ESCREVER no GESSO
Detesto hospitais, penso que ainda não o tinha referido aqui. Não porque tenha grandes problemas em enfrentar a dor própria ou a dos outros, embora ambas não sejam espectáculos agradáveis. No meu caso, e em situações extremas, a dor não é um espectáculo; chega a ser um recital. Para mim, um hospital é um edifício enorme de arquitectura severa, pintado a branco-deslavado, decorado com um gigantesco H na porta principal, com batalhões de auxiliares de limpeza revezando-se na árdua e continuada tarefa de lavar o chão dos labirínticos corredores, do sangue que pinga regularmente das macas que vão chegando, carregando desgraçados sinistrados dos mais diversos acidentes . As URGÊNCIAS são o grande palco, onde a todos é distribuido um "papel" de maior ou menor relevo, mas em qualquer dos casos, "decorá-lo" leva horas infinitas. Seguem-se depois, os pisos e as salas, de nomes pouco comuns, repletas de seres trajados de branco, manipulando aparelhos complicados e as mais das vezes, brandindo facas e tesouras, retalhando aqui, cortando acolá, corpos que não dão por nada porque anestesiados, alguns "até à última morada". E o cheiro! O cheiro pestilento a desinfectante é a "cereja em cima do bolo"!.
Contrariado, "tornei-me cliente" de um desses detestáveis edifícios quando parti a perna. Voltei lá hoje para a consulta de rotina. Raioxizar o membro em questão e aguardar douta opinião da equipa de traumatologia-ortopedia. «Deite-se ali na marquesa» ordenou-me a auxiliar de enfermagem. É o melhor momento do dia, penso eu; o contacto físico com a "nobreza" sitiada entre quatro paredes hospitalares. «Como te sentes?» inquire o médico, num português que não engana a origem galega. E sem me deixar responder , observando o gesso da perna integralmente coberto por uma escrita a letra redonda e miúda, chama «Marisa! Tu que tens boa voz, lê-me o que está escrito "nesta perna"!».
E ela começou: "Detesto hospitais. Penso que ainda não o tinha referido aqui. Não porque tenha grandes problemas..."
18 Comments:
eheheheheh!!!
Como alguém disse um dia... E fez disso um provérbio... "Quem diz a verdade... Não merece castigo!"
Um abraço
Tens aqui um belíssimo texto... o H, ele em si, já é bastante labiríntico, a sua materialização com todas as letras e interpretes é no mínimo assustador!... bom mesmo, é mantermo-nos distantes! PS: mas afinal como é que partiste a perna???
Excelente texto. Excelente retrato da realidade da maioria de nós.
Lindo!!
O texto está lindo!!!
E como eu também detesto hospitais, madre mia!!!
Só não tenho gesso pra escrever :o))
O texto é excelente com um espectacular desenlace final. Muitíssimo bem engendrado.
Um abraço.
PS. Não és só tu que odeias Hospitais, penso que é um ódio de estimação geral, eu felizmente até agora tenho ido como visitante.
Olá!
O texto está muito bem escrito.
Se me permites acrescentaria o seguinte, citando Susan Sontag «A DOENÇA COMO METÁFORA»: «A doença é o lado sombrio da vida, uma cidadania bem pesada. Ao nascer, todos nós adquirimos uma dupla cidadania: a do reino da saúde e a do reino da doença. E muito embora todos preferíssemos usar o bom passaporte, mais terde ou mais cedo cada um de nós se vê obrigado, ainda que momentâneamente, a identificar-se como cidadão de outra zona.»
Obrigado pela tua visita. Estarei atento às tuas edições .
Um abraço
hehehehehe...loooooool....
Muito bom!!
:)
As tuas rápidas melhoras
Para Penumbra:
Se viesse para aqui contar verdades, já "me tinham caido os dentes todos"!*
*Dito popular sobre os mentirosos.
Abraço.
Para Segurademim:
Como posso "manter-me distante" se tenho o hospital a 50 metros de onde resido?!
Parti a perna "num fim de semana alucinante"!
Para Cp:
Obrigado. Por acaso a máquina digital que comprei recentemente também dá uma boa ajuda...
Para Pp:
Buenas tardes. Mi gusta mirarte por aqui!*
Lá por causa disso...não tenhas problemas. Quando me tirarem este, peço para não o deitarem para o lixo e dou-to; dá seguramente (pelos meus cálculos), para escrever três posts.
*Não sei se a frase está correcta uma vez que já não vou a Badajoz há uns anos largos...
Para Armando Ésse:
Obrigado.
Eu não conhecia de facto, essa tal realidade e também como tu, apenas de visita ou por relatos de outrém.
A área da saúde, também ela a entrar pela porta das urgências e a precisar de cuidados intensivos de imediato.
Abraço.
Para Jpd:
Obrigado pelo teu comentário.
Judiciosa a tua intervenção comentarista que complementa minha edição postista(?!)
Abraço.
Para Mood:
Oh oh!...obrigado.
Obrigado também pelos teuis cuidados. Isto vai com calma e...ao pé-coxinho...
forma inteligente de decorar gesso!*
AHAHAHAHAH
Tenho andado a actualizar as leituras e neste tive até q ler os comms e contra-comms. Delícia!
Não vem a propósito - dirás - mas lembrei-me tanto de um amigo de quem tenho saudades....
obrigada pelos bons momentos. Aos poucos, irei lendo os posts para trás ;)
Para Mjm:
Mas esse amigo partiu para longe? ou ainda é "caso mais grave"?!
Desculpa brincar com coisas eventualmente sérias.
A verdade é q chego a ter a sensação recorrente de q há vida depois da vida... não sei, coisa de feeling.
Só perceptível para quem acredite em reencarnações. Veremos...
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