TENTAÇÃO
Apesar do vento frio que lhe fustigava o corpo, o olhar deslumbrado de Ofélia não se descolava das pequenas figuras que se exibiam na montra da singela loja de bairro. Depois, uma força maior que ela, impeliu-a para a porta e entrou lentamente, tremendo da ousadia. A mulher que se encontrava atrás de um balcão repleto de caixas com artigos diversos, franziu o sobrolho à aparição de tão peculiar pessoa e de trajar ainda mais extravagante.
Ofélia pressentiu que não era bem-vinda, mas isso em vez de a assustar, estranhamente transmitiu-lhe mais força. Toda ela era um mar de calmaria quando docemente perguntou apontando para a montra «São gémeos?». Surpreendida num primeiro momento, a mulher sopesou a questão, empalideceu e a resposta saiu-lhe nervosa e crua «Você pensa que vem para aqui gozar com quem trabalha?! Sua merdas! Saia-me já daqui para fora!!».
Na rua, ouviu-se o aproximar da sirene de uma ambulância; parou exactamente ao lado da loja singela de bairro. Dois homens de bata branca entraram e sem mais aquelas, num abrir e fechar de olhos, levaram Ofélia para longe do nosso quotidiano.
Foto de: Alberto Oliveira.
48 Comments:
E não são gémeos?
Também acho que levaram a pessoa errada...
:)
caso da vida real! te digo...
Eram falsos!... :(
Não sabemos lidar com a diferença, tem que ser tudo dentro da norma. Deviamos trazer a Ofélia para perto de nós, havia de se divertir à grande não achas?
(Depois vê a minha resposta ao teu comentário lá no meu cantinho)
Beijinhos
Claro que são gemeas!! se não fossem nem era preciso virem de bata branca busca-las.
Como se diz gemem juntas...lolllll
Esgoto-me em rimas e depois aqui só digo parvoeiras ihihihihi
Resto noite feliz, espero que não tenhas gemeo.
Beijos com carinho.
Muito bonito.
Muito real.
Há tantas Ofélias. Sinceramente, acho que não vão para longe do nosso quotidiano, acho que já andam longe dele. Há uma linha muito ténue que separa o lá do cá
É sempre assim! Levam os sãos e deixam os loucos :-).
Já agora, Legível, vai adoptá-las?
um abraço
Mas isso não se faz!
(Há coisas no futebol que não entendo...Desgraçadamente, os meus amigos SLB também não: então o SLB perde e quem vê o carro amaçado é o treinador do FCP? -- O verde resplandeceu!)
Um abraço!
Faltava lá a lélé para "dominar" a situação. Depois do fdx ao telefone, isto para ela era canja. De galinha.
Triste....
Deve ter sido uma sensação!!!
o alvoroço que a rua deve ter tido com os de bata branca em ocasional performance... para os comuns mortais ver, tomar parte, bater palmas, apreciar??!!
Ai como é bom viver no campo, sem montras e pequenos poderes, prepotentes e obtusos
;)
eheheh, sim, pergunta inteligente e inocente...vivam as ofélias para desconstruir as evidências!
Bem... "dominar" a situação, não acredito que conseguisse, mas era bem possível que em vez de desaparecer só a Ofélia, desaparecesse também a lélé!... Com algum jeitinho talvez se conseguisse mesmo o desaparecimento voluntário da balconista!...
Muito interessante este seu texto. Talvez me tenha tocado particularmente, por conhecer de perto a realidade de figuras como a de Ofélia. Fazem parte de mim, do meu quotidiano. Apaixonam-me. Parabéns pela sofisticação afectiva que este seu texto contém.
Quanto ao meu "Canto do Cisne", fico feliz por me ter ido ler uma vez mais, e gostaria de descansá-lo. Não partirei daqui tão cedo. Esteja tranquilo. É apenas mais um texto. Na verdade, é o primeiro texto em que consigo efectivamente dizer adeus com todas as letras, mas isso não significa que quero partir. Acho até que é mais um texto de chegada, do que de partida, entende?
Grata uma vez mais pela simpatia e pela assiduidade com que me visita. E já agora, visite-me de novo, porque vou agora mesmo colocar outro post. Até já. Um beijo para si. Azul.
De Ofélia também todos temos um pouco!
Por isso logo ao levantar, um bom pequeno-almoço, como aquele de o meu avô, logo uma malga de ovos batidos com vinho, uma boa sopa, e um pedaço de pão com um pimento. E ai se pode enfrentar o seu destino do dia e ir a fazer Land-art com a charrua e as vacas, e traçar á terra num desenho perfeito… bom dia com sol e bom destino.
... e levaram a proprietária da loja para o serviço de psiquiatria, pois a criança, na minha leitura terrena da história, demonstrou-se muito mais adulta e perspicaz... gostei sim, mais uma vez!!!!
Cumprimentos mixed by Jameson 12 anos!!!
Deviamos todos despir as nossas batas e ajudar a Ofélia - precisa de ajuda mais que nós?
Eu, por mim, confesso que às vezes me vejo com uma vestida.
Para flor:
Os da bata branca limitaram-se a desempenhar o papel que lhes foi distribuido pelo autor do conto; mais não podiam fazer...
Beijo grande.
Para @:
Todas as possíveis... e imaginárias.
Para psiconight:
Não. Não são gémeos; são de fábricas de manequins diferentes.
Os equívocos nesta área são o pão nosso de cada dia...
Para seila:
Acertaste! Ficcionei o mini-conto a partir de uma notícia no "24 horas" de vinte de fevereiro de dois mil e seis...
Para sotavento:
"Eram falsos!
Os homens da bata branca?
Os gémeos?
Para pé:
Acho que não seria aconselhavel. Das duas uma; ou ela pirava de vez ou o caminho para a Avenida Brasil deixava de ter segredos para nós...
Já lá fui... ontem. Tá linda!
Beijinhos.
Para lagoa azul:
Não quiseste ficar atrás de mim! Se a Ofélia vai na ramona ambulatória, porque não hão-de ir também as gémeas?!
Não tenho... e tenho. Eu explico; não tenho filhos-gémeos mas tenho (que eu saiba... ) os gémeos-músculos que contribuem para movimentar as pernas...
Beijos.
Para clotilde:
É verdade que a diferença entre louco e normal, é a maioria das vezes muito ténue.
Mas não me compete a mim, discutir dos padrões médico-científicos adoptados para estabelecer distinções desta natureza.
Se eu próprio não me considero muito bom da cabeça...
Para jl:
É um costume... tramado, concordo. Mas ... um dia, a verdade sobre estes sucessivos equívocos, virá ao de cima. Como o azeite... sem galheteiros.
Não penso nisso. Os meus que não são gémeos, mas já são seis, chegam perfeitamente... para as encomendas.
Abraço.
Para jpd:
Pois não! Mas isto é uma terra sem rei nem roque.
Tem sido uma semana e peras!! O meu bairro ficou tão verde de um momento para o outro, que pelo menos durante estes dias, deixam de perseguir o presidente da junta com as queixas sobre os jardins de betão...
Abração.
Para jigoku:
Da próxima saida da Ofélia, avisa-se a Lélé para a acompanhar; pode ser que resulte...
... se resultou com o gajo do fdx, porque não há-de a Ofélia comer uma canja de galinha?!
Para eva:
Bastante mesmo. Podes crer que enquanto teclava o texto perguntava a mim próprio «Porque raio escrevo eu coisas destas?! Par pôr o pessoal ainda mais trista do que já anda! Cá para mim, os gajos da bata branca, também um dia destes me batem à porta...»
Já percebi a dinâmica aqui do teu blog: um dia um post, outro dia resposta aos comentários, novo dia, novo post! Acertei?
Para segurademim:
E nem fazes ideia de alguns comentários que ouvi, de algumas pessoas cá do bairro, sobre o drama humano da Ofélia.
O Garcia da tabacaria: «Qual Ofélia, qual carapuça!. Ela é ucraniana, anda na pedincha com duas crianças brasileiras e vive com um polaco que trabalha nas obras do Aeroporto da Ota...»
A Ermelinda dos congelados: «A mulher não faz mal a ninguém; teve foi um desgosto de amor por um actor das telenovelas que mora ali no cinquenta e dois. Como ele nunca lhe passou cartão, ela ficou assim da mona, coitada...»
O Eduardo, reformado dos Correios e cego «Eu não vejo onde está o problema... »
Para manhã:
Isso. E outras coisas... Estas Ofélias não são muito convenientes ao status estabelecido; faz-lhe cócegas e atazana-o...
Para lélé:
De qualquer modo, não deixas de ser uma referência, né?!
Por essa ordem de ideias, desaparecia o post, o blog e...eu! Olha que não está mal lembrado, não...
Para azul:
Também a mim me atraem as pessoas comuns; aquelas que não têm história e com quem me cruzo todos os dias na rua.
Limitei-me (com todo o gosto) a escrevinhar um modesto poema?!-resposta ao seu post e não fiquei com a ideia que fosse partir de facto.
Não precisa agradecer as minhas vistas. Fá-lo-ei sempre com muito prazer, creia-me.
Um beijo também para si.
Para pilantra:
Falso?! Mas... poistáclaro!
A Ofélia? quem é?... Não conheço.
A balconista? Nunca existiu.
A loja? Qual loja?!
O post? O blog? Onde estão?!
O legível? Incontornavelmente ilegível...
Para concha:
Eu é mais de Othelo...
Para inteiros:
Com uma caneca de café com leite e duas torradas já fico embuchado...
... também não é menos verdade que não ando a conduzir uma charrua puxada por vacas, descrevendo arte na terra; fazer isso aqui no bairro, valer-me-ia uns tempos na choça por impedir o trânsito em hora de ponta...
... os pincéis, os acrílicos e os óleos, sempre são menos pesados...
Para bacardiman aka spiritman:
Admirei a tua leitura da história.
Se uma criança se mostrou mais adulta e perspicaz a outra ficou a tomar conta da loja?!
Cumprimentos!
Para rui:
Ajudar a Ofélia, tudo bem. Mas andar de bata, não me peçam. Lembro-me de imediato que antes de ser operado* em Santa Maria me obrigaram a vestir (apenas) uma bata que me deixava a parte traseira a descoberto, fazendo um percurso a pé por inúmeros corredores pejados de gente, até chegar à sala de operações...
* A um quisto num pé...
Para pé:
No essencial acertaste.
De um modo geral, escrevo um post de três em três dias; no segundo dia descanso. No terceiro (à noite), respondo aos comentários deixados.
Eram falsos gémeos!... Por isso é que a outra se marafou!... :)
Para sotavento:
A outra marafa-se!? com pouco...
Para manuel:
Claro! É dos livros!!... e da falta de vista...
Abraços.
Já fui "Ofélia", ainda o sou muitas vezes
Para clotilde:
Por um lado é bom; por outro... não te substimes!
Um beijo
Não sabia que o frio era tão bom estimulante para se escrever algo tão belo, amigo! Parabéns!!!
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