FUGA FUGAZ (1)

"Mãe! o pai vai a guiar aquele carro preto!!" gritou Ramiro, o mais velho dos quatro irmãos, apontando o dedo na direcção do veículo. Eunice, que pedalava sem mãos - uma habilidade que lhe tinha ficado de muito nova e que lhe dava imenso jeito para pentear o neófito Bartolomeu enquanto conduzia a prole a caminho do infantário - não queria acreditar no que os seus olhos viam: Jesualdo, o pai da criançada e seu esposo há dez maravilhosos anos, ia de facto ao volante de um carro negro-como-a-desgraça, ziguezagueando perigosa e velozmente por entre o trânsito caótico da cidade. As sombras de um imprevisto e funesto acontecimento, pairaram repentinamente no universo azul de Eunice: se o seu homem tinha saido de casa duas horas antes de bicicleta (eram ambos amigos e associados do ambiente) e por esta altura do dia já deveria estar no seu gabinete camarário a despachar com despacho o que havia a despachar, porque misteriosa razão se encontrava agora no centro urbano, e com um comportamento que lhe parecia a ela uma fuga desordenada para a frente? Teve de voltar atrás, no tempo, e reunir fragmentos recentes de conversas de Jesualdo ao telefone, com pessoas que ele afirmava serem "do trabalho"...
Continua no próximo(?!) número.
2009. Texto e foto de Alberto Oliveira.