QUASE TUDO SE EXPLICA NO ROSSIO.
«... isto são autênticas gaiolas para pássaros! onde não cabem mais que vinte pessoas e têm de estar apertadas umas contra as outras como sardinhas em lata e com este tempo de chuva e esperas de vinte minutos entre dois autocarros diga-me lá se uma pessoa quando chega ao emprego tem alguma vontade de trabalhar?! quem havia de estar aqui para saber como é que as coisas se passam no dia-a-dia eram aqueles senhores dos governos, mas esses andam de cu tremido em brutos carros com motorista e se fôr preciso ainda levam batedores da polícia de trânsito para abrir caminho e passar à frente dos transportes que utilizamos e isso é que não posso levar à paciência pois até parece que querem dar a entender que a nossa vida não vale a ponta de um corno e por isso lhe devemos estender a passadeira da vassalagem! o senhor acha isto bem?! e aquele esperto que chegou agora e aproveita a confusão para ficar o mais possível perto da porta do autocarro e entrar à frente de quem chegou antes? está a vê-lo?? e não há ninguém que lhe diga nada... o senhor que chegou primeiro que eu, por acaso reparou se passou algum carro para o Restelo? não? pois é o que eu lhe digo e repito, assim não vamos longe! que é como quem diz, não chegamos a parte nenhuma. E... o senhor para onde vai?»
«Minha senhora, eu não vou, cheguei. Cheguei do Parque da Paz onde assassinaram há quatro dias atrás a minha sombra. Foi assim a modos que uma espécie de romagem de saudade, ao local onde estivemos juntos pela última vez e tão violenta e definitivamente nos separararm. Não ouviu falar?! olhe que a comunicação social não se cansou de noticiar outra coisa nos últimos três dias... Mas a senhora vá ao texto anterior a este e logo fica a saber como tudo se passou.»
Lisboa, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.
29 Comments:
Ah! E o Rossio aqui tão perto :)
um beijo
Lisboa é bem essa dos longos monólogos! muito bem a retrataste neste "diálogo"...
O inspector Caramelo já ia na terceira imperial, que o café ficou para depois de almoço.
- Você beba, Capicua - dando-lhe uma palmada no lombo tão forte, que o agente cuspiu cerveja para a mesa. - Já vou na terceira e você ainda não acabou a primeira... parece a minha mulher, pá.
- Sr. inspector, nós temos de ir andando. A ambulância é capaz de estar a fazer falta, sabe como é.
- Prontos, 'tá bem, já percebi, acabou-se o intervalo. Paga aqui o senhor fotógrafo, não paga?
A princípio, atribuíram a falta da sombra a ilusão de óptica colectiva - "uma espécie de milagre do sol em pequeno", arriscou Capicua. Depois, a uma ilusão alcoólica e só depois se convenceram que, de facto, a sombra tinha desaparecido.
Caramelo andava há quatro dias a espumar da boca. Ficava fulo sempre que um corpo se recusava a cooperar.
- A mania que esta gente tem de nem depois de mortos darem descanso à autoridade. Sacanas!
Foi portanto com agrado que recebeu aquela informação: em telefonema anónimo, alguém dizia ter avistado os contornos da sombra no Rossio.
- Pegue no Tupperware e venha comigo, Capicua.
Os pneumáticos quase carecas do Fiat Punto do inspector Caramelo, chiaram quando este parou abruptamente em frente da paragem do 746.
- Alto e para o embarque. Desta paragem ninguém sai - gritou ele, sacando do revólver.
D. Rosa, assustada com o burburinho gerado, parou de martelar os ferrinhos, interrompeu o fado e pôs-se à escuta.
Caramelo berrou as instruções aos passageiros aterrorizados:
- Devido ao adiantado da hora, eu e o meu colega Capicua, vamos ali ao Beira-Gare beber umas imperiais e comer uma bifana, mas quando aqui chegar, quero vê-los cá todos. Ouviram? Que ninguém se atreva a sair. Capicua, passe a fita à volta da paragem e venha, que eu estou cheio de sede.
É assim a nossa vida, entre apertos e amassos lá vamos levando as coisas.
Bom fim de semana.
marinheiroaguadoce a navegar
Legível, tu és mais que legível, és visivel, e quase te oiço!
bom fim de semana
Outro excelente texto!
Alberto Albertto,
se visses o sorriso, que este post me causou...e bem precisava dele. Tu és demais!!! :)
beijos
Só agora reparei que ando a colocar comentários com o nome de "jardim". Bem, isto junto ao teu nome dá uma linda composição (salvo seja)! Preciso de descobrir porque é que isto anda a acontecer. É que "ainda não chegámos à Madeira"!!!!
Venho desejar um optimo-fim-semana!
E aproveitar para dar uma noticia em primeira mão. Depois de ler este texto estou finalmente resolvido. VOU VENDER A MINHA SOMBRA!
Aceito propostas
Um abraço
Até breve
há um livro (não sei o nome) diz que um Homem sem sombra é um homem sem alma...
o que mais gosto nos portugueses é a capacidade fascinante de serem arbitos de bancada. mas são excelentes personagens para conto /romance mordaz
De repente fiquei tão confusa! Ao iniciar a leitura, ia jurar que estava em pleno metro do Porto a caminho da faculdade, a ouvir as velhinhas do costume (ou será sempre a mesma!?)...
É curioso como mudam os lugares mas as ideias são parecidas!
Bom fim-de-semana... faço votos que reencontres a sombra ou, pelo menos, um verdadeiro lugar ao sol!
Ai Alberto....
Está absolutamente FANTÁSTICO este texto.
A conversa foi no Rossio mas poderia ter sido em qualquer parte do país.
Sem palavras :)
Beijos
Tudo igual, é! Questiono a nossa capacidade de reproduzir o "rasteirinho", como um cão de louça à porta. E para brincar ao desafio, aqui vai a tua deixa:
"Nem sítio p'ra me esconder
ando fugida da vida
os pés nus ainda a arder
duma fogueira esquecida
Duma fogueira esquecida
o meu medo é mais receio
ando descalça no tempo
e fica-me a vida ao meio"...
Grande país, de poetas, médicos e loucos, todos somos poucos!
Um abraço, fizeste-me sorrir o entendimento.
gostei muito da conclusão..eh eh eh!! :)
27 de Janeiro de 2007
Sr. Legível
Espero que esteja de boa saúde. Eu por cá tenho andado, ...
Tomei a ousadia de escrever-lhe, depois de me ter aconselhado a consultar o post anterior. É que não li só o anterior, que achei fantástico, mas uma série deles...
extraordinários, eu e o meu filho, que está aqui comigo a escrever (ele já anda na Universidade) divertímo-nos tanto!! Mas que serão, há muito que não era tão agradável!
E escrevo-lhe porque hoje, enquanto arrumava o escritório da minha patroa, vi na p. 13 do Mil Folhas desta 6ªf. bem, vi...e pensei logo, aquele senhor Legível tem de saber disto!!! Aqui fica o meu apoio. Espero que não hesite, pois Portugal precisa de voltar a sorrir!!
Abraço
Esperança Maria
Penso que só percebi pela metade, mas tinha esperança de que houvesse menos de metade para perceber!... Faço parte desse grupo e um dia destes ainda sou capaz de morrer com over-dose de esperança, portanto, é melhor começar já a procurar o Jardim da Paz, que, pelo menos a sombra talvez se escape...
não gosto de pássaros.
mas gosto das tuas asas...
beijo.
(e outro para segurar a Segura...)
melhor ir a pé ou de metro! Para grandes males...ou então levar uma G3 e fazer o gosto ao dedo...bom domingo legível!
Olá Alberto
A remissão é adequadíssima.
O texto que editaste está irrepreensível.
Se houver sensiblidade de quem o ler, perceberá com que facilidade levantaste um das questões ontologicamente mais inmportantes.
Caso contrário, poderá haver o esmagamento do quotidiano numa inóspita paragem de autocarro com a contigente vista curta.
Um abraço
Caro Legível
E assim fica explicado o caso da sombra assassinada (com uma pequena ajuda do inspector Caramelo).
Tenha um excelente final de tarde
... por acaso gostava de ver o sócrates ou a maria cavaco na paragem da carreira 15 pç.figueira à espera do eléctrico para ir aos pastéis de nata
existem lá umas equipas muito bem organizadas a limpar carteiras que nos brindam com "performances" de magia que anima logo o nosso dia de trabalho ou as férias de curta duração dos gringos que nos visitam!
enquanto uns falamfalamfalam eles limpamlimpamlimpam
tens que te dedicar ao "negócio" para escrever uns posts catitas
:))))
Ou na velha-nova Lisboa!
Sempre um prazer estas leituras.
Boa semana*
Olha! Faltava cá este.
O que é que ele quer? Gozar c'a gente. Calma, calma. O homem não deve tar lá muito bem da cachola. Pode explicar melhor o que é que quer dizer com essa da sombra? Credos! Eu com assombrações não quero nada. Cruzes! É pá, deixem o home falar. Vamos aonde? Ao poste anterior? Quer dizer à outra parage? Ai, santinho, você tem a certeza que não tá na parage errada? O que ele quer ir é pr'à Avenida do Brasil. Casinha cor-de-rosa, pois. Vá lá, vá lá, o tipo não ofendeu ninguém. Ele há cada um. Isto é dos astros. Tá tudo mudado e há cabeças mais fracas que dão a volta. Prontos, espantaram o gajo. Vai-se embora. Coitado. Viram como ele tem uma cor esverdeada? É fígado, aposto. Olhem, com isto tudo já aí vem o autocarro. Bolas, já não era sem tempo. Sombra assassinada, não foi o que ele disse? Ai, onde é que eu tenho o raio do passe...
Boa.
e como gosto de aqui estar, mesmo que neste canto neste momento 24 sentadinhos :)
Para inbluesy:
Guarda o portátil que andam aí os manos do fananço...
risos & mais risos.
até agora, eu esperava pelos comentários do rui. mas deu-se uma evolução. perguntou-me ele: tu já leste o da paragem? eu sabia que ia ser bom. mas vocês são tão engenhosos. não há imaginação que reste para acrescentar mais graça. boa noite, caro amigo. beijinhos.
O teu texto, caro Legível, é simplesmente genial...
Parece-me que apanhamos o bus na mesma zona
Um beijo,
Rach
eu gosto é daquela malta que para ver se senta primeiro que toda a gente, acotovela toda a gente no autocarro! Grrr! e o mais irritante é que andam sempre com montes de sacos, excelente arma de arremesso... mais parece que estou num jogo de ragby
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