas dos pés.

( não gosto de fado, quando passo em ruas assim, perseguida de ecos de sons

im
pregnados nas calçadas,

des

calço-me e

sobre

voo :)





BEIJO

19/11/08 13:23  
Blogger Joana said...

Ele há coisas... do destino (não tivessemos nós a falar de fado e dizer que são "do diabo" aqui não fica bem, pois vou dizer uma coisa boa!) eu gosto tanto desta rua, porque nesta rua mora "esta Lisboa que eu amo", sempre, sempre "menina e moça"!
E agora tu foste "Um Homem na Cidade"!
bjs

19/11/08 15:31  
Blogger Paula Crespo said...

Pois eu gosto de fado. Não de todo o fado, claro, mas de muito fado. De vozes cheias, quentes e arrebatadas, que o fado é, quanto a mim, muito difícil de cantar, porque pressupõe muito boas condições vocais, e também de interpretar, porque não dá para fazer corrido... ;)
Quanto à "desdita" da Rua do Carmo, tendo o fado por fundo, acaba por se tornar numa espécie de ladainha na qual já ninguém repara. Pena...
Bjs

19/11/08 15:43  
Blogger pin gente said...

de volta à capital?

um abraço e obrigada
luísa

19/11/08 21:13  
Blogger Cris said...

Deixaste aqui um belo quadro pintado a palavras sentidas...

Não tenho tido tempo de andar muito por aqui... mas tenho sempre no peito um enorme sabor a saudade... é o meu fado!

beijinho doce

20/11/08 01:01  
Blogger Licínia Quitério said...

Mortiço, delirante, vadio, menor ou mouraria - tudo isto existe, tudo isto é fado. Em ti e na cidade que te escreve.

Dá para entender que não és fadista de uma nota só.

Um abraço, Amigo.

20/11/08 16:09  
Blogger Leonor said...

Deve-se falar de Fado, (acho eu, claro). e porque não?

goste-se ou não, existe, reflecte algum sentir português, ou não existiria...

embora não me reveja em tudo o que é cantado, e, naturalmente, em todos os cantores, gosto de algum Fado, há excelentes letras cantadas, e é sempre uma oportunidade para ouvir boas melodias à guitarra portuguesa.

De resto, agora dei mesmo em cantarolar, quando para tal estou virada, em cantar fado para mim mesma, nas mais diversas situações... é um exercício interessante. e alguns momentos, ruas, ocasiões nesta cidade, não os vejo sem o Fado.

Bom fim de semana!

21/11/08 08:54  
Blogger Leonor said...

voltei. pode escrever-se sobre o fado. e pode escrever-se o fado. e vivê-lo.

parabéns pela minguantes!

21/11/08 09:06  
Blogger Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) said...

Pois eu gosto de pôr os pontos nos jotas e o preto no negro. E ouve-me com atenção porque só vou dizer isto uma vez: EU NÃO GOSTO DE FADO. (Não dei ênfase ao ponto porque o quero final. Se não, teria posto dois, três ou quatro pontos).

E como sou de gostos apaixonados e rancorosos, também NÃO GOSTO QUE GOSTEM DE FADOS.

Eu acho que isto do fado é sina da cidade e é sina do País.

Mas, cheguei recentemente à conclusão de que esta cidade e este País não são para levar a sério. Estou-me nas tintas. Que ponham contentores à volta disto tudo. Por cá, que continuemos a olhar para o umbigo. Lá para fora, quanto mais invisíveis formos, melhor. Já lá vai o tempo em que se riam de nós. Agora já não há pachorra. Tanto o império da pimenta como o império do ridículo são efémeros.

Como dizia o outro, "tou farto disto, isto é uma ganda fado" (a educação e a delicadeza para com as senhoras impede-me de transliterar o termo correcto; sugiro uma pequena aliteração sotto voce das vogais para tornar a expressão compreensível)

PS (não tem nada a ver com o partido porque sou independente e íntegro):

Fiz um comentário tardio ao teu post anterior que teria muito prazer se lhe prestasses alguma atenção. Aí faço-te um reparo à forma soez e torpe com que trataste o caso da miúda e da bicicleta. Tu e uma expressiva maioria dos teu comentadores. É verdade que, como democrata convicto e escrupuloso, dou-te o direito à resposta, no teu ou no meu lugar. E dou-te também a primazia de escolheres armas e padrinhos.

21/11/08 10:34  
Blogger Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) said...

Já agora, porque é que não puseste ao post o título de "A cidade fadada"? Fazia muito mais sentido. É uma opinião.

21/11/08 10:40  
Blogger A Lusitânia said...

Pelas tuas árvores andantes, te remeto uma bola de cristal. Com ela certamente irão muitas histórias, mais ainda do que as que tão bem nos sabes contar

21/11/08 12:00  
Blogger A Lusitânia said...

Pela tua Cidade, mando-te também um poema

«É esta a cidade que o destino
te reservou. Uma cidade de

gente dura cuja maior
extravagância é um vaso

de sardinheiras na janela
de um ou outro edifício.

Tinhas sonhado com uma
cidade branca mais a sul

Esta cidade não é uma cidade
é um vício.

Porto de Abrigo, Jorge Sousa Braga

21/11/08 12:04  
Blogger Arábica said...

Alberto,


...talvez o fado de entranhado nas pedras gastas da calçada, persiga na sua cegueira apaixonada, os caminhos de quem passa...


Curioso, o meu proximo post, ser também inspirado numa rua mais acima...

Beijos e cafés :)

21/11/08 12:55  
Blogger Rosa dos Ventos said...

Lisboa sem fado não era Lisboa ou o fado sem Lisboa não era o fado...
Gosto de fado e dantes cantava-o a todo o momento em casa.
Como a vida me tirou parte desse gosto, faço agora parte de um coral, assim sou "obrigada" a cantar.
Há uns tempos fomos actuar ao Panteão Nacional e até cantámos o fado "Foi Deus".
Se o quiseres ouvir podes fazê-lo a partir do blogue Cant´Auris que se encontra "linkado" à esquerda do meu "Ventanias..."

Abraço

22/11/08 12:46  
Blogger Rosa dos Ventos said...

Só agora li o comentário do Perdido e fiquei "perdida"! :-))
Agora ele vai deixar de me visitar por eu gostar de fado!
Quanto à cidade fadada tens razão Perdido, mas mal fadada será o mais indicado...
Deixo aqui um abraço para ti, mesmo sem licença do Alberto, porque não me entendo com a tua árvore de temas e não consigo entrar lá...
Deve ser por gostar de fado! :-))

22/11/08 12:53  
Blogger Alberto Oliveira said...

para Rodrigo Rodrigues ("Perdido"):

Então cá vai:

1 - Tomei nota de uma parte dos teus gostos musicais. No que a mim se refere, não tenho outro remédio senão gostar do fado pois nasci no seio de uma humilde família que trazia o fado agarrado à alma e às vestes (minha mãe cantava-o, o meu pai era viola e o meu tio fazia a festa pois foi o "inventor" do célebre incitamento "ah fadista!". Claro que não pude escapar à sina, tal como a de "quem não é do Benfica não é bom chefe de família". Actuei até há bem pouco tempo numa casa da especialidade e apenas há cerca de meio ano meti os papéis para a reforma... com penalização, porque ainda sou muito novo e o meu patrão disse-me que poderia cantar até aos oitenta que ninguém dava por isso. Queria dizer na dele (o sacana!), que eu abrisse (ou não) as goelas era igual ao litro.

2 - O pessoal que aqui veio comentar este post a favor do fado, depois de ler o teu comentário, das duas uma: com receio, nunca mais vai ouvir as letras quase eruditas do Cá Mané e as fatalistas palavras cantadas da Maria Ca Minha ou então ri-se à gargalhada e no Natal oferece-te cd´s do último trabalho do Frei Hermano da Câmara Municipal de Vila Pouca de A Guiar com Prudência. Os de sinal contrário, aplaudir-te-ão a ambas as mãos (à excepção dos manetas) e verão (e nas outras estações também), em ti, o seu guia espiritual musical. No parte que me toca, já sabes: prognósticos só no fim do jogo.

3 - Sobre a cidade e o País as nossas opiniõe são quase coincidentes. Escrevi "quase" porque enquanto tu chegaste "recentemente à conclusão que esta cidade e este País não são para levar a sério. Estou-me nas tintas."(sic), eu já há bastante tempo que me estou nas tintas para a seriedade com que uma minoria (que já não é tão minoria como isso... ) vai pintando às cores a capital e este País. Daí o riso. (tvi)

4 - Responderei com muito gosto ao teu comment àcerca do caso da miudoska e da bike-falante depois de descansar um pedaço ouvindo o fado do embuçado das claques.

5 - Por sinal pensei nisso (da tua sugestão do título "cidade fadada"). Mas cortei-me. É que com os críticos que por aqui tenho, sempre à cata de erros gramaticais, não havia quem faltasse a atirar-me à cara "Olha o esperto! que nem sabe escrever fornicada!".

22/11/08 16:41  
Blogger **Viver a Alma** said...

Salvé Alberto!

Fiquei a conhecê-lo bem melhor. Reparei contudo, que emoções e muuuuitas, tomam-no por inteiro! - sic(que não a cadeia televisiva): "desenfreadas paixões em que me envolvo"(ainda?)...
"nas justas causas em que me empenho"(e abrangentes, suponho!)...
"nos solidários projectos que defendo"(defende... ou também participa?)
"nas angustiantes viagens em que me arrisco"?(fórmula 1, rapel, ou algo do género... radical?)"pelas alegrias desmesuradas pelo nascimento dos meus trigémeos" (isso é de herói, mesmo! Quem diria? Desconheço a sua e a idade deles, mas papas, biberons a 3 ao mesmo tempo, fraldas, choros de noite e de dia, doençazinhas dos bébés, rompimento dos primeiros dentinhos...bem....!!!Eu tive 2 com intervalo de 2 anos - um deles ainda não tinha largado as fraldas e sei bem o que passei! Mas...3? Que Deus o/vos abençoe, porque essa tarefa de acompanhamento, não é tarefa fácil. Penso até, sem sombra de dúvida, ser o tempo mais "radical" que conheço!
Diz ainda que: "folga em saber que fui ligada ás Artes?!"... - se calhar não leu o que escrevi "sobre mim" lá no blog. Ainda hoje, quando me dá na gana, danço...para as estrelas! - Sem aplausos...porém, sei que o Universo sente!
Quanto ao "reconhecimento" da blogosfera e/ou estatal...nunca me importei com isso e aconselho-o a fazer o mesmo...percebi que isso não importa, é menor! - serve apenas o nosso ego. Por acaso recebi-os aquando no Estado...mas sem que dele esperasse nada - fui sempre uma independente e agi segundo a minha consciência/valores. - não enriqueci, portanto, ou tirei partido dos ditos "poderes". A minha voz sempre ecoou quando necessário, e na altura em que senti que o dinheiro do Estado(?)se sobrepunha ao empenho e sacrifício pessoal,destinando-se a algo produtivo a nível nacional....pedi a reforma antecipada, dando literalmente um salto para o escuro. Meses depois estava a dar aulas de formação profissional, que terminaram antes do ano 2000. A partir daí, iniciei um caminho como os Yoguis....fui aprender a viver para "MIM" - com letra grande, espero que entenda! Os meus posts falam por mim e creia, não saio desse registo.

Prazer em o conhecer, palavra!

ESPAVO! - reconhecendo a LUZ que há em SI! - como em MU (antiga Lemúria)

(P.S. - que não o partido rosa - nunca imaginei que eu pudesse ter sido alvo de honras de resposta.)

22/11/08 16:42  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para Rosa dos Ventos:

Por favor, mulher!, não te percas nesta selva de cimento, alcatrão e fado. Está descansada, que prometeram-me um GPS há pouco tempo e como eu não me entendo com estas novas maquinarias do diabo (pensavas que eras só tu que não atinavas com os intrincados, labirínticos e tecnológicos acessos aos sítios do "perdido"?) assim que o tiver em meu poder, ofereço-te.
Fizeste bem em não me pedir licença. Nos tempos que correm, quem o fizer habilita-se a ir comprar um impresso modelo W-55, e entregar-me bem preenchido,sem rasuras e na companhia de duas notas de vinte euros. Cá para o je, que bem precisado ande de uns trocos...

Então também gostas de fado. Se tiveres para a troca (em vinil) "o fado do 31, 3º esquerdo" cantado pelo Alfredo Carpinteiro, queres trocar pelo fado "Amor de Tia" na voz da Cidália Amoreira?

22/11/08 17:05  
Blogger Fragmentos Betty Martins said...

.querido______Alberto





.não resisto em deixar aqui o "Fado Falado" em que o João Villaret_______o recitava como ninguém


não sendo eu dessa geração____mas conheço tudo o que faz parte da tradição do meu País

talvez por eu conhecer uns tantos países e ter convivido com_____o respeito às tradições duma forma diferente - que se vive aqui em portugal

_________...________

"Fado falado"


Fado Triste
Fado negro das vielas
Onde a noite quando passa
Leva mais tempo a passar
Ouve-se a voz
Voz inspirada de uma raça
Que mundo em fora nos levou
Pelo azul do mar
Se o fado se canta e chora
Também se pode falar

Mãos doloridas na guitarra
que desgarra dor bizarra
Mãos insofridas, mãos plangentes
Mãos frementes e impacientes
Mãos desoladas e sombrias
Desgraçadas, doentias
Quando à traição, ciume e morte
E um coração a bater forte

Uma história bem singela
Bairro antigo, uma viela
Um marinheiro gingão
E a Emília cigarreira
Que ainda tinha mais virtude
Que a própria Rosa Maria
Em dia de procissão
Da Senhora da Saúde

Os beijos que ele lhe dava
Trazia-os ele de longe
Trazia-os ele do mar
Eram bravios e salgados
E ao regressar à tardinha
O mulherio tagarela
De todo o bairro de Alfama
Cochichava em segredinho
Que os sapatos dele e dela
Dormiam muito juntinhos
Debaixo da mesma cama

Pela janela da Emília
Entrava a lua
E a guitarra
À esquina de uma rua gemia,
Dolente a soluçar.
E lá em casa:

Mãos amorosas na guitarra
Que desgarra dor bizarra
Mãos frementes de desejo
Impacientes como um beijo
Mãos de fado, de pecado
A guitarra a afagar
Como um corpo de mulher
Para o despir e para o beijar

Mas um dia,
Mas um dia santo Deus, ele não veio
Ela espera olhando a lua, meu Deus
Que sofrer aquele
O luar bate nas casas
O luar bate na rua
Mas não marca a sombra dele
Procurou como doida
E ao voltar da esquina
Viu ele acompanhado
Com outra ao lado, de braço dado
Gingão, feliz, levião
Um ar fadista e bizarro
Um cravo atrás da orelha
E preso à boca vermelha
O que resta de um cigarro
Lume e cinza na viela,
Ela vê, que homem aquele
O lume no peito dela
A cinza no olhar dele

E o ciume chegou como lume
Queimou, o seu peito a sangrar
Foi como vento que veio
Labareda atear, a fogueira aumentar
Foi a visão infernal
A imagem do mal que no bairro surgiu
Foi o amor que jurou
Que jurou e mentiu
Correm vertigens num grito
Direito ou maldito que há-de perder
Puxa a navalha, canalha
Não há quem te valha
Tu tens de morrer
Há alarido na viela
Que mulher aquela
Que paixão a sua
E cai um corpo sangrando
Nas pedras da rua

Mãos carinhosas, generosas
Que não conhecem o rancor
Mãos que o fado compreendem
e entendem sua dor
Mãos que não mentem
Quando sentem
Outras mãos para acarinhar
Mãos que brigam, que castigam
Mas que sabem perdoar

E pouco a pouco o amor regressou
Como lume queimou
Essas bocas febris
Foi um amor que voltou
E a desgraça trocou
Para ser mais feliz
Foi uma luz renascida
Um sonho, uma vida
De novo a surgir
Foi um amor que voltou
Que voltou a sorrir

Há gargalhadas no ar
E o sol a vibrar
Tem gritos de cor
Há alegria na viela
E em cada janela
Renasce uma flor
Veio o perdão e depois
Felizes os dois
Lá vão lado a lado
E digam lá se pode ou não
Falar-se o fado.

(João Villaret)


gostei do teu texto:)


beijO____C____carinhO
bFsemana

22/11/08 19:31  
Blogger Eme said...

Légivel

ando longe daqui mas isso são outros fados. Mas nunca dispenso o papelde fantasia ao fim de semana, altura em que a pele já se encontra mais relaxada e os sorrisos são menos plásticos

li-te o fado, as pessoas e a cidade, depois perdi-me aqui a ler os coments, divertida.. Permite-me que te diga que gosto imenso da tua frontalidade!

um beijo

23/11/08 18:04  
Blogger Alien8 said...

Legível,

"... já não se dá por ele". É o símbolo da união entre o fado e a cidade, bem patente no vídeo.

O fado que se canta, que se fala, que se vive, que se escreve.

A(s) voz(es) da cidade. A guitarra e a viola. O baixo. As variações em ré menor. As variações em geral. As formas do canto. As modulações. O gingar do corpo, o abanar da cabeça. Os requebros. As pausas.

As variantes.

Os desvarios. O rio. O riso e a lágrima.

Por tudo isso, "Ah, fadista!"

Ou, como uma vez ouvi algures, "Ah, leão!", "Ah, tigre!", "Ah, marsupial do fado!".

Um abraço.

23/11/08 23:03  
Blogger Lóri said...

Rapaz!!!!! Acho que preciso fazer um curso de imersão em língua e cultura portuguesa, tipo PE (Portugues Europeu)'cause you know, I'm lost in this mass or mess or whatever...

From now on, I will only write in that fucking English language just to be sure that nobody but you (or should I say, but me?)will read me.

Gros bisous et je me barre à toute vitesse... socorro!

Sabe, é qui genti bolada quinem esse moçu e a outra moça édi dá em doido. Né não?

24/11/08 21:06  
Blogger Rosa dos Ventos said...

Caro Legível
Já tinha lido o teu comentário ao meu comentário porque te visito quase diariamente.
Sou tua devota...leitora! :-))

Abraço

26/11/08 00:00  
Blogger bettips said...

Fiquei sem falo, digo sem fado, quero dizer, sem voz nem gosto por aí além, para fado porque me alembra coisas tristes como os 3ffs.
Se bem que havendo fados e fadistas, letras que muito prezo (e pago no prazo, nem as deixando ir a protesto), já temos fadário que chegue com estes cámones (ou camonés?) dos BsNs e afins, e mais fado é que não senhor!
Vão cantar o fado para a rua deles!
Viremos o bico ao prego e saiemo-nos a cantar a marcha do "Finca o Pé p'rós Gajos, Pá, Que Eles Não Hão-de Acabar Côa Gente".
E lá na lua minguante, sobram as dicas para mais fado, ó pá, não há pachorra! Mas a verdade é que sei muitas letras, todos crescemos naquele triste fado hilário - e olha, terminando o choradinho da guitarra plangente:
"Ninguém sabe quando nasce
p'ró que nasce uma pessoa"

Um abraço aí ao pessoal da banda do coreto.

26/11/08 03:01  
Anonymous Anonymous said...

também este teu texto tem, dentro, a tristeza de um fado. e eu gosto.

8/12/08 11:42  

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