DESENLACE
A decisão há muito que estava tomada e apenas a vinha protelando porque não é fácil transpor a fronteira entre o que o nosso imaginário tece e o que vamos enfrentar de facto. Mais difícil ainda, porque não se tratava de discutir um mero acordo comercial, argumentar um ponto de vista político ou clarificar uma posição profissional. Sim, façam favor de teorizar à vontade que "quanto mais adiamos, mais dificuldade temos em resolver um determinado problema" que "analisar friamente uma situação e assumi-la rapidamente, é o que deve ser feito para que não surjam males maiores" e algumas outras pérolas verbais do género. Pois sim; conselhos muito assisados , sobretudo quando não somos nós que vivenciamos o assunto em causa.
Numa relação que quase posso garantir me acompanha de tenra idade -quando os meus olhos se abriram para as formas, cores e sons, decerto que ela foi a primeira que olhei e me foi acompanhando (e eu a ela...) até hoje. As minhas mais secretas esperanças, angústias , alegrias, mágoas, derrotas e vitórias, foram com ela partilhadas e... em primeira mão. Conhecia em pormenor as histórias dos meus amores e desamores de adolescente (tantos foram!); uma (ou duas?!) paixões assolapadas, três casamentos, um divórcio e uma viuvez. E sabia de cór o nome de todos os meus amigos, conhecidos e alguns ódios de estimação que se conquistam ao logo dos anos. Creio não ser necessário alongar-me mais, pois o que descrevi, dá uma ideia da dimensão de tal relacionamento.
Hoje pela manhã, depois do pequeno-almoço, saimos para a rua. Poucos passos andados, parei, olhei-a nos olhos e disse-lhe simplesmente «Não te quero mais colada a mim; estou farto!». Não pestanejou sequer; partiu cabisbaixa, em passada lenta. Acompanhei-a com o olhar até ao fundo da rua; ao dobrar a esquina voltou-se e acenou-me num breve adeus. Dei por mim menos leve; desvencilhei-me da minha sombra, mas fiquei com uns gramas a mais na consciência.
Foto de : Alberto Oliveira.
38 Comments:
uns dias fora e , quando volto , encontro o meu amigo Legível com um dedo a menos e sem a sombra de si mesmo , de tal forma que nems equer posso dizer:"o Legivel? ah! Se o vissem agora :é uma sombra do que foi!"
Este Verão li um livro excatamente sobre essa questão da «Sombra», titula-se: «A HISTÓRIA FABULOSA DE PETER SCHLEMIHL».
Tese: «Somos quem, ou o quê? Corpo ou sombra? Eu ou o outro?...»
O que sei de visão segura, porque aparece desenhado na contracapa d qualquer Lucky Luke é que a sua própria sombra atrasa-se a responder-lhe no disparo de duelo. A inquietação não é exagerada por termos a certeza de uma próxima aventura e de se tartar de um ensaio, ta como de uma partida no final do dia, num resplandecente por de sol...Poor lonesome cowboy!
O teu texto está muito bom.
Um grande abraço
Mas ela fez-te algum mal?
Deve sentir-se muito infeliz. Afinal, agora, vai ser sombra de qem?
às vzes dava vontade de libertar, não da sombra, mas de tantas outras coisas que nos ocupam o espirito e não nos deixam ser livres (mais).
marinheiroaguadoce a navegar
De consciência pesada???!!! não estejas, ela já voltou... tu é que andas agora a evitá-la! bem te vi sair a porta da rua de frente para o sol, para não a enfrentares!
Depois de comprar o jornal regressaste, desta vez entraste de marcha atrás, o que tiveste que esperar!!! sempre às arrecuas, aproveitas-te a entrada da vizinha para não teres que te voltar, meter a chave à porta e vê-la!!!
Assim de costas, foi ela que cumprimentou a vizinhança, que de vez em quando tem tanto para cochichar... à tua custa!!!
Beijo :)
Não seria só o sol que se escondeu?!... ;)
Sem sombra (de dúvida incluída) que este é um belíssimo post! Aguardo a revolta da sombra...
Bjs
Ele há-de voltar, nem que seja nos teus sonhos, ou pesadelos:P
que giro... sempre que vou à depilação sinto o mesmo!... ao deixar os meus pobres pelos agarrados às tiras de cera fria penso: "menos uns gramas!"
mas eu fico de consciência limpa!
Eu deixava a sombra, a consciência e outros apêndices. É que são estas coisas que nos obrigam, muitas vezes a sermos como somos. Baahhhh!
Dessa vez não senti vontade de rir... talvez a refletir um estado de espírito mais introspectivo (meu). Finalizo no elogio merecido que tuas palavras merecem. O texto nos oferece a oportunidade de aprofundar a questão. Mui bem posto, mui bem escrito. Parabéns.
Um abraço, amigo.
Mas quem é ela a pobre que assim foi abandonada? A sombra, a amiga, a consciência? Fico sem saber, de qualquer modo, seja quem for não tens a minha benção, não há justificação para um abandono assim.
Para i&c:
É verdade; estou mais seco de carnes, fresco de ideias & doido q.b...
(o auto-retrato desapaixonado?! é um exercício que nos esquecemos de fazer com alguma regularidade e tem efeitos positivos na epiderme.)
Para jpd:
Caro amigo:
Não li o livro e quem sabe se o vou ler algum dia. A minha iniciação (técnica) nesta área, inicia-se com as sombras chinesas. Talvez por não me ser fácil "fazer aparecer" numa parede, a cabeça de um cão a ladrar, notei de imediato que mais lá para a frente, "o caldo da relação com a minha sombra, se iria entornar"...
...demorou alguns anos (muitos) mas valeu a pena a ruptura. Se assim não fosse, como poderia escrever este post?!
Abraço amigo.
Para salsolakali:
Fez sim; colou-se demasiado ao meu corpo. Não me deixava ter liberdade de movimentos. Que é na prática, o mesmo que liberdade de expressão...
Não sei; mas acho que a vi dirigir-se em direcção áquele estabelecimento hospitalar sito na Av. do Brasil. Também já estava habituada...
Beijos.
Para maria do céu costa:
Enquanto bebias um café e saboreavas um pastel de nata? Com esse acompanhamento, ainda vá que não vá; quando leio os meus posts estou sempre a beber ou a mastigar qualquer coisa. Se assim não fôr... sabem-me a pouco...
Beijinho.
Para marco ferreira:
Já falei nisso num dos re-comentários mais acima; a liberdade de "movimentos" é óptima até para deixar o espírito... navegar.
Para segurademim:
Entrar de costas seja onde fôr, não está, nem nunca esteve nos meus propósitos. A frontalidade é o meu lema e "dar a rectaguarda a amigos ou inimigos", não é de bom tom, fere a moral vigente e não é de pessoa inteligente.
A minha vizinhança já está habituada às minhas excentricidades, vilas e aldeias.
Se já meti a chave à porta da viuva que mora no andar de baixo, numa noite mais complicada, porque se haviam de surpreender de me verem chegar sem sombra... de pecado?!
Para sotavento:
Se o sol se escondeu
eu não dei conta de tal;
quem sabe se não fui eu
que a perdi... para meu mal.
Para @:
Também tu?! Já é a segunda vez que me falam do assunto; querem ver que estão a querer tapar o sol com a peneira?! Sem sombra de dúvida...
Bem vinda e bom fim de semana!
Para lia c:
Sem sombra de dúvida, plagiei-te sem querer, no comment acima.
As sombras não se revoltam; escondem-se... na sombra.
Bjs.
Para pé:
Como adivinhaste que é uma sombra-macho?!
Já não tenho segredos...
Para joana:
Eu não me depilo (a conjugação deste verbo, neste tempo, na terceira pessoa do singular, é uma das singularidades do idioma português)porque sempre me habituei a ver-me de pelos. Depois, por via de um problema alimentar, os pelos foram substituidos por penas. Foi por essa altura que me alistei na força aérea... daí me conhecerem por cabeça no ar.
Enfim; that´s life...
Para jl:
Sobre essa sombra, caso encerrado; já vem outra a caminho e de qualidade acima da média... Nórdica, claro!
Da consciência, estou a estudar o assunto conscenciosamente; primeiro há que saber da sua forma e cor.
Dos "outros apêndices"... talvez depois das... presidenciais.
Abraço e goza bem o fim-de-semana; quem sabe se um destes dias também os cortam... como a alguns apêndices felinos.
Para batista filho:
Reflectir é óptimo para a nossa qualidade de vida... mental.
Através de um tio meu, que fez vida no Brasil, conheci lendo, ainda adolescente, um enorme humorista brasileiro: Millôr Fernandes. É curioso que ele não me fazia rir; pelo contrário, a sua ironia mordaz me fazia pensar...
Abraço amigo.
Para manhã:
Nem mesmo aproveitando uma benessezinha por altura da quadra natalícia?!
(querem lá ver que vou passar o 25 de dezembro no limbo?!)
doido q.b. Gostei!|!!!!
Para i&c:
Sempre na base da cozinha portuguesa; temperos qb
Dizes isso só porque a tua ainda não se revoltou, coitada... mas no dia em que acontecer - e vai acontecer esse dia - não há sombra que te valha para te esconderes da tua sombra... (e é bem feito que enquanto dormes ela pule e dance até te fazer acordar de exaustão!)
Olha: beijos!
Pois... foi também com ele (Millôr Fernandes) que aprendi como foi criada a metáfora - e outras coisas do género. É pena, parece-me, que o site dele esteja tão dediado apenas aos assinantes de não sei que porcaria...
Bjs
Voltei aqui só para dizer que o Mansoa já tem umas coisas e que lhe vou mudar o nome se conseguir porque aquele não é meu. + bjs
Para lia c:
1 - Espero (sentado) por essa revolução;
2 - Nem sabia que ele tinha um site; espero que não seja o sítio do picapau amarelo. Fico feliz por também ter sido com ele que aprendeste "como foi criada a metafora* e outras coisas do género...";
3 - Estou atento (sempre!) ao que escreves e só espero ter tempo para o comentar com a dignidade de que me sabes capaz.
Beijos e resto de bom domingo!
* "Isso" não é despegado?!
1 - sentado e armado com uma dose extra de paciência, p.f.
2 - fico feliz por ter contibuido para a tua felicidade. e pode ser separado, sim... quando tiver tempo dou-te o link do hm.
3 - ahahahahahahahahahahahahah!!!!!!!
Beijos mts
Legivel: por acaso penso que o meu dedo deslizou para o "O", mas pensando bem, se olharmos com atenção para o teclado o "O" fica no lado oposto do teclado ao "A". A conclusão que tiro é simples: o meu subconsciente é que escreveu este post e assim "descobri-te".
Esses gramas a mais foi para compensar a perda do dedo?
Para lia c:
1 - Paciência é que coisa que não me falta.
2 - Agradecimentos antecipados.
3 - bbhhhhh bbhhhh bbhhhhh
Para pé:
(e seu subconsciente)
Aceito a explicação... didáctica; queres crer que nunca tinha dado pela posição "geográfica" dessas vogais no teclado?!
Para rui:
Acertaste em cheio!... no dedo!! Até ficou negro...
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