CLARA BÓIA
Pergunto a Clara, se quando desce na vida, esses reveses podem ser explicados com a claridade que exigimos a nós próprios, das vezes que nos propomos fazer a contabilidade da nossa existência. Ela responde sem hesitação, que não. Porque crê que existe uma qualquer força desconhecida que faz com que os azares e contrariedades que lhe batem à porta se multipliquem sem intervalos. E isso, acrescenta, não tem explicação lógica, adiantando entretanto que de supersticiosa não tem nada. «Agora, por exemplo, estou no "ciclo da escada rolante". Esteja com atenção e veja o que vai acontecer de seguida. Vou ser engolida por uma medonha negritude. Fui ou não fui?! E no fim da escadaria apenas não torci um pé porque não calhou. Certo? E o combóio que pretendia apanhar, enh?! já se foi e só daqui a três longos minutos chega outro com tanta gente, que provavelmente não consigo lugar sentada. O que me diz a isto? E porque vou chegar atrasada ao serviço, espera-me um sermão dos antigos do meu chefe. Mas hoje não estou para o ouvir e vou voltar para casa. O meu marido - que está com baixa médica há uns tempos largos, quando me vir chegar exclama "Desta vez é que foste despedida! Mas já que cá estás, prepara-me o pequeno-almoço que não me importo de o comer na cama." Entre o sermão do meu chefe e o pequeno-almoço do meu marido, opto pela escada rolante, percebe? Mas tudo isto começou tinha eu os meus três anos. A banhos, numa das praias da Costa da Caparica, o meu pai deixou de me segurar por uns momentos e, voltando-se para a minha mãe, gritou "A Clara bóia!!", enquanto eu, totalmente submersa, era invadida por uma escuridão assustadora (nunca consegui abrir os olhos sob a água) provava o sabor do sal Atlantico pela primeira vez e os pés de um nadador de domingo só não me acertaram por puro acaso.»
2009. Texto e foto de Alberto Oliveira.
28 Comments:
Livra, que destino irónico!...
Diz à Clara que lhe ofereço uma ferradura... a ver se dá um bocadinho de sorte!
ó Clarinha, se despachares os azares numa semana terás uma outra que sobes nas escadas. Gastas esses azares contínuos
De Metro, Clara gosta mais de chegar ao Cais do Sodré do que de lá partir - chega em direcção à luz e, quando parte, não consegue evitar a sensação do abismo que a engole. Da última vez que a ferrovia subterrânea a lá despejou, tomou a direcção contrária às águas do Atlântico e ao seu sujo sal: fintou o Eléctrico e os impacientes automóveis e foi enfiar-se no Mercado vizinho. Desembolsou o ingresso de acesso ao primeiro andar e sentou-se numa cadeira de plástico, a ver a dança das dores alegres.
acho melhor explicar urgentemente à Clara que há certos periodos quase diários em que a Lua (aquela bola lá no cucuruto do céu) fica "vazia" e que não há mais nada que nos possa acontecer (pensamos nós de que...).
Ela que procure rápidamente no Google e vai ter a noção de que não é só a ela, mas a todos nós...
e a propósito, sorriam porque hoje é o dia dele ... do SORRISO :::))))
xi
maria de são pedro
Entre o sermão do meu chefe e o pequeno-almoço do meu marido, opto pela escada rolante. Faz bem. Há quem bóie e quem mantenha a cabeça entre as orelhas. Já dizia o outro. Mas vai tudo dar ao mesmo.
:)
Belo texto Legível. Sim tantas vezes sentimos a Clara a boiar... E, com a mesma clareza, a nossa vida a dança ao Luar, sem que chegue o socorrista que, no fundo, todos desejaríamos que viesse, nem que seja de dentro de nós. Bjos. Parabéns.
Os teus textos têm o condão de me fazer rir!
Então este que me mantém em suspense quase até ao fim...
Faz-me lembrar o:
- Michel, rien!
E bem preciso de rir!
Abraço
Essa rapariga nem bóia, nem nada (do verbo "fazer nada")! Ela vive probabilidades e tem uma pontaria impecável para ir buscar as menos prováveis.
Como poderia explicar com claridade os seus reveses?...
1 2 som... 1 2 experiência... volta soares franco estás perdoado... som... som...
(afinal o teste já cá não está...)
Para Rui:
Com franqueza! ainda não perceberam o problema do homem: é um tímido.
Não era teste. Foi a minha testa que bateu no blog, porque de repente faltou a luz. Claro que agora a testa já cá não está. Levei-a comigo. Para a cama.
Quando li o teu texto lembrei-me que "um mal nunca vem só". Agora com as escadas rolantes, é muito pior, sempre a descer, como se vê na tua foto de esguelha. E quem tem telhados de vidro, que atire a primeira pedra à casa!
Sempre bem esgalhados os teus textos, tão actuais que até nos fazem rir, como certas notícias de rodapé.
E, prontos, lembrei-me da Clarabela, a vaquinha simpática, amiga da Minnie e de quem o Pateta gostava. Longe de mim qualquer alusão a factos da realidade ou da telecoisa.
Se fosse em 1940 (cruzes canhoto!) o pai diria: "Clara, a vela!"
Mas não. Estamos imersos no desemprego, nos desfasados horários e no raio dos nadadores-salvadores que não nos ligam bóia e só nos dão com os pés para irmos ao fundo.
Bjinhos
(a segura não está segura? É que corares com um elogio de mulher feita não é caso para sassanhar...)
Peço desculpa, mas só venho numa fuga para desejar bom fim de semana prolongado .
Viva o 1º de Maio!!
gosto de clarobóias
poderia dizer que fui tocada por uma nos primeiros instantes de vida,
como tal,
boiar foi tão natural
como escalar .
mais tarde afastei-me de patrões e maridos,
curiosamente achei-os, em múltiplos aspectos, singularmente parecidos.
mas não, nem as escadas rolantes me salvaram ainda,
este é o chamado texto inconsequente,
honni soit qui mal y pense,
ámen!
(( beijo :)
~
rosas para ti hoje.
Sem bóia,sem nadador salvador, sem sorte e sem rede.
Com tanto azar ainda as escadas param a meio...?
:)
Sorrisos e um Abraço.
Abril de novo
no Maio de sempre
Além do 1º de Maio, há uma outra data para comemorar: o meu "Momentos Perfeitos" faz 1 ano.
Convido-te a vires brindar comigo!
Bom fim de semana prolongado.
ESPREITA...e vê se conheces o restaurante onde estou à espera de todos vós, para fazermos um brinde!
As escadas rolantes da nossa vida pregam-nos partidas...
mas também nos podem proporcionar chegadas, se para tanto a atenção não se desviar para o lado.
Bom fim de semana
bjins
Percebendo naquele trumático minuto que o seu destino não era boiar entre pés e pezadas, tomou a sábia decisão de nadar... em contramão, já se vê! Por muito cansativo que fosse, nunca conheceria o desânimo de chegar... e as escadas que rolassem ascendentes ou descendentes.
Compadre, andas negro e com inspirações boiantes boidepois.
Tirando os cuidados de batuque no blogue vaticino-te uma próxima caracolada. Que tal?
Mesmo com escada rolante,
A Clara bóia submersa.
Paradoxal o bastante.
(E não lhe falta conversa!...)
Um abraço.
hahahahahaha
Clara Bóia ;)
Abraço.
Nem tudo são reveses: hoje levaría com uma mota de água ou ficaría cega por um saco de plástico. Do marido tería o desejo (parece que estão todos ocupados)e com sorte tería que regressar a casa a butes, pois era dia de greve.
Aprende a nadar Companheira Clara!
Deixo beijo ao Autor, Senhor Autor!
(tiro-lhe o chapéu)
E diria...Clarinha, é o fado, filha!!!...não há bóia para tanta tragédia.
Clara, não sabe nadar..yôôÔ!!
Lição de vida: Nunca vir tomar banho à Caparica em pequenina
(essa da escada rolante...eu ando, tu andas, ele anda...parece-me)
... às vezes é preciso ir ao fundo da escuridão para encontrar o caminho ... se a Clara soubesse isso ...
Hoje vejo tudo a lentes de pessimismo... boiar não me parece libertador mas sufocante, um acto de sobrevivência... hoje sinto que, mesmo sabendo nadar, a vida só me vai deixar boiar...
hmmm
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