OS DEMÓNIOS da MEMÓRIA.
«... bem te procurei vislumbrar mas qual quê!? de ti nem sombra ou uma ínfima pista que fosse -seria suficiente o rasto no ar (só a mim perceptível... ) da combinação mais-que-perfeita do perfume que usavas sobre o aroma do teu corpo. Agora, que os meus olhos já se acostumaram a ler o que este véu espesso de gotículas aquosas consegue dissimular, estarás decerto longe. Tão longe que começo a ter dificuldade em pronunciar o teu nome. Tão perto da memória iniciar o processo de guardar o que é possível não esquecer.»
Levantou a gola do sobretudo, esfregou as mãos com força e pôs-se a caminhar com destino. O nevoeiro dava mostras de debandar mas o frio cortante não. Tinha-se decidido; iria a alcácer-quibir. Quem sabe se nestas coisas do amor os resultados das contendas não seriam diferentes dos de outras guerras? E que entre mortos e feridos alguém haveria de regressar?...
Almada 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.
31 Comments:
É das fotografias que tiraste que mais gosto! Abraço de Bom Ano
Acho o texto excelente e muito mais «esclarecido» que a penunbra que o acalentou.
Muito bem.
Estás em forma, amigo.
É sempre um prazer ler-te.
Um abraço.
Hoje vejo o sol e o mundo a preto e branco (também este escuro)...
Maldito nevoeiro que dota de irreversibilidade algumas perdas!
PS - Bonito texto...
Excelente como sempre a prosa!
Eu acredito que nessas contendas o resultado é diferente...por entre sol ou nevoeiro alguém regressa sempre...ou nunca chegou a partir?!
Bom fim de semana, claro!
Beijinhos:)
Essa bruma que reveste várias memórias, quiçá, como um processo defensivo o simplesmente, não há nada a recordar...
Esse meio termo entre a claridade e o escuro, como caminho de opção, de partir ou ficar.
Bom fim-de-semana
Bjs
Legivel, desculpa mas o comentario anterior é meu, so que sem querer e ao querer mostrar a uma amiga como sito funciona, postei com o nick dela... obrigada!!!
Bjs
Sabemos que D. Sebastiao não voltará jamais na pele de ninguém mas a epserança é o que vale.
adorei a foto
Ele há guerras e guerras... mas regressaremos sempre, porque nunca nos esquecemos do caminho de volta a Casa!
Beijos
espero que esse rei dos diabos não volte... era tão incompetente que se ralou para a nação, não cumpriu os seus deveres e ala com ele para ir brincar à guerras. Safa!! A não ser que a ida seja de um dito primeiro ministro que já chateia!! então, vá lá descobrir com ou sem nevoeiro que (penso ) muitos suspirariam de prazer. o pior seriam os palermas que nos restavam. não se pode fazer outsourcing do governo, by the way??
(já agora, foi na baixa-chiado)
Um breve dissipar da neblina matinal permitiu-lhe ler a placa: Alcácer. A dúvida instalou-se: seria possível já ter chegado? Teria dormido durante o percurso que se não tinha apercebido das horas? O alargar da clareira nebulosa desfez-lhe a dúvida, é que por baixo de Alcácer podia ler-se do Sal. Afinal, estava ainda muito longe do seu destino. E estava parado, reparava agora.
Desembaciou o melhor que pôde a janela do autocarro com as costas da mão. Uma enorme fila de automóveis estendia-se a perder de vista.
- O sr. motorista desculpe, mas sabe se houve algum acidente?
- Não me admirava nada, mas isto tem a ver com a malta que veio ver o Lisboa - Dakar, andam todos com saudades de um rally a sério.
Voltou ao seu lugar e preparou-se para uma longa viagem até Vila Real de Santo António.
Passou lá a noite no Hotel Guadiana e, bem cedo, estava à boleia para Espanha. Algeciras era o seu destino imediato e depois África, o deserto, onde, finalmente, iniciaria a sua busca.
Podiam chamar-lhe louco que isso o não afectava, de tão seguro estar da sua razão. Algures, perdido na imensidão desértica do norte de África, ele sabia que ele lá estava. E estava decidido a encontrá-lo.
Demorou cinco dias a chegar a Ceuta e mais dois até Fez. Aí, preferiu fazer tudo com calma, sem pressas que pudessem vir a revelar-se trágicas. Apenas quando estava absolutamente seguro de que tinha tudo o que precisava para sobreviver três semanas no deserto, decidiu partir.
Foram várias as vezes em que pensou em desistir. chegou quase a convencer-se de que sim, que era um louco como todos diziam. ele não estava lá, a fazer a travessia do deserto, isso era apenas um mito. Possivelmente, estava refastelado algures, a gozar a sua reforma.
Foi então que viu aquela figura, ao longe, por entre a areia levantada pelo Siroco. Ia curvado, apoiado em qualquer coisa. Seria?... Sentiu que sim, que era ele. Estugou o passo mas, ainda assim, demorou duas horas a alcançá-lo.
Quase sem forças, gritou o mais alto que conseguiu: - Quem és tu, romeiro?
A figura deteve-se e ficou imóvel.
- Quem és tu, romeiro? - repetiu ele, a custo.
Lentamente, a figura rodou na sua direcção. Estava coberto da cabeça aos pés por aquilo que lhe pareceu ser um imenso lanços cinzento. Não lhe conseguía ver o rosto. preparava-se para repetir a pergunta, quando o a figura lhe respondeu: - Ninguém...
- Luis, és tu...
- Não tenho nome...
- Eu sei quem tu és, és o Luis... Sousa...
- Mas como me descobriste?
- Frei, eu sempre soube que você e o D. Sebastião...
- Frei? Deve haver aqui um engano. - e revelando a cabeça, acrescentou: - Eu sou o Luis Pereira de Sousa, aquele da RTP, lembra-se? Ando a fazer a chamada travessia do deserto e como o Dakar passa por aqui, andou à procura da caravana, mas já não tenho idade para estas coisas, é o que é...
Esta última observação já o nosso herói a não ouviu, sucumbido que tinha ao cansaço.
Não é lanços, é lençol...
Bonita fotografia.
"Em alcácer-quibir o odor dela era perceptível, acompanhava a aragem que soprava do deserto.
Embrenhou-se no casbah. Procurava aquele olhar límpido que lhe iluminava a vida. Subitamente..."
Virei aqui mais vezes , se me for permitido.:)
Um abraço
... as voltas que dás, para nos dizeres que andas à procura da tal sensação das mil e uma noites
homem das arábias ... memorável ... o texto, claro ... no menos claro da imagem ... de sonho e fantasia
mágicos ... os demónios
Baixou a gola do sobretudo, agitou ao de leve as mãos e decidiu parar daquela caminhada sem destino. O nevoeiro adensava-se, mas o frio atenuava-se. Tinha-se decidido; não iria a Alcácer-Quibir. Percebeu que nestas coisas do amor os resultados das contendas são bem diferentes dos de outras guerras. Só perto da memória se iniciam os regressos. Dos perfumes. Não dos nomes.
P.S. Com um texto tão bonito, é uma ousadia tentar dar-lhe a volta. Mas toda a história pode ter um avesso, não é? Desculpa lá.
Um abraço.
sim, apesar do nevoeiro ou por causa dele, na dúvida é ir,ir e confiar que da coragem nascem bons frutos e da covardia e das queixas só comichões! Assim viva o D.Sebastião e as almas sebastianistas!
a propósito: gostei do texto...será que antevejo aqui o germe duma alma romântica??
É sempre um prazer ler o que este papel tem de fantasia. Tanta! Tão bela1 E lá parti para Álcacer-Quibir! Com o perfume de D.Sebastião.Ou talvez não.
Beijinhos
Ai, que eu já li o que não devia ter lido...
;-)
Ná!... Uma boa leitura nunca se evita. Se toca é porque funciona! :-)
Deixo dois beijos.
A verdade é que ela sempre gostara de se fazer de difícil. Dizia sempre muitos nãos antes de cair nos braços do sim que, enlouquecido, pousava a presa em lugar seguro e, deitando-se ao seu lado, respirava aquele aroma escondido em tantas manhãs de nevoeiro.
Mas desta vez estava a ser demais. Não atendia o telefone, as cartas eram devolvidas e a preocupação começava a nascer-lhe, naturalmente: ter-lhe-á acontecido alguma coisa? Terá encontrado outra pessoa? Ou será que se fartou?! Não, isso não!! É que a vida sem ela, não fazia o menor sentido. Poderia continuar a trabalhar, a sair com os amigos, a ir ao cinema, a ler, a visitar museus, a viajar, mas a quem haveria ele de escrever se ela não estivesse lá...para lhe enviar o aroma azul da palavra pura?
Não, não podia aceitar!! Esfregou novamente as mãos, e começou a escrever-lhe uma canção.
Tu decide-te, ou mortos ou feridos!... :)
Quando vi a foto lembrei-me que voltarias ao assunto de um antigo post, o suicidio. Pensei é desta que a personagem se atira mesmo.
Gostei muito como sempre. Sim, o Para ti acabou mas EU nao, Graças a Deus ;)))
É bom ter amigos como tu, mesmo que virtuais.
bjs e boa semana
Na na densa névoa o que brilha é a esperança de que algo seja diferente...
Belíssimo texto... Imagem fantástica me lembrei do poema do João-Maria Nabais:
"Uma manhã nasceu,
de nevoeiro e cinzas,
perdida no rumor
de barcos à deriva,
sem mastros, nem vida."
(...)
Otima semana pra tu amigo.
[s]s
Não é em Alcárcer-Quibir, mas em Odivelas que vai haver jantarinho no ´dia 27 deste mês, as inscrições já estão abertas lá no blog.
Um abraço. Augusto
meu querido amigo. já tinha visto o teu nevoeiro e lido o teu post. mas os dias não têm sido justos. o tempo é o maior ingrato e não falo do meteorológico. estou em clima de guerra aberta com a minha alma. entre mortos e feridos, nenhuma urgência foi atendida e tenho medo de não sobreviver. dont worry. ill be around. beijinho muito grande *
Eu também regressarei, em breve, ferida de morte pela ausência:)
Um abração
Maria
por entre o nevoeiro, como Sebastião, o Dom...
beijo
...não deixas muitas opções, Alberto Albertto - ou a bruma ou as areias do deserto. "Venha o diabo e escolha"!
Beijos
Maravilhoso como sempre.
Desta vez, confesso, muito, muito comovente.
D. Sebastião não regressou.
Mas ainda o aguardam ouvi dizer por ai.
Ele não aguardou.
Parece-me que foi guardando na memória as tais coisas possiveis de não esquecer, enquanto caminhava em direcção a Alcácer-quibir.
Nunca se sabe se ela regressasse era bom se não já a tinha guardada para sempre na memória.
Comovem-me as misturas de sentidos e de sentires.
Maravilhoso________________________________________________
Mesmo________________________________________________
Até breve
gotículas aquosas.. é o que eu tenho dificuldade em pronunciar.. um D. sebastião à altura de um príncipe encantado de uma história de amor. Gostei muito!!!! ;)
Entre mortos e feridos alguém regressa sempre...
Lembrei-me não sei bem porquê, da música dos Xutos & Pontapés
O Homem do Leme.
"e uma vontade de ir [nasce do fundo do ser] e uma vontade de ir correr o mundo e partir a vida é sempre a perder"
Mas nem sempre. Por vezes podemos mesmo ganhar.
Beijos Alberto e à sua caríssima conquistada donzela da batalha de Alcácer :) um também muito especial.
"... O melhor é esperar por D. Sebastião, quer venha ou não."
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