CRIME NO PARQUE DA PAZ
Não havia nada a fazer: a relva húmida do parque acolhera-a na queda que lhe marcou o último sopro de vida, que se conhecia por ser de persistentes esperanças em futuros menos cinzentos que alguns passados que vivera. O médico legista, a uma pergunta do inspector da judiciária respondeu que "... pela coloração que apresentava - esverdeado-escuro, morrera de uma overdose de esperança." O inspector arqueou a sobrancelha esquerda (tique que lhe ficara de uma carreira recheada de dúvidas), sinal que não acreditava peva na opinião do médico. Os indícios de homicídio não eram visíveis a olho nú porque se pode matar sem deixar marcas. Mas o móbil do crime era bem claro: o roubo, que no descontrole da fuga deixou uma pista de quinze euros. Quando chegou o cento e doze um dos paramédicos perguntou ao colega «Como é que se transporta a sombra de alguém para a morgue?»
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Se não se impressiona com cenas chocantes, clique na imagem para ver melhor o móbil do crime. Mas o mais rápido possível para não dificultar o tráfego...
Almada, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.
36 Comments:
Sempre que aqui passo fico impressionada com a facilidade com que "arrancas" uma história a uma imagem. Para mim isto seria uma fotografia mal sucedida, para ti uma morte suspeita: terá sido homicídio, suicídio, morte acidental por overdose de esperança,... Um bem haja a todos os criativos que enchem de colorido as nossas mentes.
Uma questão se levanta: seriam as notas falsas ou verdadeiras?
Hum?!??!?
Beijo :)
Caro Legível
Eu diria que só seria possível debaixo de um sol abrasador e de um céu sem rastos de nuvens.
Tenha uma excelente noite
Caro Legível:
Venho desde já anunciar que marquei o seu blog (na flag em cima) por imagens chocantes. Realmente foi de uma violência avassaladora. Nem acredito como me levou a ver tal cena de horror. Por tudo o que tenho assistido neste blog nunca mais cá vim (e não é desta que vou ler os debaixo porque a concentração anda a falhar). Assim, se a polícia judiciária aparecer em sua casa já sabe desde já quem bufou. Aposto que sei quem foi o assassino. O fotógrafo e jornalista, bah!, mais do que visto!
A bem da nação (e dos neurónios)
Teresa
Excelente, Alberto.
Um grande abraço
o transporte de sombras costuma ser feito em noites de lua nova, ouvi dizer...
O comentário da Bell está muito "bingo"! Consegues arrancar uma história gira e super criativa da foto mais banal!...
Obrigada pelo comentário que me deixaste. Queria escrever sobre o tema, mas o meu dizer é sempre diverso.
Um abraço
Recriar uma cena de um crime? Nunca pensei que uma fotografia pudesse ser tirada já com uma história por trás. Sempre pensei que o processo criativo passava pelo inverso. Interessante notar a inversão neste caso. Para variar, sempre ao melhor nível!
Submetida que foi, a evidência, aos mais modernos processos de análise e rastreio de engodos digitais no afamado LFV - Laboratório de Falsificações Virtuais, a Polícia Bloguiciária ainda não conseguiu concluir que estejamos em presença de um crime de sangue, sendo que o caso assume contornos extremamente sui generis a partir do momento em que falamos de uma sombra-cadáver (relembremos quão moroso foi processo mais semelhante a este até hoje, o inesquecível caso da Noiva, do alegadamente vilipendiador de túmulos Tim Burton).
Apesar disso, o autor desta notícia, ficará, mercê das suspeitas de envolvimento activo na mesma, obrigado ao TIR como medida de coacção enquanto decorrem as investigações que nos dirão se estamos perante um caso de levantamento de falsos testemunhos, resistindo ainda algumas dúvidas sobre a possibilidade de furto ou contrafacção de dinheiro.
Ao que sabemos, os múltiplos advogados e - simultaneamente, habituais blogoconvivas - do protagonista desta rocambolesca história, encontram-se reunidos no sentido de arrolar o maior número de atenuantes possíveis, se bem que ainda não terá sido alcançada a necessária concentração, devido à imparável risota de que são acometidos aquando da leitura do post que suscitou toda a polémica.
Ao momento, apenas pudemos apurar que se discutem as seguintes possibilidades:
1ª Hipótese eventualmente atenuante - o autor da alegada falsa-notícia é um homem de muito boa fé, para além de um romântico inveterado:
"Morrera de uma overdose de esperança." - Uindo, uindoooo!!!
2ª Hipótese eventualmente atenuante - trata-se de um indivíduo com uma inteligência, um humor e uma sensibilidade literária sem precendentes:
"O inspector arqueou a sobrancelha esquerda (tique que lhe ficara de uma carreira recheada de dúvidas...)" - Espectáculo!
Voltaremos em breve, para mais desenvolvimentos sobre o processo Crime no Parque da Paz.
Adorei...
Mas fiquei na duvida, como foi realmente transportada a sombra??? Gostava muito de saber porque tenho outras sombras em outros locais de crime...
Bjs carinhosos
Nem me atrevi a clicar na imagem. Espero que apanhem o/os criminoso.
Procurei desenvolvimento nos jornais, nada encontrei.
Se calhar o "parque da Paz"não é frequentado por ministros com pasta.
Bela história.
Um abraço
Isto as histórias são mesmo como as cerejas...umas atrás das outras.
Esta agora faz-me recordar uma antiga que a minha avó me contava e que vagamente recordo: No telhado de telha e cana, havia uma telha de vidro por onde o sol passava e a questão era conseguir guardar os raios de sol numa caixinha para quando chegasse o Inverno..
Vou tentar recordar-me melhor, se o conseguir conto-vos, se a souberes conta-me....
Até breve
SE DEUS QUISER
Já os egípcios acreditavam que a sombra do corpo era parte integrante dele.
Um abraço. Augusto
estou desde que publicaste à espera do comentário do rui ;) mas este post é inteligentissimo. de uma argúcia muito bem desenhada. a sombra tem um peso maior na foto e no texto, sem dúvida. adorei, que mais posso acrescentar? que o menino é muito bonito. e me faz bem ao coração. pronto. beijinhos.
Mas tu...tu, de esperança tanta, como entendes os pequenos traços? Uns papeis, uma sombra... Parabéns e Abç
Não podia deixar de voltar a esta edição, Alberto.
Em Junho de 2005 comprei, numa edição da Assírio & Alvim, um livro de Adalbert von Chamisso «A HISTÓRIA FABULOSA DE PETER SCHLEMIHL»
Na contra-capa, João Barrento deixa escrito:
«No centro da obra está o dilema em que o autor coloca o seu anti-herói: Somos quem, ou o quê? Corpo ou sombra? Eu ou o outro? Presente ou meória? Matéria ou alma? (...)»
O teu texto está claramente alinhado com esta temática.
Como foi brilhantemente «desenhado» eis a razão porque adicioneiu esta nota.
Um abração
Quanto é que pesará a sombra?!... Já que parece que a alma pesa 21 gramas!... :)
overdose de esperança.. essa é uma morte muito dolorosa. Lembraste-me que tenho uma foto da minha sombra, caída em sajevo, no meio de marcas da guerra... vou procurá-la....
Neste roubo fui, também, vítima...
foram-se as palavras!
Muito bom, mesmo!
Parabéns pelas palavras escolhidas cirurgicamente, pela ordem que lhes foi impressa, pela sensibilidade,pela acuidade...
Fico a saber que a sombra de um foto-escritor ou escrito-fotógrafo(acho que tanto faz) vale, na cotação do mercado da esperança, apenas quinze euros. Esse é o crime. Pode o inspector arquear o sobrolho até à exaustão do "facies" que nunca entenderá que a sombra é indelével e intransportável.
Todo o prazer em conhecer-te, nesta overdose de talento.
Há que tempos...
(e logo vim em dia de crime..)
Gosto da conjugação perfeita na definição de um crime imperfeito.
Abraço
(hummm...tenho de voltar, aqui respira-se qualidade...)
A investigação continua, desta feita de volta de uma nova suspeita: a de branqueamento de capitais. Ao que parece, o suspeito, profissional nesses circuitos, terá seguido a clássica sequência:
Microsoft Office Picture Manager \ Editar Imagem \ luminosidade de contraste (e respectiva redução) - uma prática cada vez mais generalizada.
Hoje, em mais um episódio CSI: Baixa da Banheira, "O Caso da Sombra ao Sol"
O inspector Caramelo calçou as protecções para os sapatos e avançou pelo relvado, diligentemente seguído pelo agente Capicua.
- Cuidado com as poias - avisou Caramelo, apontando para um montículo castanho parcialmente escondido pela erva.
- Hmmmmm Cocker - disse Capicua, tentando impressionar o inspector.
- Santinho! - respondeu o graduado para tristeza do outro.
Dois paramédicos mantinham-se ao lado da sombra enquanto o médico-legista, de cócoras, retirava uma espécie de agulha do corpo da vitima.
- Então, Florindo, o que tens para mim? - perguntou Caramelo, fazendo o palito passar de um canto para o outro da boca.
- Pela temperatura do fígado, diria que morreu há não mais de 3h.
- O que é que isto lhe diz, Capicua?
- Que tão depressa não vou comer iscas, inspector.
- Não me fale nessas coisas, que me dá a larica...
Capicua abriu o Tupperware onde transportava os instrumentos de análise, e começou a espalhar um pó branco por cima da sombra.
- Então vocês foram os primeiros a chegar aqui... - Caramelo apontava o palito aos dois paramédicos.
- Não fomos, não - disse um deles a medo.
- Não?
- Não, quem chegou primeiro foi quem encontrou o corpo e nos chamou.
- Err... não se arme em espertinho comigo, ouviu?
- Mas eu só estava...
- Cale-se! Diga-me mas é onde posso encontrar essa pessoa.
- É aquele ali - apontando. - O da câmera fotográfica.
- Oh psssst - chamou Caramelo. - Venha cá.
- Diga.
- Foi o senhor que encontrou o corpo da vitima, certo?
- Fui eu que chamei o 112, sim.
- E diga-me lá, o que andava você aqui a fazer?
- Olhe, estava a reparar que esta relva é bem melhor que aquela que o meu sporting tem no estádio.
- Sabe que eu já tinha reparado nisso?
- Ah, também é lagarto!?
- Pois... cada um com os seus defeitos, não é?
- Então o que me diz daquele Carlos Martins?
- Épa, nem me fale nisso, é pior que os miúdos que por lá andam.
- Pode crer.
- Ouça lá, não vir tomar um café?
- Vamos nisso, pode ser.
- Oh Capicua - gritou Caramelo. - Quer vir à bica?
- Vou já chefinho.
- E vocês, querem vir? - perguntou ele aos paramédicos.
- Bute nessa, vamos todos.
Ainda não tinham abandonado o relvado quando uma nuvem cinzenta tapou o sol. Aproveitando a oportunidade, a sombra esticou o braço, meteu as notas ao bolso e escapou-se do Jardim da Quinta Dimensão.
Hoje é mais um dia triste. Há 2 anos atrás perdi o meu pai…a saudade e a dor são avassaladoras…
De dia para dia vou ficando mais só!Um dia...não terei ninguém...estarei só comigo mesma! Já perdi tanto nesta vida....
BShell
... o parque da paz desassossegou-se, então não é que ali mais à frente por entre árvores centenárias, pequenas quedas de água fresca, transparente, perto dos bancos de pedra do anfiteatro, chovia dinheiro?
atropelavam-se as crianças no intuito de o apanhar, mas aquela sombra desajeitada soprava, soprava... como leves folhas de plátano as notas rodopiavam, elevavam-se cada vez mais alto no ar, obedecendo a uma dança insana, desapontando as alegres criancinhas
como é que se transporta a sombra de alguém na vida??????
beijo.
deliciada.
como sempre.
Impressionante o teu poder de iamginação e de como do "nada" fazes aparecer coisas tão bonitas de se lerem.
Parabéns, amigo. Não tenho andado muito por cá, mas já sabes como é...
jinhos
pela coloração que apresentava - esverdeado-escuro, morrera de uma overdose de esperança.
Epá gosto desta imagem! Mesmo muito! 5 estrelas!
Quando as sombras se perdem das pessoas a Wendy cozia-a aos pés das pessoas!
Foi assim que o Peter Pan resolveu o seu problema!
RUI: um desfecho à medida. De quê? Do post. Alberto-Rui. Caramelo-Capicua. Há cada dupla aqui por esta esfera de sombras...
Um prazer estas leituras.
Abraço sombreado para os dois.
Licínia,
Um abraço para ti também.
O inspector apercebeu –se de um movimento estranho, ao longe, na folhagem e aproximou-se do arbusto. Mas o espanto não o deixou proferir palavra. Diante de si, de camisa ensanguentada, que as sombras também têm sangue, encontrava-se, imaginem, o nosso primeiro!
Mal avistou o inspector, colocou o indicador no nariz, num gesto de cumplicidade.
Atónito, o inspector continuou sem proferir palavra.
- Algum problema inspector? - gritou-lhe um dos sargentos que o acompanhavam neste caso.
- Nada, nenhum, - respondeu o inspector – é apenas um ...gato!
E voltando-se para o nosso primeiro sussurrou:
-Quer explicar- me o que se passa?
- A sombra que eu ... aniquilei ... a sombra ... era a minha. No dia seguinte às eleições, ela...apoderou-se da minha pasta e é ela quem nos tem governado, sôfrega de poder e de autoridade. Enlouquecido com tanta calúnia, com tanto desrespeito, com tantas medidas anti-sociais, eu , um homem do povo,cumpridor da minha palavra, só poderia ter esta atitude. Será que ainda vou a tempo de endireitar o navio?
O inspector arqueou a sobrancelha esquerda...
isso, overdose de esperança, foi a sombra que morreu, aquele que continua a viver viverá sem esperança e sem sombra? Legível, tens de dar continuação à ideia, quem era o "gaijo"?
Ehehehehe... Legível a marcar, Rui na arbitragem e Licínia no relato... Daquilo que é um blog pleno de qualidade de escrita, mas também relacional!
Ah, pá, kassim é que é!
E eu que já nem por aqui devia andar, e volta e meia (aliás, de meia em meia volta) tou cá caída! Terá isto tratamento?
Vai um jinho em cada um, sff.
«morrera de uma overdose de esperança» :)
Dark kiss.
E o melhor de tudo é que eu sei que o autor do crime é um senhor chamado Alberto Oliveira....
Também pode ser ter sido suicídio... é que existem por aí umas sombras fugidias que ao invés de se deixarem apanhar, engolem-se a si próprias, terminando num único ponto, algures no horizonte: o ponto de fuga.
:)
Mais beijos, A.
olha.. deixei aqui o comentário da "sombra em sarajevo" e ficou anónimo.. :( é só para saberes que fui eu.. bj, bom fim de semana
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