NO CALOR do VERÃO
É. Tenho este hábito desde que me conheço. O de dialogar comigo. Nada de mais, pois que até é higiénico e adestra a mente. Por vezes, no calor de uma discussão mais apaixonada, distraio-me e as palavras saem cá para fora; em casa ou no exterior. Um amigo -mais corajoso, mas rodeando a questão de algumas cautelas, disse que me viu na rua a "falar sózinho" um destes dias. Reiterou mil desculpas por me tocar no assunto, invocou a amizade de longa data, preocupado com a minha pessoa, pois imaginou de imediato que eu não me encontraria bem, fosse por questões de saúde ou outras.
Agradeci-lhe os cuidados, que não se preocupasse por me ter abordado em "assunto tão delicado" que eu percebia onde ele queria chegar, mas que descansasse que estava tudo bem comigo. Enquanto eu falava, todo ele era atenção às minhas palavras, aos meu gestos, quem sabe na esperança de me apanhar numa frase sem nexo, num olhar demente ou num gesticular indiciando perigo público imediato. Reafirmei-lhe que -à excepção do problema de coluna, a extração recente de um rim e os valores elevados de colesterol, nunca estivera tão bem de saúde; que o casamento, embora tivesse passado por uma ameaça de pré-separação, estava de pedra e cal; que, finalmente, na companhia, as hipóteses de ser promovido nos próximos dez anos tinham ido à viola, mas recebia o vencimento no fim de cada mês.
«Mas tu ias mesmo a falar sózinho, não ias?!» teimou, mas já sem a convicção inicial de quem estaria prestes a partilhar um enorme drama alheio. «Não. Não ia a falar sózinho, ia a falar comigo» respondi calmamente. Um clarão de indisfarçável alegria inundou-lhe o olhar e exclamou, abraçando-me «Bem me queria parecer! Tu estás mesmo tarado!»
34 Comments:
Lindo! Lindo!
É isso e cantar no duche :o)
Acrescenta mais uma à lista de "taradas" que falam ... consigo mesmas.
Diálogos de eu e mim!
Tenho muitos assim no carro!
(que bom que gostaste das cores!)
muito bom... eu é mais cantar, para me embalar...
um beijo*
E quem não fala com os seus botões que atire a primeira pedra!!
Falar, falar, conversar com o espelho, verbalizar o que nos vai cá dentro é um exercício estético, inevitável, direi mais, indispensável. E antes que os outros ouçam...
Bom mesmo, é sermos nós a avaliar em primeiríssima mão da oportunidade da ideia, do fundamento da questão, da articulação dos argumentos, da aceitação das palavras, da delicadeza do problema, do substracto da coisa... olha pra isto, já tenho a cabeça a ferver, uffa... tou cheia de calor... tens cá cada amigo, tu!!!
De facto há uma grande diferença entre "falar sozinho" e "falar comigo". Porque não? Bem vistas as coisas, até vou aplicar essa técnica. Fazer reuniões comigo, branstormings, discussões, entendimentos...
Excelente.
looool...Que delícia de texto.
Eu também falo comigo, muitas pessoas o fazem sem que isso seja sinal de afastamento da realidade. Considero isso aliás um sinal de perfeita saúde psíquica. Significa que temos um mundo interno cheio...cheio de coisas com as quais entramos em diálogo.
:)
Quem sou eu para advertir o teu amigo. No entanto, aceita, o que o teu amigo te deveria ter dito seria: «Bem me parecia. É que estavas a ser tão elequente!»
Texto bem montado. Gostei.
Um abração
a esquizofrenia que existe em todos nós, mesmo naqueles que teimam em recusar tal,delicia.me sobremaneira!! as nossas intro discussões extravazadas são o que nos permite evoluir em todo o sentido!! eu cá não recuso uma conversa comigo, ou comigo ou ainda comigo, e assumo sem qualquer problema!! it's just me myself and i!! bxox
O dialogar consigo mesmo é fato... só acho complicado quando esse hábito se torna mais importante que o dialogar com os outros!... :)
Gostei do texto: idéias bem concatenadas, a escrita ágil e espirituosa nos prende -e ao final -, a sensação prazerosa de termos feito uma boa leitura. Parabéns.
Ora, ora, se não soubermos falar connosco, como saberemos falar com os outros?!... ;)
Tantas e tantas vezes que falo comigo... Longos e animados diálogos que nem sempre têm um fim conclusivo.
Não considero isso uma característica de uma pessoa "tarada", muito pelo contrário. Tarado, para mim, é aquele que houve a sua própria voz mas não a quer escutar.
Viva Legivel,
É tudo uma questão de comunicação!...:)Os edifícios também falam sózinhos...nas ruas e ruelas das cidades...nos prados ou nos montes...eles também falam!Geram diálogos...consigo próprios;)
Se falar sózinho é sinónimo de estar ficar marado, tenho que me internar imediatamente. Passo a vida a discutir, forte e feio, comigo.
Bem esgalhado o texto.
Um abraço.
ehehehehehehehe
Desculpa, não resisto... ganhaste aqui uma série de blogspams lindos!!!!! :o)))
Para Jrd:
Eu não sintetizava melhor...
Para Pp:
A casa de banho é o espaço ideal para todos aqueles que sonharam em seguir a carreira vocal mas que por "diversos motivos" tal não foi possível.
Para os outros (os que cantam "para espantar os males"), também.
A lista é actualizada ao segundo, podes crer!
Para Concha:
Claro! É durante a condução (e nas intermináveis filas)que produzimos as melhores diálogos connosco próprios.
Gosto pois; das cores e dos...sabores. Tens lá no teu sítio, imagens bem saborosas.
Para Rita:
A cantar também se dialoga; no teu caso também... se adormece?!
Outro beijo.
Para Segurademim:
O teu comentário faz jus ao teu nick-name...
Para uma discussão agendada contigo, o teu opositor tem de se acautelar...
Este meu amigo, também o é...da onça.
Para Cp:
Há sim senhor! E não se perde tempo com agendamentos, coffee-breaks e outras coisas do género.
Já há muito que utilizo este sistema...
Para Mood:
Também não fujo à regra, descansa. Mas o meu "mundo interno de coisas" por vezes preocupa-me; ele há coisas com que dificilmente se consegue dialogar e se transformam em conversas de surdos. Tenho de estabelecer prioridades para não ficar...afónico.
Para Jpd:
Este "meu amigo" tem coisas que por vezes me deixam desconfiado da sua sanidade mental. Para além de "me ter visto a falar sózinho" também uma vez afirmou que me viu (e ouviu) a ler textos de "O Capital" em Convent Garden em Londres, no mês de Agosto de...2030 ?!. Achas que posso confiar neste sujeito?
Abraço.
Para Fi@:
Prontos! Quem sou eu (um modesto bombeiro-sapador, assoberbado com os fogos que para aí há, não contando com aqueles com que se acendem os cigarros...) para te contrariar e face a tais argumentos?! Nem pó! A razão está contigo e com a tua...fiabilidade!
Beijos.
Para Batista filho:
Pensei ser tão improvavel aqui neste sítio, a visita de um irmão do outro lado do Atlântico, que hoje até ponho uma musiquinha do Vinicius para festejar.
Saravá!
Para Sotavento:
A minha cara amiga surpreende-me sempre pelos seus judiciosos, analíticos e sintéticos comentários.
É um prazer lê-la.
(lê-la? ou será lêla?! leila não deve ser...lá vou eu ao dicionário...)
Para Peter:
Inteiramente de acordo, estimado Peter; sobremodo no que se refere à sua frase "tarado é aquele que ouve a sua própria voz e não a quer escutar...".
Acrescentaria eu "e que não pode", embora a medicina auditiva tenha feito milagres neste campo e os coletes de forças ajudem bastante.
Para Musqueteira:
Viva Musqueteira!
(põe-te em guarda legível que esta mulher sabe do que fala!).
Claro que falam e de que maneira! Os edificios além de dialogarem com eles próprios, contam estórias e fazem a história e... é cada uma!
(acho que me saí airosamente desta...mas se a minha-mais-que-tudo me ouvir dizer que os "edificios falam..." é certo e sabido que me marca uma consulta para a Avenida Brasil...)
Para Armando ésse:
Então e eu?! Que quase chego a vias de facto comigo próprio?
Não te preocupes. O reino dos céus é dos conversadores.
Abraço.
Para Pp:
Está na moda, pelo que me é dado ver. Só há um modo de lidar com eles: "liquidá-los". Foi o que fiz.
Também gosto de falar comigo, mas é mais de gritar comigo, às vezes é a gata que paga, coitada não percebe...ainda...
Para Jorgemoutinho:
Tás cheio de sorte! A falar sózinho ou mudo as mulherfes não olham pra mim...para grande satisfação da minha mais-que-tudo...
Abraço.
Para Manhã:
Finalmente "a rapariga acordou"!!
Gritas contigo?! Então é um diálogo pró tempestuoso...Nunca cheguei a esse ponto, mas...confidência por confidência, por vezes chego a "a pôr-me de castigo"; do género: «ah portaste-te mal, foi? Então não vais comer aquele pastel de nata que estava ali para depois do jantar...»
Que tal:
A1, 11 da noite, janelas abertas do carro, vou a conduzir a 130-140 km/h, rádio no volume 13-14 e canto a plenos plumões a letra de uma qualquer canção dos U2...
Os carros passavam (pois a essa hora eu sou a condutora que mais devagar vai)e o pessoal olhava para "aquela MULHER LOURA AO VOLANTE que vai sozinha a gritar qualquer coisa em estrangeiro"
:P
Para Joana:
Mais uma cena louca do filme em estreia mundial "Fala Sózinho Comigo!Dois".
Com Joan Blonde e Ed Legivel.
Música dos U-two+two=four.
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