A MATANÇA DOS INOCENTES
... passou o augusto arco e defrontou-se com a ampla Praça do Comércio. O sol que jorrava forte, naquele início de tarde de domingo , obrigou-o a baixar os olhos por momentos. Refeito, só então constatou que a praça se encontrava quase deserta -excepção feita a meia-dúzia de turistas que cirandavam em torno da estátua equestre e que se desunhavam em captar de todos os ângulos possíveis e imaginários, fotos de um Don José claramente distanciado do que se passava a seus pés, parecendo muito mais interessado na outra margem do rio, pois a direcção do olhar do antigo monarca assim o dava a entender. Alfredo lembrou-se então, que a baixa pombalina aos domingos perdia todo aquele fulgor dos dias úteis?! de estabelecimentos comerciais abertos e milhares de pessoas de rostos fechados que ofereciam a estranha ilusão que a sua ocupação profissional se desenrolava na rua. E recordou também que a primeira vez que veio à capital -alguns anos antes, mas neste mesmo lugar, um sujeito bem falante, de gravata e um grande anel no dedo mindinho, o desafiou para um jogo insólito. Se respondesse correctamente à pergunta "Qual é a pata dianteira, direita, do cavalo de Don José?" ganharia cinco mil escudos (os euros ainda não eram nascidos... ). Caso contrário, desembolsaria apenas a módica quantia de quinhentos escudos... Pouco vivido, correu o risco e perdeu.
Absorto nos seus pensamentos, Alfredo demasiado tarde percebeu que o cavalo branco da base escultórica da estátua, provavelmente assustado com o som estridente da campainha de um dos últimos eléctricos lisboetas, o derrubou violentamente. No chão e atordoado, teve tempo de reparar que neste cavalo, patas direitas só as traseiras... porque as dianteiras, recurvadas, preparavam-se para lhe aterrar nas costelas. Antes de desmaiar ainda pensou que "felizmente desta vez não tinha jogado".
Lisboa, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.
33 Comments:
auchhh!! Mas eu cá perguntava primeiro... se era direita de estar esticada, ou em oposição à da esquerda!! uma boa semana!!
Quem não está habituado aos perigos da capital, deve ter todo o cuidadinho! :-)
Pobre Alfredo! Homem pouco informado, deixou-se enredar nas palavras. Há uns anos atrás aprendera a distinguir "esquerda" de "direita". Depois, com aqueles adormecimentos súbitos de princípio de tarde, baralhou-se. Agora tem grande dificuldade em saber o que as distingue. Coitado! Arrisca-se à patada de um qualquer cavalo que só espera subir ao pedestal para mostrar o que quer dizer "direita".
Feliz pelo teu regresso.
Beijinho.
Pobre Alfredo! Primeiro não sabe que não se deve jogar com tipos de anel no dedo mindinho (sinal de excessivo mau gosto!) depois tem uma imaginação terrivelmente delirante e perigosa e ainda vai ao domingo ao Marquês o que revela falta de melhor programa! Onde estaria o Alfredo no 25 de Abril? A dizer aos chaimites...anda daí Rossinante que vamos visitar a Dulcineia?
Também já desisti de algumas coisas por achar que é uma perda de tempo. nomeadamente dos gastrópedes políticos, pensarem que sou esquizofrénica, que os objectivos de uns são os mesmos dos outros, de me preocupar se há quem pense que sou palerma, das ideias preconcebidas… Mas não desisto, por exemplo, da ironia nem do riso que certos textos ou comentários me provocam.
O comentário final da Manhã é uma delícia: “Onde estaria o Alfredo no 25 de Abril? A dizer aos chaimites...anda daí Rossinante que vamos visitar a Dulcineia?” Há quem pense, como os meninos que ontem provocaram uns certos distúrbios na rua do Carmo, que liberdade é anarquia…
(devia ter desistido deste comentário e de ter cuidadinho como o Alfredo...)
Uma graça!
Estava com saudades de vir aqui, refrescar-me. Encadeio-te e sei que venho aqui ter, nem sempre para o comentário mas sempre para o acertado pitoresco dos teus momos. Leio ainda, se os encontro, os teus comentários, onde te mostras de outro lado, ainda irónico mas mais ... íntimo? Ah os domingos das cidades abandonadas aos inocentes! Abç
esta capital que é minha e amada, Lisboa do meu coração, devia um destes dias pregar-te, bem assentes, dois estalos que tu metes cada simplório atravessando-lhe as artérias e fazendo do seu estatuário, ruas, esplanadas, o que bem te apetece. A paciência da senhora vem do facto de te ter como bom moço, sei lá, mas digo-o porque penso que só assim ela te ouve e ainde ri, e é comigo,se ler isto, que ainda se aborrece. :)
imagine o legível que eu ainda não tinha na minha colecção nenhum cavalo destes. já que nunca um princípe se incomodou a vir até à minha torre salvar-me do dragõ que bufa na cave da minha dor. levo ao menos o quadrúpede para minha companhia. este comentário é só para inglês ver, porque do que escreveu fiquei eu muda e sem ter o que dizer... beijinho grande ;)
errata: dragão *
E a tudo isto assistiu indiferente D. José, os olhos postos na outra margem do rio. O coração, quiçá...
as armadilhas dum cavalo.
branco
.
quase alado...
beijO*
arggg... desculpa, fiquei engasgada ali com o comentário de Rach... até me saiu uma asneirola no comentário (foi por isso que o eliminei)... é que eu acho que a anarquia é a expressão da liberdade, sim!... mas passemos ao Alfredo... ele é português, não é?... pois, nota-se!
Esta noite deitei o sonho no leito ...e vejo estrelas.
beijinhos embrulhados em abraços
Olá Alberto!
Um caso nítido e exemplarmente elucidado sobre a sorte dos inocentes.
Um abração
textos inteligentes regados a um humor irônico e fino. às vezes ácido.
sempre bom te ler!
:) e eu que nunca tinha pensado nisso... Estas "coisas" lembram-me sempre uma das inúmeras perguntas do meu Avô Godinho: «De que cor é o cavalo Branco do Napoleão?»
Bom dia para ti e já agora:
Boooom Fim de Semana!!!
Ah, mais uma coisinha: Podes escrever de manhã ou à noite - sais-te sempre bem!
Agora lembrei-me daquela "Eu tive um cavalo ruço, que se chamava gingão"...
só espero é que os touros não tenham fugido do campo pequeno em direcção à praça do comércio!
bjs!
mas os cavalos andam à solta por aí?!?
:D
Caro Legível
Como uma distracçãozinha pode ser fatal! O melhor é estar sempre alerta :)
Tenha um excelente fim de semana
As traquinices do cavalo branco, há que andar muito prevenido..))
Bom fim de semana
Bjs Zita
Lisboa de gente traiçoeira sempre pronta a apanhar os incautos. Venham, venham, entrem!! Todos por aqui! Há sardinha fresca (do frigorífico), broa de milho (cheia de centeio) mas venham!!!
p.s. o bar irlandês ontem estava excelente!!!
previsível?
o desmaio?
maio está aí.
para sempre pujante. na dianteira de um sonho.
________________que se espera inocente. e vibrante.
como a foto.
beijo.
obrigada.
Uma semana de sonho.
Beijinhos embrulhados em abraços
OPor pouco não nos encontrámos. Eu fiz nesse mesmo local esta foto. Espero que gostes.
http://fraccoesdetempo.blogspot.com/2007/04/anjos-cados.html
RaSp
Quando os pneus dianteiros do meu automóvel acusam o desgaste do tempo, eu dou oportunidade aos pneus traseiros de mostrarem o que valem... Mas no caso de um animal... talvez só uma intervenção pudesse operar a mudança ...
as armadilhas e seus sucedâneos.
Texto irrepreensível, à sua altura!
Bem e como viste não perdemos. É certo que não ganhamos mas também não nos passaram!!! :p
Já viste que falaram tanto do liedson e agora também arranjaram um para tentar tramar o Caneira para o 2º amarelo?! O egoismo é coisa feia....
hehehe
Também fiquei contente por não teres jogado: mais fica para os caracóis!
Cá por mim, passo sempre de largo não vá a estátua mover-se!
:)
Pois é em tempos de dislexia convém estarmos bem atentos. Não nos podemos distrair de nada, se não...
beijo
... esticanço por esticanço, não há que enganar!!
vai-se sempre a jogo...
:))))
Quando era petiz lembra-me do meu pai me perguntar "De que côr é o cavalo branco de D. José". Esta era bem mais fácil de responder e tb eu falhei, ehehehe!
Mais uma vez, gostei do texto.
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