Monday, September 17, 2007

SEM CONSERTO















Incrédulo, perguntou-lhe se atinava com aquele género de música. Vagamente sonhador e distante, o olhar dela ia para além do grupo que atacava os primeiros acordes de uma canção de Robbie Williams e, sem responder, trauteou acompanhando o solista "... hop a carpet and fly to another Arabian night." Florêncio S. suspendeu a respiração. Aquilo que lhe parecia estar a ser o início de umas belas férias de Verão, repartidas com uma mulher inteligente (citava Kant e Aristoteles com a mesma facilidade com que compunha o traço do baton vermelho nos lábios carnudos), complicava-se. A ele -que de vez em quando, observava curioso a técnica da mulher ruiva do segundo andar do prédio em frente ao seu, a sacudir tapetes à janela e que provavelmente às Mil e Uma Noites logo associaria "As Doce", nunca lhe passou pela cabeça que esta atraente jovem que conhecera na viagem de avião para Amesterdão, sonhasse voar num tapete (quem sabe numa anónima e perigosa companhia aérea de tapetes persas) a caminho de uma noite das Arábias. Apesar de incomodado (Florêncio S. era um homem da cultura e persistente) insistiu e fez sentir a Vanessa G. que há viagens que se não forem bem acauteladas, nos podem sair caras. Ela -talvez porque os músicos tinham deixado de se fazer ouvir neste texto a pedido do autor, saiu finalmente daquela espécie de enlevo e num fio de voz murmurou "Não receies que vou pela Air Arraiolos" O grupo não foi obrigado a um único encore e umas tímidas palmas encerraram o modesto concerto. Sem conserto, porque nunca se chegou a descobrir o paradeiro das restantes partes do corpo, ficou o dono dos sapatos azuis escuros e parte dos jeans que aparecem à direita baixa da imagem.

Hamburgo, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.

29 Comments:

Blogger Sofia said...

:))

Quem me dera poder apanhar um desses tapetes de arraiolos e voar para as arábias. Sabes onde posso comprar o bilhete?

beijos

18/9/07 15:50  
Blogger bettips said...

Três tristes cisnes grasnavam. Por isso a confusão das "arábias"... e claro, preferir o produto nacional, toujours! Já agora, Florêncio e Vanessa? não haverá aí uma crise identitária ou hereditária? Parecem-me mais tio e sobrinha, pelos nomes.

18/9/07 19:19  
Blogger Nia said...

Credo esse final!Parece um filme de terror em que se cortam as pessoas todas aos pedacinhos (ou pedacitos maiores se forem gordinhos!)Não sei porquê mas cheira-me a Festa do Avante...aliás porque é bem sabido que os comunistas comem criancinhas ao pequeno-almoço...por isso , porque não podem trinchar e assar no espeto uns musiquitos com cheiro a imperialistas de trazer por casa assim imitadores do Robin Williams?Ah!Pronto!Viste?POis.

E essa do "acerto" e concerto" faz -me lembrar o blog de não sei quem que fala (fala muito pouco ultimamente) de "sem concerto nem acerto" um blog qualquer meio avariado.:)

18/9/07 19:29  
Blogger Teresa Durães said...

ufa!!! ainda bem que nenhuma dessas companhias aéreas pairam lá por casa e o chãozinho é todo ele como 'il fault'. Nuzinho como veio ao mundo!!

eheheheheheh (tu tens cá uma imaginação não de cordel, talvez de novelo de lã!!!)

jocas

18/9/07 20:48  
Blogger esse said...

Há diálogos que podem mudar a nossa vida e Florêncio sabia isso. A partir daquele dia, essa ideia nunca mais o largou. No final das férias, pregou, na porta da sua casa, uma tabuleta que dizia “Companhia Aérea de Tapetes”.

Soube mais tarde que tinha enriquecido. O investimento não fora grande … uma bebida, uma música e um tapete à escolha do passageiro.

19/9/07 10:09  
Blogger Maria Liberdade said...

:)

É sempre uma animação, ler-te! Até fico cansada!

19/9/07 11:52  
Blogger Rui said...

Distraída, Joaquina Canhota dizia que não com a cabeça ao televisor. Só quando Umbelina Babosa falou, percebeu que não estava sozinha na sala de convívio.

- Ai que desgraça!
- Comadre, que me mata de susto.
- Que foi que aconteceu aí na televisão, comadre?
- Não quer ver que caiu mais um avião!?
- E aonde foi isso?
- Parece que percebi que foi na Tailândia... puquê...
- Porquê, pergunto eu!
- Foi a chuva, foi o vento. Olhe, a gente não foi certamente.
- Que a gente não faz aviões assim.

A conversa acontecia em Arraiolos, na pequena sala de convívio da famosa construtora aeronáutica, AirCarpete - produtora dos famosos Aladino A770 e Aladino A880, tapetes voadores usados à já vários séculos por personagens de ficção um pouco por todo o mundo.

- Comadre, vamos à jorna? - disse Joaquina, pegando no comando à distância.
- Lá traque ser - respondeu Umbelina. - Que ainda temos aquela encomenda da Disney para terminar.
- Nem me fale nisso! Logo agora se haviam de lembrar de fazer mais um filme das arábias.
- P'ra que está vossemecê com isso, se você gostou tanto de fazer tapetes para o último?!
- Qual?
- Aquele que a Francelina Perneta disse que era com gente nua.
- A comadre não diga alto que eu gostei dessa pouca vergonha, que ainda há quem acredite. E não era um filme das arábias, esse era outro, das indias... como é que se chamava... ai, ajude-me.
- Já não m'alembra... tinha a ver com cama...
- Cama sutra, não era?
- Era isso mesmo! Diga-me cá, vossemecê percebeu para que queriam eles tantos tapetes se já tinham cama?
- Ora, as camas voam?

Na instalação sonora, Robbie Williams começou a tentar cantar (que o Robin Williams é actor, pá!): Find a place to crash
(Boom boom, boom boom labida)
Move your boney ass
(Boom boom, boom boom labida)

Love me like I'm cash
(Boom, boom, boom, boom, labida)
You can feel the class
(Boom, boom, boom, boom, labida)

19/9/07 12:05  
Blogger Rui said...

Errata: "há já vários séculos".

19/9/07 12:08  
Blogger Gi said...

Eu é que com tanta risota fico completamente

des-concentrada,
des-conchavada,
des-consertada,
des-conectada da realidade. O que sabe muito bem :)


Que

des-consolo,

não ter esta habilidade, esta imaginação

Com isto me

des-peço ,

des-culpa não escrever mais :), não sou

des-temida no que respeita às letras :)

Beijinhos

19/9/07 13:04  
Blogger Isabel said...

Depois de ler esta história fiquei a pensar que não existe melhor nome para o que aqui se escreve do que aquele que tão a propósito que puseste.
Papel de fantasia.
E oh, como consegues fazer da fantasia uma arte.
Pegas na fantasia e na realidade misturas bem, juntas o maravilhoso dom da escrita, aqueces bem a imaginação, enfeitas com humor e crias arte com a capacidade de fazer sorrir e de desconcertar também.
São perigosas as mulheres que citam Kant e Aristóteles com a mesma facilidade com espalham batom pelos lábios, não são?

Um abraço

Isabel

19/9/07 13:13  
Blogger Licínia Quitério said...

Ora bem. Parece que é altura de por uma certa ordem nesta história, para o desenrolar da qual, aliás, vêm sendo dados preciosos contributos. Vou tentar fazê-lo (embora ninguém me tivese encomendado o sermão) ao jeito daquelo comentador-político-estratego-de-seu-apelido-correia.

Ponto um: o local da acção não pode ser o da Festa do Avante, dada a exiguidade do palco e a sua proximidade de lodosas águas urbanas.

Ponto dois:o investimento de Florêncio na Air Arraiolos foi feito com dinheiros pouco limpos, arranjado em negócios da rua das montras das luzes vermelhas (ali bem perto, aliás).

Ponto três: Francelina Perneta nunca chegou a explicar à comadre como tinham aparecido no armário umas jeans azuis a que tinham sido cortadas as pontinhas das pernas (a uma mais do que à outra).

Daqui se conclui que:

Ponto um: há algo nesta história que cheira mal.

Ponto dois: não está provado que os tapetes de Arraiolos voem, tendo em conta os buracos em que os fabricantes têm caído.

Ponto três: quem tirou a foto quis dar-nos música e conseguiu.

Ponto quatro: o meu nome é Sherazade e não acrescento nem mais um ponto aos contos que tenho contado.

Beijinhos aéreos para todos.

19/9/07 13:14  
Blogger The Perfect Stranger said...

;))
estás a falar de companhias aéreas
ou quê?
quê :)

19/9/07 15:31  
Blogger José Pires F. said...

Para tanta fantasia, perspicácia e arte, já me faltam os adjectivos.

Como sempre gostei.

Abraço aos dois.

19/9/07 17:15  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para todos:

A partir de agora não façam mais telefonemas que o rui foi o primeiro a descobrir a "gralha" desta semana.
De facto, Robbie Williams é o nome do músico em causa e não Robin Williams, que é o consagrado actor de "O Leão da Estrela" .
O nome correcto já foi corrigido no texto. Obrigado a todos pela vossa participação.

19/9/07 17:18  
Blogger Maria P. said...

Vanessa... e a mãe - Maria Albertina?!:)

Magnífico como sempre!

Beijinho*

19/9/07 22:40  
Blogger APC said...

Ehehehe...
Não foi uma história das arábias, mas andou lá perto.
Florêncio e Vanessa... Olha, gostei! As Vanessas já estão a antrar nos 30, já sabem muito bem como se safar na vida; e se, de repente, um Florêncio não lhes agradar, depressa apanham um tapete e dão de fuga! ;-)
Um abraço!!!

20/9/07 01:37  
Blogger Espaços abertos.. said...

Uma fantasia transportada e muito bem para o mundo realidade.
bjs Zita

20/9/07 10:55  
Blogger Fátima Santos said...

mas ainda ninguém te ensinou que existem uns programas que fazem o chamado corta pés e caras e amacia e tira tia e aquela namorada antiga que agora não queres mostar que esteve na festa dos teus anos? não sabes? ai sabes? então pára de engendrar essas histórias em que sempre caio e quase grito, ao menos me arrepio, em que algum fulano ficou sem parte do corpinho, coisa que demonstras mostrando a foto. Tou farta deste teu desatino! se voltas...

20/9/07 11:22  
Blogger un dress said...

ui...parece um sonho psicadélico

com aviões tapetes voadores

mil e tantas noites.

:) e bocadinhos de corpo...

claro...que acidentes acontecem!!
/perdão ía dizer doutro modo...mas parei a tempo que florêncio e vanessa são gente de princípios...:)))

(princípios...?)



beijO

20/9/07 15:26  
Blogger un dress said...

... e abraÇO....:)

20/9/07 15:26  
Blogger augustoM said...

Air Arraiolos, uma boa opção, servem a bordo um bom vinho de Borba.
Um abraço. Augusto

20/9/07 21:24  
Blogger Irma said...

Air arraiolos? Nunca ouvi falar, mas eu não sou de cá.
:))

20/9/07 21:29  
Blogger manhã said...

as mulheres e os homens inteligentes são, e o Florêncio S, devia adivinhá-lo, vítimas de devaneios inconsequentes. Que se há-de fazer? O Florêncio vai ter de comprar tapete e não ter medo das alturas!

20/9/07 22:35  
Blogger Kalinka said...

Olá Amigo,

Belo texto. Obrigado pela partilha. Gostei.
És um contador de histórias.

Eu, tive uma recaída forte...dias 15, 16, 17 e 18 estive «fechada para balanço», é isso...estava «apagada» para o Mundo.
Depois comecei a regressar lentamente e, só ontem dia 19 é que vim ler os comentários e colocar outro post.

Dizer se estou melhor...é muito vago afirmar alguma coisa nesse sentido.
Estou VIVA e isso é que me interessa agora, acredita.

Agarro-me à Esperança e Fé em Deus, para poder continuar no Mundo dos vivos.

Beijos.

21/9/07 01:57  
Blogger inominável said...

prás arábia, não, obrigada... já fui... não me convenceram de que são um bom cenário para uma gaja... senti-me muito triste por esses lados... estive nos Emirados Árabes... não sei se chega como testemunho, mas não tenho vontade de repetir...

PS- sim, estou de volta... obrigada por teres tomado conta do meu espacito... pouco espaçoso afinal...

21/9/07 12:23  
Blogger Klatuu o embuçado said...

O género de criatura fêmea que costumo atirar pela porta do avião... :)

21/9/07 15:02  
Blogger M. said...

A imaginação á solta. Como sempre.

25/9/07 20:23  
Blogger M. said...

à solta, claro.

25/9/07 20:24  
Blogger tb said...

ahahahahahahahahahahahah. As coisas que tu inventas para deixares os teus recados... :)
Beijinhos

25/9/07 21:18  

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