O CÍRCULO DE GIZ DO GATO INSANO
Tinha sido com alguma dificuldade que marcara território. Que não se pode pedir a um gato, conhecimentos geométricos por mais rudimentares que sejam, e pegar num pau de giz com a igual destreza dum humano. Era um sítio calmo e de temperatura agradável, com milhares de livros em caixas e prateleiras. Só muito raramente - sinais da crise, um jovem subia a escada em caracol e recolhia um livro para repôr no lugar de outro de igual título, que acabara de ser vendido na loja rente à rua. A meio de uma temporada, na qual o mês de Janeiro foi a excepção, a monotonia começou a fazer-se sentir e a minar-lhe o pêlo . Ainda se soubesse ler... Foi no decurso desta inquietação, perceptível pelos movimentos nervosos da cauda, que atentou no homem do rés-do-chão do prédio ao lado. Queimava os dias de phones nos ouvidos, e aparentemente, passava na perfeição por um daqueles melómanos em que tudo na vida está bem, desde que a música não entre em ruptura de stocks. Mas o nosso felídeo, experiente de sete vidas, que não confundia gato por lebre, quando se apercebeu que o amante da arte dos sons, subia repetidamente o olhar guloso para o seu sítio, entendeu tudo: o homem preparava-se para lhe usurpar o território. Tão desesperado ficou por, num ápice, passar do estado de agitação ao de candidato a sem-abrigo - não sendo este último estado de sua iniciativa, que nem deu conta que num expositor, a imagem de Bertolt Brecht na capa de um livro, lhe piscava um olho e se propunha mediar o conflito próximo. Saltou, vigilante, para uma caixa de cartão e aguardou em ânsias, que um autor saísse das linhas de um poema e lhe desse indicações precisas que o resto viria por acréscimo.
2009. Texto e foto de Alberto Oliveira.
28 Comments:
"Desde que a música não entre em ruptura de stocks" um final feliz é mais que uma certeza!
Desculpa "fugir" à tua história, mas esta frase caíu-me no goto!
:)
e que tal assanhar-se como um comportamento de gato? ai se fosse um cão...
O que o bichano não sabia, era que Artur Beldroega, o homem do rés-do-chão do prédio ao lado, julgava que um melómano era um insecto pestilento, que largava gosma por onde passava, e que o que lhe entrava pelos orifícios de escutar a dentro, via auriculares, eram os relatos da bola e as várias edições diárias da Bola Branca. Ultimamente, consumia-se com a falta de candidatos ao poleiro verde - que verde era o seu coração - e depois com o excesso de candidatos e com as hesitações do senhor da OPCA. Sentado na soleira do rés-do-chão, sentiu-se observado. Olhou em redor, mas deu por si sozinho, o que não o descansou, já que a sensação de ter uns pares de olhos em cima de si não o abandonou. Tentou distrair-se com a ultima musica antes da edição da tarde do seu programa radiofónico favorito: "Menina dos Telefones", da Maria José Valério - o que só podia ser um bom augúrio. Já cantarolava toca o telefone a toda a hora... toca... toca... e se não atende sem demora... toca... toca... está, quem é que fala desse lado?... é decerto alguém apaixonado..., quando se ergueu de um pulo e levantou o olhar para o último andar do prédio vizinho. À janela, olhando para si com um esgar que talvez fosse um sorriso, um homem saído de um livro, afagava o dorso de um gato que bocejava.
Bom isto de encontrar aqui o Rui tem que se diga ::))
Em relação ao post, eu já me estava a preparar para saltar de um dos meus livros, ir apanhar o xarabaneco e levá-lo para a minha lua de lobos onde iamos ser muito felizes.
Cheguei tarde e o tio Torga apareceu mais rápido.
Ou seria o tio Agostinho?
Tenho que comprar óculos.
xi
maria de são pedro
Olá caro amigo. Desculpo-me pela ausência, quer de visitas aqui ao seu cantinho, quer de notícias, mas como vê não está esquecido. Nada disso! POis, de passagem rápida pelas leituras atrasadas, guardei o nome maravilhoso do Ludgero Casanova!!! Olhe que você e os nomes, homem de deus!, têm cá uma afinidade!! lol
leia-me de novo, caso tenha paxorra pa isso, em www.bodega-bay.blogspot.com
Beijos e abraços. Até breve. Azul.
Coitadinho do gato...ficou aflito...:P
Agora, infelizmente, esses caixotes de livros nos armazéns têm tendência a aumentar...a nossa sociedade é culturalmente pobre...demasidado...
bjitos
Espanto-me com a quantidade de "obras" publicadas, sem grande qualidade,enquanto quem escreve assim se fica pela NET!!
Abraços.
Ah...finalmente um gato teatral!
Hoje não me sai lírica, nem satírica.
Talvez...uns cat-head phones fossem a solução, em vez de ficar "À Espera de Godot" do primo Samuel, tanto o gato como eu.
Bjinhos
Tanto eu como os meus serra da estrela gostamos de gatos
corremos muito
quando fogem das linhas do poema
e só depois nos encontramos
esfalfados
na diferença
Eu gostava de ter giz
para desenhar assim gatos
nestes círculos perfeitos
de palavras :)
Beijos, miaus e sorrisos :)
seguiu cuidadosamente-como é costume nos gatos,
a linha imaginária
entre os dedos da escrita
e as garras afiadas,
beijo
~
Dá Deus nozes a quem não tem dentes!...
Mas ainda há-de vir o dia, em que um gato vai ganhar um prémio literário... Não direi que seja o Nobel, que esse é para os aprumadinhos e serve certas políticas obscuras... Talvez um Gattai...
Esse gato, insano ou caucaseano, melhor fora que estabelecesse um circulo de giz que o defendesse de invejas - de que tanto agora se fala. Tiraram as pedras ao circulo de Berlim porque as invejaram para Gaza e para o Méxio - só pode!
Quanto ao Bertolt o melhor é disfarçar: as escadas de caracol a todos enrolam e apolícia anda com falta de trabalho!
O Mounty diz que não percebeu, que não pode haver problemas de marcação de território nem de divisão de poderes entre homens e gatos, isso está resolvido há séculos: o gato leva sempre a melhor! Por maior que seja a intervenção do poeta/dramaturgo...
Caro companheiro de viagem...
Tinha perdido o link para aqui chegar... mas cheguei! Agora tenho que actualizar a leitura, pois o atraso é grande, mas como o que se faz por gosto não cansa (é como viajar), em breve terei lido o que aqui foi deixando.
Parabéns pela qualidade dos textos. Estou de acordo com alguém que atrás diz (o resumo/interpretação é meu): "são publicados tantos livros, alguns autênticos "canhangulos", e o meu amigo, com obra deste "calibre", fica-se pela Net?
Um forte abraço
"Vejo que [a senhora]tem um gato", Oliver Twist, Charles Dickens.
Bom fds e um beijo.
... traças um perfil muito passivo a um bichano que parece ser bem animado.
todos os meses do ano?!
o local é propício à existência abundante de gatas, ratas e afins
com autonomia e experiência não deve depender de indicações, muito menos precisas
[ tens é que voltar lá em dia útil, aí materializas a inter-relação e contas como foi, ok? ]
E´caso para se dizer
Vida de Gato ;)
Adorei, dava um filmezinho de animação...
Abraço.
E as indicações vieram:"Do rio que tudo arrasta se
diz que é violento
Mas ninguém diz violentas as
margens que o comprimem". Encheu-se de brios e afinfou uma arranhadela em plena face do pretenso usurpador. Ele deu um grito e mergulhou de cabeça nas páginas de um livro. O gato voltou ao centro do círculo e lançou a Brecht um olhar cúmplice, em fresta.
AS histórias que o senhor inventa!! Ou são mesmo verdade e eu é que não atinjo...
Assim que acabei de ler, dei comigo a pensar no livro de Sam Savage, "Firmin", que conta a história de "uma ratazana de biblioteca" que vive numa livraria. Eu própria sei de uma aranhas que tecem teias entre a "Montanha Mágica" e o "Papalagui" e já ouvi falar de um silverfish que teve uma indigestão à conta de ter papado meia página do "Memorial do Convento". E está certo! É deixar as livrarias entregues à bicharada...haja ser vivente que ainda lá entre!
Costumo passar por aqui em silêncio, mas hoje apeteceu-me dizer-te que gosto bastante da tua escrita. É fluída, segura, sem rebuscos, coerente. Escreves mt bem, bastante melhor do que eu. Parabéns!
Um abraço,
Jorge
Eu fiquei a roer as unhas à espera do que se seguirá!
Não perco uma estória com gatos...
Abraço
Eu não preciso do "papel" mas adoro a fantasia. A que ri, como a tua!
Bj
Legível,
Não te preocupes, que o gato há-de safar-se, e à grande. Sou eu quem to afiança :)
E ainda passa de insano a brechtiano, com ou sem círculo de giz. Os gatos são assim mesmo, não desistem e não há volta a dar-lhes...
Que mais? Gostei do gato, da história, da foto.
Um abraço.
"candidato a sem abrigo...
aguarda em ânsias indicações precisas... que o resto virá por acréscimo."
Retive, isto!!..talvez pela "graça"..ou sei lá.
(e..não só...mas também...escreves muita bem!!!)
Ai Jesus! Cromos prá troca. Do que tu me havias de falar. Cromos é o que há mais para os meus lados: para trocar, dar e vender, houvesse quem lhes pegasse. O Paulinho do Risco Enviesado fica e fica muito bem. Digo eu, que é o único que me faz ver as entrevistas em flash.
Ainda por causa dos maluquinhos da bola: amanhã vou à despedida do Estrela, da Amadora (, = jogos em casa). Fui sócio durante anos - nos tempos da segunda divisão e primeira subida - e tenho-lhes carinho. Os inteligentes lá conseguiram dar cabo daquilo - não acredito que para o ano existam.
Abraço.
Não gosto de gatos.
Só de gatos suicidas :) conheci um que se atirava do 4º andar de um prédio em Coimbra... à terceira foi de vez.
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