Saturday, August 20, 2005

O EXPRESSO do SILÊNCIO

«Muitas vezes, silencio as palavras que esperam ansiosas por serem ditas. Os tempos não estão para grandes discursos, tiradas grandiloquentes, argumentação a propósito para contrapor ou discorrer em voz alta o que nos vai na alma. A síntese, meu caro, está na ordem do dia; de palavras cuidadas, pesadas e repensadas quanto possível, que um equívoco pode ser a morte do artista. Quanto menos palavras se gastarem, melhor, que a verborreia não leva a parte alguma». Casimiro calou-se, colocou um cigarro entre os lábios e acendeu-o. «Mas...e a liberdade de expressão?!» questionei, aproveitando a pausa. Expeliu três círculos de fumo -habilidade que nunca consegui levar à prática, olhou-me de um modo que me pareceu entre a comiseração e o paternalista e respondeu-me : «A liberdade de expressão tem um tempo preciso; usamo-la em tempos de necessidade e depois arrumamo-la em sítio que fique bem à mão. Percebes?»
Levantou-se, sacudiu um resquício de cinza imaginária do casaco de bom corte e acenou-me em jeito de despedida. O motorista do automóvel grande e negro, abriu-lhe a porta traseira e o meu amigo de infância Casimiro, era agora, apenas um vulto escuro dentro do carro que arrancou quase sem se ouvir o ruido do motor. Peguei no telemóvel e liguei para a Catarina «Olá. Não queres vir tomar um café? Óptimo! Preciso de me expressar...urgentemente.»

19 Comments:

Blogger mfc said...

Como eu te compreendo, acredita.
Há dias uma amiga minha disse-me para eu abreviar uma história; péssimo, eu adoro contar histórias, longas de preferência.
Perante aquele pedido, e com medo de perder audiência, acedi. Mas em vez de abreviar, contei a história mais rápido.
Resultado, disseram-me:
"Não entendi nada."

19/8/05 22:20  
Blogger Joana said...

Esta tarde quando cheguei a casa depois do trabalho e já tinha os sacos para o fim de semana fechados e encostados à prota e casa olhei para a estante de livros e tentei escolher um livro Bom. Daqueles que falem de pessoas, que contem uma boa história... de facto apercebi que nada me interessava... ou porque a lombada era demaisado larga, ou porque poesia deixa-me demasiada melacólica nesta altura do ano.
Meti-me no comboio e saí de Lisboa para passar o fim-de-semana fora, o cd que comprei na quinta regalou-me o espírito. Chego a casa ligo a net e percebi que encontrei hoje uma excelente leitura: os teus pensamentos à solta neste blog.
Obrigada por seres, de facto, melhor que qualquer livro de um qualquer autor consagrado.
Gosto de pessoas assim: verdadeiras com a sua escrita.

20/8/05 00:09  
Blogger segurademim said...

Descrição cénica, que lembra diversos takes de um filme de Barry Levinson... o telefonema prá Catarina bem poderia ser: olá girássa! tou farto de esperar por ti! já comprei os bilhetes, não me vais deixar aqui especado mais tempo, à porta do cinema, pois não? chiça ! é sempre assim quando vimos ao King ver reposições... já te tinha dito que hoje vamos ver o Bugsy! Sim, o Warren Beatty ganhou o óscar a fazer de Bugsy Siegel o mafioso que começou Las Vegas... OH Catarina, vê lá se te despachas, puxa!!!
depois de desligar a falar sózinho: uma pessoa tem um trabalhão cos argumentos e a Catarina é só futilidades... no cabeleirero a pôr extensões!!! quer dar comigo em doido!

20/8/05 10:22  
Blogger Amora Silvestre said...

Durante anos, a minha vida era preenchida por "Casimiros", que eu costumo chamar "portas". A comunicação com essas "portas" é nula. É impossível!
Entre comunicação e verborreia vai um passo de gigante.

Gostei muito :o))

20/8/05 23:06  
Blogger SpiritMan aka BacardiMan said...

No início da progressão alcoólica, e sempre a meio da noite (não, não apareço como um rato) pelo gosto e preconceito de que a esta hora se encontra a calma, e se encontra pouca mas boa gente (não ligues) devo dizer-te que curto muito o nome do teu Blog... "Papel de Fantasia"! Tá demais!! Toca-me tanto como me tocava, em criança, ir ao circo, ou... quando vou ver, por ex, M.Veiga. Sei lá, lembra-me sensiblidade, transparência... boa onda!!
Quanto à escrita/post's, tocou-me mais... não o fim, mas o meio/forma (aquelas coisas que eu também defendo...) de expressão. Tipo, podemos todos ir de lisboa a faro, á mesma velocidade, sem pensar em nada, ou... pensando em tudo!

Esta cerveja tá-me a começar a bater...

Parabéns pelo teu Blog!!

21/8/05 01:58  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para Vodka e valium 10:
É verdade. Ele há pessoal que não tem paciência nenhuma para ouvir uma boa história...com todos os condimentos. Anda para aí uma falta de apetite danada...
Um dia destes também estava a contar uma cena maluca a um gajo; a coisa arrastava-se, eu cada vez me entusiasmava mais (contava vírgulas e tudo...) até que ele me disse «Ó pá, desculpa mas tenho de dar corda aos sapatos para ir ter com um bacano.». «E o resto da história?, não queres ouvir?» perguntei-lhe. «Eu volto aqui no próximo mês e depois acabas», respondeu-me.
Achas que isto de faz?!

21/8/05 12:05  
Blogger mfc said...

Não, não se afz a ninguém, por muito que aborrecidas sejam as histórias. Porque da mesma forma que as gosto de contar, também as gosto de ouvir.
Há que saber distinguir entre as pessoas que realmente se interessam por nós e querem ouvir e as que não. É simples.
Infelizmente, eu ainda não encontrei essa simplicidade e ando às cabeçadas às paredes.

21/8/05 12:15  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para Joana:
Ai Joana, Joana! Leio e releio o teu comentário e não consigo encontrar uma resposta airosa (ou inteligente?!) para contornar o elogio que me fazes e me deixa simultaneamente estarrecido, baralhado e...emocionado.Obrigado!
(Esta é a parte que todos os comentadores que por aqui passam, têm acesso...)


Agora, só tu podes ler, Joana:
As tuas palavras, não são mais (nem menos!) as que vou ouvindo com inaudita frequência, paralelamente com os milhares de pedidos de autógrafos e de fotografias da minha modesta pessoa, que me chegam diariamente.
Não me agradeças as poupanças que fazes não comprando livros, porque me lês. É para isso que cá estou, óbviamente!

À séria:és muito simpática!! e eu procuro retribuir essa simpatia o melhor que sei. Obrigado.

21/8/05 12:30  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para Vodka e valium 10:
Agradeço a tua solidariedade na hora!
A simplicidade de que falas, não é assim tão simples como isso...pelo menos para quem não nos quer perceber. E até se divertem e argumentam: "se fosse assim -pela positiva, que piada é que as relações tinham?!".

Termino (que o almoço espreita...) com um pedido: "não andes ás cabeçadas nas paredes" que isso deve doer comó caraças!.

21/8/05 12:44  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para Segurademim:
Também tens cá uma imaginação! A fazeres-me passar por um mafioso da "marca" do Bugsy...Estarias mais próxima se me pusesses na pele do Clyde...
Se a minha amiga Catarina sabe que a "desenhas assim" (a perder tempo com extensões...) temos o caldo entornado.
Vai aparecendo, que gosto de pessoas...imaginativas.

21/8/05 14:50  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para Pp:
Não admira que te aborrecesses! Passar uma parte -por curta que fosse, da tua vida a "falar para portas", não deve ter sido pera doce, não.
Mas agora já passou, não foi? Já dialogas com pessoas interessantes...como eu, claro*.

* Como observas, a modéstia é uma das minhas melhores virtudes(?!).

Também gosto que tenhas gostado. Obrigado e tem um bom resto de domingo.

21/8/05 15:00  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para Bacardiman aka spiritman:
É interessante a tua abordagem ao nome do meu blog (que por coincidência é o nome que consta no meu BI; Papel de Fantasia Legível) e que te faz recuar ao tempo de criança e às tuas idas ao circo. Espero que não te tenha feito lembrar algum "palhaço rico", que as coisas relacionadas com o vil metal, não andam nada bem para o meu lado...
E sobre a Mafalda...pior ainda; nunca toquei viola no raio da vida. Só bateria, numa banda já há muito extinta e que não deve ser do teu tempo: "Na Kova dum Dente".
Vamos pois! De Lisboa a Faro na mesma velocidade, na mesma onda e...parando aqui e acolá para beber uma bejecas...
Aparece para discutirmos sobre tudo e sobre nada...

21/8/05 15:20  
Blogger rita said...

pois, as vezes estar-se calado é a melhor solução. prezo o silêncio, porque nos faz pensar. E hoje em dia pensar antes de dizer qualquer coisa é imprescindível.
beijos

22/8/05 17:31  
Blogger Joana said...

Adoro estes teus textos. A tua escrita tem contornos cinéfilos.Consegue-se saborear imagens a partir das palavras que dás.

:)

Beijinho grande

22/8/05 19:48  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para Jrd:
Com ele, estou sempre com um olho no burro...e outro na ferradura. Que tem ainda para mais a ideia,

"que tem mesmo um olho no meio da testa,
isto para além dos outros dois, é evidente..."

22/8/05 21:38  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para Rita:
Eu TAMBÉM não sou assim; palavra que me vem à boca, vem cá para fora em três tempos. Como diria o poeta:

"cada um é como cada quais(?!)
nem todos podemos ser diferentes...nem iguais"

Beijos.

22/8/05 21:42  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para Mood:
Já me estou a ver na Meca do cinema a escrever guiões com uma perna às costas e a não poder responder a todas as solicitações porque o tempo não...e... Prontos! Um sujeito acorda e...Sai mais um texto virtual e um

beijinho para ti.

22/8/05 22:00  
Blogger JPD said...

A parcimónia verbal foi respeitada: texto bem contextualizado; diálogos precisos, bom Gostei. Também fiquei com a sensação que de facto havia uma necessidade premente de falar. Convidaste a tua amiga e ela não estava à espera de mais nada senão do convite. É porreiro, uma café assim...!
Um abração

22/8/05 22:48  
Blogger Alberto Oliveira said...

Para Jpd:
Pois. A Catarina gosta tanto de falar como eu. Ou mais ainda...
Até parece prima daquele da picareta que nem me lembra o nome...
Mas pelo menos sempre estou próximo da "liberdade de expressão na sua quintessência"...

Abraço

23/8/05 18:41  

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