Saturday, January 13, 2007

O CAFÉ do CAFÉ
















É um dos estabelecimentos mais antigos da minha freguesia e, se a memória não me atraiçoa, foi nele que muito jovem, experimentei o sabor do primeiro café que bebi. Por essa altura dava pelo nome de "A Mimosa do Feijó" e orgulhava-se de servir a melhor pastelaria da cidade. Cerca de quarenta anos depois, regressado a Portugal, surpreendi-me que o edifício tivesse resistido ao tempo e a pastelaria também. Só que o negócio já não se confina agora aos bolos de arroz, pastéis de nata ou mil folhas que acompanhavam então o galão, o carioca ou a bica. Servem-se também refeições e os amantes dos petiscos, pela tarde adentro, podem entreter-se com uma travessa de caracóis ou de cadelinhas. O actual dono -neto do antigo proprietário, não se limitou a restaurar o espaço e a acrescentar-lhe outros hábitos gastronómicos: mudou-lhe o nome para "The pan to the fire and the rice are raw " mais consentâneo com os serviços que presta e a chamada de atenção a algum turista acidentalmente perdido pela outra banda do rio.
Falei com o Santos-neto e contei-lhe onde me reunia com alguns amigos a discutirmos as incidências do último Sporting-Benfica (ou Benfica-Sporting que acabou empatado para não dar oportunidade a bocas foleiras neste recatado sítio... ), da estreia de um sangrento western onde os indios sioux ou navajos eram sempre os maus da fita ou das últimas prisões que os gajos da polícia política do economista de Santa Comba tinham efectuado numa tasca em Alhos Vedros. «Era ali, precisamente onde está aquela mesa, de canto.» e apontei-lhe o lugar. O homem percebeu e sossegou-me. «Fique descansado que o senhor pode sentar-se ali quando quiser! ( e chamou um empregado) Ó Carlos! quando este senhor não estiver, aquela mesa tem sempre a indicação de "reservada", percebes? ( e voltando-se para mim) e vou tirar-lhe uma fotografia a si, lá sentado. Para colocar na parede com o título "O nosso cliente mais antigo"; pode ser?».
Não fiquei muito favorecido na foto, é verdade. Mas o homem pelo menos demonstrou boa-vontade...
Almada, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.

32 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Ainda te fazem uma estátua sentado à mesa a beber café! Vale tudo para atrair e conservar a clientela! eheh

14/1/07 13:50  
Blogger Unknown said...

Eu sempre digo (porque acredito piamente) que as recordações aconchegam e dão corpo à nossa história... Eu não seria nada sem história, sem raízes e, como o café que nos contas, tenho alguns sítios, pessoas ou momentos guardados em mim para partilhar e influenciar a história de outros!

Obrigada!
Abraço.

14/1/07 14:38  
Blogger SMA said...

Adorei... simplesmente fantastico...

Principalmente aquele pequeno pormenor da mudança de nome da pastelaria...

É caso para dizer, já fazes parte da mobilia...

Bjs carinhosos

14/1/07 22:55  
Blogger JPD said...

Tudo o que relatas é muito importante por ser cada vez mais difícil podermos sentar num café e ler à nossa vontade o tempo necessário.
Até a reunião de tetílias é mal vista!
Um abraço

14/1/07 22:56  
Blogger Maria P. said...

Isto é fanástico!

Eu também tenho "um café" foi lá o primeiro café...ainda existe e é lá que tenho a mesa do canto, todos os dias...Gosto do nome e não mudou: Vila Velha.

Boa semana, beijinho:)

14/1/07 23:52  
Blogger Maria P. said...

Nota:

Não é "fanástico"

É fantástico.

desculpa.

14/1/07 23:53  
Anonymous Anonymous said...

É engraçado eu, há uns tempos atrás, ter passado de propósito na pastelaria onde aprendi a beber café. Ainda se chama "Colóquio".
Não me lembro de ter discutido futebol mas tive longas conversas com amigos perdidos no tempo.
Ninguém me tirou a fotografia ou reservou mesa:(
Um abraço

14/1/07 23:56  
Blogger Licínia Quitério said...

Não, ninguém me vai tirar uma foto assim. Eu quero uma estátua, no passeio. Com mesa e tudo. A quem nela se sentar, direi: Não vê que sou um fingidor? /Finjo tão completamente/ que chego a fingir que sou/ um Pessoa à sua frente.
E depois é vê-los a vociferar: Pronto. É para os Apanhados. Tinha que me calhar a mim.

P.S. Vou dormir e sonhar com a minha glorificação póstuma.

Até amanhã, Alberto.

15/1/07 00:41  
Anonymous Anonymous said...

Se o menino usasse chinelos, boné, fato de treino e lêsse "A dica", eu até acreditava. Mas sempre a prosa tem as raízes duma terna lembrança, como em tudo o que dizes! Abç

15/1/07 01:24  
Blogger Rui said...

Jovem brasileira, morena, escultural, 20 anos. Aceita trabalhos de limpeza à hora. Qualquer das margens.
Achou que aquele anúncio trazia água pelo bico. Conferiu a secção no topo da página: Classificados.
- Logo vi, está no sítio errado. Este anúncio devia estar nos Desclassificados. - pensou ele para com a chávena de café.

Preparava-se para regressar a casa quando ouviu um ruído estranho.

- Pssssst.
Olhou em redor, mas ninguém parecia reparar nele.
- Pssssst.

Foi então que o viu, na primeira página do jornal gratuito: era Marco Paulo que lhe tentava chamar a atenção.

- Eu bem sabia que devia ter pedido um descafeinado...
- Olhe lá, deixe-me dizer-lhe uma coisa: mudaste! mudaste!

O homem esperou ver uma nave extra-planetária aterrar na sua mesa, mas nada se passou. No café, a rotina de sempre, ninguém parecia reparar em si.

- Sr. Marco Paulo, deixe-me dizer-lhe que gosto muito de o ouvir cantar e...
- Deixe lá isso para o clube de fãs. Eu queria dizer-lhe que mudou, mas para pior! Você antes vinha aqui tomar o seu café, ler o seu jornal, bem vestido, com ar fresco, de cabeça levantada. E agora, já reparou? Vem de calças de fato treino, chinelos, cabisbaixo...
- Faltam-me os amigos, sabe. Antigamente eu vinha ao café para fazer isso que você disse, mas também para dar dois dedos de conversa, para estar com os amigos... mas eles ou já se foram ou estão todos no lar, a babar-se pelo canto da boca.
- Oh diabo! Com essa é que você me tramou, que eu só me meti consigo para tornar o diálogo engraçado. Não estava a contar com uma resposta tão séria...
- Oh sô Marco Paulo, você queria desculpar-me. Tem toda a razão, o que me havia de dar para me pôr com estas coisas. Olhe, já sei: vamos divertir-nos um pouco e telefonamos aqui para um desta anúncios manhosos?

O Carlos ia perguntar ao cliente mais antigo da casa se queria mais alguma coisa, mas ao vê-lo a falar com o jornal, rodou nos calcanhares e voltou para o balcão. Subitamente, achou que devia telefonar para o lar e perguntar ao seu avô se estava melhor da constipação.

15/1/07 10:04  
Blogger manhã said...

salvou-te o boné, senão não sei...assim visto de cima poderia ser mais arriscado. Esta coisa dos cafés, assim como lugares do passado que se transformaram ...apetece sempre dizer: "Olhe lá, não podia baixar este novo cenário e voltar ao original?"

15/1/07 11:44  
Blogger sotavento said...

Mais uma das tuas artes de escrita com café em fundo!... :)

15/1/07 12:22  
Blogger Fortunata Godinho said...

Como sempre, muito bom!
Já agora: o que são "cadelinhas"?

15/1/07 12:44  
Anonymous Anonymous said...

Caramba!

Não é luca, é lakiluca!

Decididamente, o google só morto!

15/1/07 13:14  
Anonymous Anonymous said...

Então, não apareces? Vergonha?...:-))))

15/1/07 15:07  
Anonymous Anonymous said...

era precisamente nisto que eu estava a pensar quando te escrevi o mail. à hora do chã, parece-te bem? beijinho grande, amigo. alice.

15/1/07 15:50  
Blogger Sea said...

Achei uma delícia. Até parece que bebi um cafezinho :)
beijo

15/1/07 17:19  
Blogger isabel mendes ferreira said...

e de repente voilá.


o senhor Café/Café embrulhado no filme....:))))



eu gostei.

gosto da invisibilidade visivel.



beijos.


(o)brigada..)


_______________podem ser dois para distribuir?

15/1/07 17:33  
Blogger A said...

Os lugares que esperamos sempre ver reservados e guardados com direito a fotografia e café e jornal do dia, tudo muito fresco e inacabado....


:)


_____________________________

Conto um dia ficar bem velhinha e voltar a uma cidade (à qual volto sempre, pois é a "MINHA" cidade) e beber uma cerveja bem gelada no pico do Verão, entre uma empalhada ou um prainho de camarão da Costa.

O café pode ser o Tropical ou o Académico e desses dois guardo as melhores recordações dos Verdes Anos, ao som de Carlos Paredes ou dum outro Fado qualquer de noites de serenatas.

Viver assim sabe bem.

Pastéis???

Naaaaaa........... camarão. Digo eu. Ou tremoços.


(e quando é que fazemos outro jantar daqueles?)

Beijos

16/1/07 02:25  
Blogger augustoM said...

Penso que não ficaste nem bem nem mal na fotografia, um passado esquecido que se mostra no presente. Essa da reserva é que me não pega.
Um abraço. Augusto

16/1/07 13:52  
Blogger Cusco said...

Cheguei ao lugar certo! Vou reservar um lugar para poder passar sempre por aqui!

Cumprimentos

Até Breve

16/1/07 17:50  
Blogger Fátima Santos said...

as minhas mesas de café! os meus recantos! os fumos cortados a risos e choros sempre de amores! os meus cafés ali à Estrela, ao Rato, à Politécnica, intactos mas sem cheiros, sem fumos cortados ... com outros odores e outros nevoados! os meus cafés! mas se eu já nem o bebo um café apurado, nem toco em pastel de nata, palmier, muito menos éclair ou noz em açúcar queimado!

16/1/07 20:08  
Blogger segurademim said...

... tu não ficaste muito favorecido, mas olha que o teu tio-avô deu um óptima fotografia, a tomar o tal café do café

tenho a certeza que terá lá ido ver uns joguinhos de football na TV do dito, quando esta ainda não era um aparelho doméstico

também terá pago uns copinhos de leite, uns bolos de gema e bolo-pôdre ao sobrinho neto, aquele puto traquina cujas maldades ele contava com orgulho como as gracinhas do miúdo

sim! porque a tua fama já vem de longe e porque quem torto nasce, tarde ou nunca se endireita!!!!...

;))))

17/1/07 08:59  
Anonymous Anonymous said...

Li e gostei. Bom dia.

17/1/07 10:38  
Anonymous Anonymous said...

A partir desse dia, a minha vida nunca mais foi a mesma: ele era rádios, jornais, televisões, todos se amontoavam à porta de minha casa e acompanhavam-me, religiosamente, até ao café. Abria capas de revistas e emissões de telejornais: «O homem mais velho do mundo mantém os seus hábitos primitivos!».

O Santos-neto, esse, não cabia em si de contentamento... melhor do que esta operação de marketing, só mesmo o euromilhões!!

Dois meses depois, recebi uma carta das finanças em casa. Imposto anual segundo a antiguidade do cidadão!!! Custos de uma mesa reservada, em Portugal!!

17/1/07 11:44  
Anonymous Anonymous said...

São essas pequenas lembranças e pequenos gestos que vão dando cor à vida.

Bom ano.

marinheiroaguadoce a navegar

17/1/07 12:05  
Blogger APC said...

Qual quê... Ficaste lindo!!!
Só é pena teres provado o gosto ao café já tão tardiamente (retirando à foto a duração da tua ausência no estrangeiro, diria que não bebeste uma bica antes dos 30 e muitos. Mas há sempre tempo!:-)
Fantástico!...
... Porque transferes para aqui, para nós, exactamente a bela mistura de que és e somos feitos. parte de nós é história, a outra parte é estória.
Muito bom... Como o café!
Beijos.

17/1/07 18:50  
Blogger batista filho said...

"Não fiquei muito favorecido na foto..."
Estás reclamando do quê?! - Mais legível não poderias ficar! Reclamas de barriga... também pudera: depois de se empanturrar com os quitutes do lugar!!!
Um abraço.

17/1/07 18:55  
Anonymous Anonymous said...

Gostei de ler.....

18/1/07 00:53  
Anonymous Anonymous said...

é assim.. a vida é feita de mudanças, se não somos nós que mudamos de lugar, é o lugar que muda para nós... agora fiquei sem perceber se... com todo aquele nome composto e em estrangeiro, os petisquinhos continuariam a fazer parte da ementa da casa... é que.. uma mesa sem petisquinhos, não tem o mesmo sabor ;)

18/1/07 13:26  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para passarola:

Porque de uma pergunta se trata e porque pressinto na tua pessoa uma potencial cliente do "The Pan... " perguntei ao dono se os petiscos fazem parte da ementa. Podes ficar descansada que sim: fazem. E o meu trabalho de angariação vale-me uma açorda de marico.

18/1/07 15:10  
Blogger Nia said...

..E de luvas a ler o jornal?Não querem lá ver que andaste a fazer alguma danadice?Danadice que te leva a fugir da polícia (secreta ou não que regresssou dos tempos desse "economista de Santa Comba Dão")...é para não deixares impressões digitais, pois é?

19/1/07 17:02  

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