O INSÓLITO ACONTECIMENTO
Prenunciava-se o final de uma tarde de domingo de Maio, sem a presença de sol e com um vento fresco que aconselhava o agasalho aos mais idosos ou friorentos, quando o caminhar de viajante inveterado de lugares e da gente que os preenche, me conduziu até àquela praça. O que me chamou desde logo a atenção, foi o número apreciável de pessoas que ali se encontravam, quer sentadas quer de pé, mas todas elas com os olhares centrados para a esquerda dum ponto que a imagem não mostra. Não perdi tempo a questionar quem ali estava mais à mão de semear, no caso, o homem de fato claro, sentado, à direita baixa da foto e que segurava um saco de plástico com ambas as mãos. "Espectáculo de dançares folclóricos?, comício eleitoral?, teatro urbano? ou o anunciar de uma nova fé?" inquiri de um fôlego. "... é que daqui não consigo distinguir o que se passa." Olhou-me sem surpresa ou desagrado e respondeu "Como é que consegue ver o que está a acontecer, se está desse lado da fotografia? Chegue-se lá aqui para o pé de mim. Vá lá!... mais um pouco que eu não mordo. E agora diga-me lá, se já não observa distintamente o que antes não conseguia descortinar?" Tinha razão o homem. Do lado esquerdo da foto vi -em perfeitas condições, o modem do meu computador, uma moldura com os meus seis filhos (alinhados em escadinha por alturas e escanzeladíssimos) numa ida à praia de Monte Gordo, dois pequenos peluches-porta-chaves, sendo um deles um leão de calções azuis?! e o outro um elefante-a-fingir-de-porquinho que me foi oferecido por uma artista de cinema espanhola, quando fiz a bonita idade de trinta anos, um dicionário português-português por causa das tosses e uma peúga-amuleto, branca?!, usada e com um buraco no calcanhar.
Burgos, 2006. Texto e foto de Alberto Oliveira.
Este sítio encerra para férias a partir desta data e regressa no início de Setembro.
40 Comments:
Não faltava muito para que entrasses para dentro da foto, sempre achei (brinca daqui, goza d'acoli, fantasia acolá, e deu nisso). Até porque, mais dia menos dia, todos acabam "do outro lado da peúga" (que é um livro, fica sabendo, lol).
É, diga-se de passagem, uma bela forma de terminares mais este ciclo, que recomeça dentro de um mês. Volta fresquinho, keu volto também! Boas férias!!! :-)))
E não te esqueças de nenhum do meninos para trás; conta-os bem e não arranques antes de chegares à meia-dúzia! :-P
...entre mim e o nome que dou às coisas erguem-se resplandecentes molduras de acasos...
beijO*
Boas férias.
Coelhinho
Fica-se sempre de alma cheia quando se viaja até aqui, surpreendente forma de estar do lado de cá e do lado de lá ao mesmo tempo.. Um faz de conta.. Boas férias amigo..
Em Maio nada é insólito!
Boas férias*
Beijinhos de Maio:)
o modem...
os filhos, tantos... espero que tenhas sido generoso com as mulheres e tenhas feito 1 em cada mulher (yayaya, se a dita ler... diz que sou pastor qui no meio de professores e letrados, yaya)
embora quedei curioso porque razão tanto alarido... quemodem tens? yayaya
vai e volta...
pelos textos que deixas aqui e pelos comments... um dia escreves uma série com os comments que vais deixando pelos diferentse calhaus...
abraço e boas férias, e diz aquilo à esposa,
brincar...
faz de conta...
viagens... outras...
Muda-se a perspectiva, muda-se a realidade! (em adaptação das sábias palavras de Camões!)
:D
E nesta mudanças tu és o mestre, um pequeno Houdini, quiçá!
Fica bem, descansa e aproveita este solinho!
Boas Férias e até já!
Então boas férias!
- Curiosidade por curiosidade, diga-me lá o que carrega vossemecê no saco.
- Digo sim senhor - e abrindo o saco mostrou uma forma cinzenta, de consistência gelatinosa. - Sabe o que é isto?
- Er... banha de porco preto?
- Antes fosse - respondeu o outro, sorrindo. - É o peso da consciência! Anda sempre comigo.
- Nunca o tinha visto transportado num saco.
- Não quer você ver que assim fico com mais espaço na consciência para outras coisas... das boas.
- Estou a ver, é uma espécie de disco externo.
- Chame-lhe o que lhe aprouver melhor...
Recordava aquela conversa de há meses enquanto olhava pela janela da marquise. Via, não muito longe, alguém a tentar abraçar o sol que se punha. Sorriu e desligou o modem. Ia de férias.
_______________
Leva um abraço.
Sempre surpreendente.
Boas férias.
De vez em quando acontece um simples comentário como que quebrar qualquer coisa, por pequenino que seja o toque, não acontece? Nem que seja um ténue fio musical entre pensamentos possíveis ou impossíveis, tanto faz. Curiosamente, pareceu-me perceber isso. E apeteceu-me solidarizar-me, lol (não ligues... holidays are needed). Mas o que eu queria mesmo era repetir os votos do primeiro comment! :-)))
See ya!
Bem me tinha parecido que havia muita gente a viver dentro do computador!... E o Mané de fato claro foi malandreco, bem ao jeito desse povo-de-dentro-do-computador! Fizeste muito bem em não te aproximar demasiado. Isso é uma seita pior que a IURD! Na IURD, limpam-nos a carteira e o sebo, se for preciso (contaram-me), mas no computador limpam-nos a pessoa que somos, se não tivermos cuidado...
Boas, muito boas férias... Espero ler e ver-te em Setembro ao vivo e a cores...
Caro Legível
Insólito, de facto.
Afinal o fotógrafo, habituado a captar descaradamente tudo na sua objectiva, foi posto ali a descoberto e logo numa praça. Dos seis filhos escanzeladíssimos não sei nada mas lembro-me perfeitamente do leão e do elefante :)) e sempre me pareceu que os dicionários lhe serviam para as tosses :))
Tenha umas excelentes férias e volte com mais histórias :)
boas férias!! com boas composições de imagens e palavras!! :)
Boas férias...estás melhor do pé?
Um abraço ;)
Uma delicia este conto e o mesmo se pode dizer da réplica do Rui.
Votos de umas excelentes férias.
a ver a reacção da dita
yayaya
abrazo europeo
WISHING YOU
SWEET
PINK
DREAMS
... é sempre mais fácil quando o lado é o certo, as vistas são mais claras e os meses arrumadinhos do primeiro ao último jogador de matraquilhos
o Rui diz que no saco ia o peso de consciência mas ... cá para mim o teu peso estava algures na memória da máquina fotográfica! Cabe lá muito mais!!
beijos boas férias
As surpresas que não acabem por aqui....
boas férias e um grande abraço!
O QUE SE VAI PASSAR NÃO SEI !!!
D. MARIA
Um texto absolutamente fantástico.... os meus sinceros parabéns! Adorei!
Nem te dei um "adeusinho" de boas férias...isto é um debandar geral. Vamos ficar mais atrapalhados por falta da tua visão do real/irreal/surreal. Abraços e fiquem/voltem BEM!
No outro dia questionavas o porquê do "Momentus de Excelência". Já te respondi mas para que percebas melhor o que vejo na tua escrita conto-te o seguinte. Aos 20 anos , para além dos clássicos eu conhecia pouco do que se escrevia no nosso país. Conhecia pouco e o que conhecia achava maçador, deprimente, pouco original. Até um dia em que um amigo, uns 30 anos mais velhor, fez o favor de me oferecer 2 livros do Mário de Carvalho. Dizem que aos homens se pega pelo estômago a mim é pelo humor e o Mário de carvalho pegou-me definitivamente. Comecei a conhecer mais e a devorar os nossos escritores como até então fazia (só) com os estrangeiros.
És capaz de conhecer mas, ao ler esta tua história, lembrei-me desta e deixo-a aqui. Espero que não te importes.
Três personagens transviadas
«Escrevo num computador instalado num móvel polido que tem uma prateleira que se puxa. Muito vulgarizados, tais móveis podem encontrar-se em qualquer loja informática das grandes. Menciono este facto pessoal porque ele estabelece o cenário de desconfortáveis ocorrências, há pouco mais de uma hora, aqui no meu escritório. Possuir um móvel destes não é coisa de que alguém se gabe, e eu preferia ocultar o facto, se não fosse necessário confessá-lo. Estava a premir a tecla F 11, quando um homenzinho magro, de fato escuro completo e chapéu fora de moda emergiu atrás do teclado e começou a fazer esforços para se içar para o tampo superior, onde se agigantam monitor e impressora. Levanta os braços, numa gesticulação que me pareceu desesperada e dava grandes saltos, em cima da consola. Calçava sapatos ferrados que tiravam o plástico x sons fortes lembrando bicadas repetidas de catatua. Não foi esta a primeira vez que me vi assediado por personagens. Acontecia-me , não raro, quando ía passear para o Jardim Constantino, depois do jantar, em certos plenilúnios. Saíam-me ao caminho por detrás das árvores e quase sempre eram mais altas e encorpadas do que eu. Algumas mostravam-se poucos benignas e chegavam a maçar-me. Essa a razão porque evito o Jardim Constantino e, quando tenho de passar por ali, sigo numa corrida e oculto a cara como posso. Nunca estou bem certo do plenilúnio. Agora, uma personagem de doze centímetros de altura, magrita, a saltar ao alcance dos meus dedos é que nunca me tinha acontecido. Alguma vez havia de ser a primeira. O que pensei logo foi «com este posso eu bem». Apesar de parecer bastante ginasticado, capaz daqueles pulos todos, não me deu para ter medo de um homenzinho que me cabia na palma da mão. E se ele estivesse armado? Pelo aspecto não parecia. Mas havia já outra personagem. À claridade do monitor , uma jovem loura, de blusa rosa e saia preta, passeava ao comprido pelo tampo do móvel, esfregando uma na outra as mãos ansiosas. Parecia estar muito preocupada. Usava bandós e calçava saltos altos. Podia estragar-me o verniz. Aproximei a cara. Tranquilizei-me. O peso dela não era bastante para que os saltos de agulha perfurassem a mobília. A mulherzinha não deu por mim. Continuava a andar, de um lado para o outro, fazendo soar, ao de leve, no móvel o tique-tique dos saltos. Ao debruçar-me, pareceu-me ouvir, muito sumidamente, uma vozinha angustiada: «Oh, Augusto, Augusto!» Mas não garanto. O homem, entretanto, sonseguia pendurar-se no tampo, e depois de um esforço complicado de braços e cotovelo içava o corpo, com dificuldade. Demorou que tempos nisto. Sobreveio a tentação de lhe dar uma ajuda com os dedos. Mas resolvi não interferir. Se ele me desabasse sobre o teclado, então poria a mão debaixo., não fosse danificar-me algumas teclas ou ficar entalado entre elas. Seria um tanto ridículo, aparecer na loja de informática a explicar que tinha um fulano esprimido entre as teclas, e que fizessem o favor de mo tirar com aquelas pinças largas que os especialistas usam. Mas enfim, o homenzinho lá se levantou, sacudiu o pó do fato, num manifesto exagero, ou num reflexo habitual (injusto porque eu posso comprovar que não há pó neste móvel) teve uma hesitação, e fez qualquer coisa de absolutamente inesperado. Em vez de se dirigir à mulher, como eu erradamente previa, encaminhou-se para o velho do tambor. O velho, de barba branca e barrete frígio, estava sentado na borda do cinzeiro, e tocava permanentemente tambor. Não se ouvia um som. Mas eu notava que às vezes aplicava as baquetas com grande energia. E a mulher lá continuava, dum lado para o outro, tique-tique, a arrepelar as mãos. Notei que teve um sobressalto, talvez um susto, e recuou um passo. Mas quando o homem desapareceu por trás do cinzeiro, fora do seu alcance, voltou à perturbada deambulação anterior. A mulher estava ,de certeza, à espera de alguém, provavelmente do tal Augusto, que não era o do chapéu. Eu comecei a enternecer-me e quase a desejar que o Augusto se mostrasse. O velho do tambor suspendeu a batida e olhou para o homem de chapéu que o tirou, num repelão, e tornou a colocá-lo. Era educado. O velho do tambor rodou a cabeça, repetidamente, numa obstinação negativa e recomeçou a rufar. Mas o receio de que pudessem surgir mais personagens inquietou-me. Qual Augusto! Não me apetecia nada que a casa se me enchesse de cavaleiros, de ciclistas, de pugilistas e meninas do can-can. Ou de tropa. Não, é que podia perfeitamente aparecer um pelotão, a formar, em ordem unida, no braço do meu sofá orelhudo... Em circunstâncias difíceis como esta, não há nada como recorrer a um perito. Telefonei a um amigo, que é escritor. Atendeu-me mal-disposto, porque foi acordado. É um escritor dos diurnos, nove às cinco. «Ouve, meu caro, desculpa lá, mas estão a aparecer-me personagens em volta do computador. O que é que eu faço?» O meu amigo formulou muitas perguntas sábias. É um grande especialista de personagens. Se eram pesadas ou leves, grandes ou pequenas, silenciosas ou barulhentas, sentimentais ou secas. «Têm máscara?» inquiriu. «Não? Então são de grau inferior...» Qundo eu o informei de que eram pequenas e silenciosas, ele sugeriu-me com um tonzinho superior de quem enuncia uma evidência: «Agarra nas três e atira-as pela janela» «E se atinjo alguém? Estás a ver-me em tribunal por defenestrar personagens, com dano para os utentes da via pública?» «Então conduta do lixo com elas.» «Não posso fazer uma coisa dessas, sempre são gente». Do lado de lá do telefone o meu amigo fez um «ts» de rabugice. Desconfio de que trata as personagens dele com uma certa dureza. É o que dá a expriência. «Escuta, não andas agora a escrever umas crónicas, uns comentários, ou lá o que é?» Como é que ele sabia? Isto é uma cidade muito bem informada. Admiti.«Então, faz o seguinte: aprisiona-as no texto». »
Mário Carvalho
Contos Vagabundos
Boas férias.
(Já agora parabéns ao Rui que também me diverte imenso quando o leio)
até pensei que ias falar das aparições da fátima... enganei-me...
BOAS FÉRIAS.
DIVERTE-TE.
BEIJOS.
Senti-me dentro da cena, tal a intensidade da descrição.Parabéns, Um abraço, boa semana.
abraço.
não insólito.
antes de "companheirismo".
e um beijo à Segura...
:))))))))))
BEM PODIAS VIR TOMAR UM CHÁ E FAZERES-ME COMPANHIA !
D. MARIA
Também gostava de ter actrizes espanholas a oferecerem-me presentes.
magia.
Vou sentar-me, se me dá licença... Quem sabe o homem do casaco branco não era eu....(?)
Boas férias.
surpreendente!
:)
quase o inicio de setembro...
abrazo europeu
bOns.diaS..........................
beijO
Caro amigo
Ainda não te tinha dito, mas sou um admirador da tua escrita e do teu blog. Boas férias e um abraço.
Jorge
que tal um café em Berlin?
Hoje li o texto de Mário de Carvalho que a Gi deixou em comentários. Não conhecia. Gostei do estilo!!! :-)
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